No fim de semana passado, decorreu o XXII congresso do PCP. Não é nenhum segredo que o partido se encontra num momento difícil, com um recuo da sua influência social, da sua força militante e do seu peso eleitoral. Numa organização comunista saudável, a direção defrontaria esta situação de declínio fornecendo aos militantes uma explicação séria e convincente, fazendo a necessária autocrítica e revisando as suas perspetivas. Mas infelizmente isso não se verificou neste congresso. Nós no Coletivo Comunista Revolucionário já publicámos uma crítica pormenorizada às teses do congresso, que, como era previsível, foram agora aprovadas. Não é preciso, portanto, voltarmos a debruçar-nos detalhadamente sobre as teses. Limitar-nos-emos a constatar duas coisas.
Primeiro, que os dirigentes do PCP tiram conclusões extremamente pessimistas do declínio do partido. Se o partido está a recuar, não é por quaisquer erros dos seus dirigentes, mas porque as condições objetivas são desfavoráveis. Diz o secretário-geral Paulo Raimundo:
“É um facto que a ofensiva ideológica [do capital] sempre houve. A diferença com o dia de hoje é a sua dimensão, meios e instrumentos ao seu serviço. Intensificam-se a escala global os mecanismos de condicionamento e controlo ideológico, ancorados em gigantescos grupos económicos que controlam os meios de comunicação e as redes digitais e procuram impor o