Nos últimos meses, o Coletivo Marxista tem analisado a difícil situação do Partido Comunista Português, o partido operário mais importante da história do país. Estas dificuldades, na nossa opinião, são a consequência da longa deriva reformista e nacionalista da liderança partido. É a responsabilidade da sua militância corrigir o curso do partido num sentido internacionalista e revolucionário. O PCP foi criado em 1921 como secção portuguesa da Internacional Comunista precisamente para isso, para lutar pela revolução socialista em Portugal como parte da revolução mundial. É preciso voltarmos aos clássicos do marxismo e estudarmos os documentos dos primeiros anos da Internacional Comunista e do próprio PCP. Compartilhamos aqui o programa de ação do PCP aprovado numa conferência do partido em março de 1923. Alguns dos elementos do programa estão desfasados, mas o sentido geral do documento, o seu espirito comunista, mantem-se totalmente relevante.
Deve ser dito que nos seus primeiros anos o PCP foi um partido fraco e instável, formado por antigos anarquistas sem formação marxista. A sua conformação como organização bolchevique foi lenta. Ora, a Internacional Comunista naquela época foi “a mais alta escola revolucionária”, em palavras dum dos seus máximos dirigentes, Trotsky, e ajudou a partidos jovens e inexperientes como o PCP a definir melhor a sua política. Este programa foi a iniciativa dos primeiros delegados do PCP a Moscovo, Pires Barreira e Caetano de Sousa, que participaram do IV Congresso da Internacional em 1922. De regresso a Portugal, tentaram redefinir a política do partido aplicando os acordos da Internacional Comunista, mas o fizeram dum jeito intolerante e burocrático, com expulsões e censuras, o que gerou uma crise interna e ao afastamento de Caetano de Sousa em Novembro de 1923. Embora Sousa e Barreira utilizassem métodos incorretos para defender o seu ponto de vista, achamos que este seu programa reflete o espírito dos comunistas da época e da Internacional Comunista de Lenin, e foi um esforço genuíno de os adaptar às condições portuguesas após a viagem da delegação do PCP a Moscovo.
Destacamos aqui os elementos seguintes: o apelo à frente única das diferentes organizações operarias na luta por objetivos concretos, mas sem abandonar o direito à crítica e à independência política; a rejeição do pacifismo pequeno burguês e a luta contra todos os imperialistas do mundo, incluindo os portugueses; o combate ao patriotismo de esquerda (“social-chauvinismo”), esconderijo do reformismo e da colaboração de classes; a recusa a colaborar com o setor “progressista” da burguesia (a esquerda republicana da época); crítica ao parlamentarismo, combinada com o uso tático do parlamento como plataforma para a agitação; e, sobretudo, o caráter profundamente internacionalista do PCP da época, que abre o documento identificando-se como a secção portuguesa da Internacional Comunista, como a agrupação em Portugal do partido da revolução mundial.
Todos estes princípios chocam com a atual política do PCP: a sua recusa a aplicar a frente única com outras forças em lutas concretas (por exemplo o BE); o seu pacifismo e apelos à ONU e o apoio ao bloco imperialista chinês-russo contra o bloco imperialista ocidental; o seu “patriotismo”; a política de colaboração com os reformistas durante a geringonça; a obsessão com a atividade parlamentar e as ilusões no potencial do parlamento para conquistar direitos; e a conceção pobre da liderança do PCP do internacionalismo, visto como simples “solidariedade” entre movimentos nacionais “soberanos”, e não como a unidade orgânica da luta da classe trabalhadora mundial. Esperamos que este documento contribua ao estudo sobre a história e a atual trajetória do PCP por parte dos seus militantes revolucionários e internacionalistas.
Conferencia portuguesa de militantes comunistas em Lisboa, março de 1923
PCP: Comité Central. Em 4 de março [1923] realizou se em Lisboa a conferência nacional de militantes comunistas da região portuguesa, promovida pela junta nacional das Juventudes Comunistas, e colaborada por alguns militantes do PCP, para estabelecimento exato dos princípios fundamentais do mesmo e a posição doutrinal da Internacional Comunista…. O PCP é a secção portuguesa da Internacional Comunista – e, como tal, de harmonia com o artigo 3º dos estatutos da mesma Internacional, e 17 das XXI condições de admissão dos Partidos na Internacional referida, o Partido passa a denominar-se Partido Comunista de Portugal (Secção da 3ª Internacional Comunista).
PROGRAMA DE AÇÃO
Organizar a resistência do proletariado a ofensiva cada vez mais crescente do Capital.
Para este efeito, PC pugnará pela defeza da jornada de 8 horas de trabalho, pela conservação e aumento dos salários conquistados, etc. o PC debaterá também todas as outras questões que interessem imediatamente a classe operaria. O PC propagandeará o principio da frente única de todo o operariado contra a reação económica e política; para a sua realização ele deverá dirigir os apelos que forem necessários a organização sindical ate que consiga efetivar a frente única, mesmo por sobre as cabeças dos chefes anarcossindicalistas, se for necessário. Nunca deixara de estigmatizar publicamente as recusas aos seus apelos, e na hipótese de aceitação jamais renunciará a sua independência completa, nem tão pouco ao seu direito de critica como participante na ação….
Procurar influenciar no sentido comunista o movimento sindical português.
O Partido manterá nos sindicatos uma propaganda perseverante e sistemática, formando neles núcleos comunistas subordinados ao PC e cujo constante trabalho revolucionário conquiste para o comunismo o movimento sindical. Estes núcleos terão por mots d’ordre a unidade sindical, o combate às internacionais [social-democrata] de Amsterdão e [anarquista] Berlim, e ao negativismo anarquista, defenderão o programa integral da Internacional Sindical Vermelha [comunista] e preconizarão as grandes demostrações em substituição das ações isoladas, e sobretudo a frente única.
Estudar ainda oportunamente a criação de Concelhos Económicos.
Promover uma propaganda e agitação sistemática entre os soldados.
A ação antimilitarista do PCP que se deve diferenciar do hipócrita pacifismo burguês e dos princípios contrarrevolucionários dos anarquistas; deverá assentar sobre os mots d’ordre do desarmamento da burguesia e da reação, e do armamento do proletariado. Os comunistas deverão preconizar e defender as reivindicações dos soldados e exigir para estes o reconhecimento dos direitos políticos, a liberdade de associação própria ou de participação nos agrupamentos políticos ou económicos do proletariado revolucionário…
Opor a sua ação a todos os manejos imperialistas dos governos de Portugal ou dos outros países. Como parte integrante do Proletariado de todo o mundo, o operariado português não pode deixar de interessar-se pela situação dos seus irmão além-fronteiras. O PCP não deverá, pois, olvidar a luta contra os tratados de Versalhes, Sevres, etc., mostrando ao nosso proletariado como eles proclamam a escravidão duma parte do proletariado em benefício da burguesia do mesmo ou doutro pais; denunciando os manejos do capitalismo movidos em torno da aplicação desses tratados e fazendo ao mesmo tempo sentir como eles são a fonte de novos conflitos guerreiros…
Sustentar uma agitação racional e sistemática entre os camponeses principalmente por médio dos operários comunistas em contacto com os trabalhadores rurais…
Sustentar todo e qualquer movimento de emancipação das colónias, pugnando pela expulsão delas de todos os imperialistas da metrópole…
O PCP tendo em atenção que a questão social não é um problema local, mas um assunto verdadeiramente internacional, reconhece que todos os povos, qualquer que seja a sua cor ou os seus costumes, são vitimas do mesmo mal-estar social, e com eles fraterniza. As populações coloniais, como mais exploradas e oprimidas pelo imperialismo internacional, merecem-lhe especial atenção, e o PCP sustentará sempre as suas reivindicações tendentes à libertação do jugo do capitalismo estrangeiro. O PCP defende a igualdade de direitos políticos e sindicais para todos os indígenas das colonias e proclama-se contrario à inclusão destes nas fileiras do exercito burgues…
Combater energicamente quer o social-patriotismo, quer o social-pacifismo, demonstrando aos trabalhadores todas as suas hipocrisias e falsidades. Conquanto tais tendências não tenham em Portugal uma influência dominante, o PCP estará sempre em guarda contra elas, não permitindo nunca que se manifestem nas suas fileiras. A ação deletéria, por ser de conciliação de classes, que, com certos assomos de radicalismo pseudorrevolucionário, alguns grupos, mais ou menos intelectuais, não caracterizados, também será rudamente atacada pelo PCP, cujos princípios são absolutamente irreconciliáveis com os métodos e ideias sem nexo de tais grupos que mais não são do que anteparos do regime capitalista e, por conseguinte, defensores da continuação do estado social de coisas baseado na exploração do homem pelo homem.
Romper completa e definitivamente com toda e qualquer política reformista ou do radicalismo burguês. O PCP desvendará perante as massas os intuitos e os fins contrários aos interesses da classe trabalhadora de toda essa política amorfa e indecisa – e, proclamando-se absolutamente oposto a ela, jamais permitirá situações mais ou menos dúbias de colaboração, mesmo não oficial, com qualquer delas. O Partido rigorosamente intransigente nos seus princípios nunca poderá situar-se numa posição de criminosa neutralidade para com essas políticas de quem será sempre o mais encarniçado inimigo, nem tão pouco permitirá que os seus membros mantenham, ainda que individualmente, uma atitude diferente da que o PCP se propõe.
Servir-se, para os efeitos de toda a luta contra a burguesia – bem como para a propaganda dos seus princípios – de todos os meios que ela põe ao seu dispor, e, portanto, penetrar no parlamento e nos órgãos administrativos da mesma burguesia, onde a sua entrada seja permitida seguindo os princípios da pseudodemocracia reinante… O PCP, não aceitando os falsos princípios da democracia, servir-se-á entretanto dela para penetrar no próprio seio do capitalismo e dar-lhe o mais rude combate, sem contudo jamais se comprometer. Não reconhecendo o parlamentarismo, senão como elemento de conservação da burguesia, o PCP servir-se-á dele, no obstante, como meio de luta e de propaganda…
Criar uma organização especial de mulheres e desenvolver a propaganda comunista entre as operárias em geral. O Comité do Partido deverá estudar, com a possível urgência, o problema do movimento feminino internacional, criando oportunamente o secretariado português deste movimento, e, se possível, uma Secção de Mulheres Comunistas.
Consagrar uma grande atenção e auxílio ao movimento das Juventudes Comunistas.
CONFIDENCIAL: Ao PCP é necessária uma centralização severa, uma disciplina inflexível, uma estreita subordinação de cada membro do Partido aos órgãos responsáveis do mesmo. É indispensável também desenvolver uma educação marxista dos militantes, multiplicando sistematicamente os cursos doutrinários nas secções e núcleos.
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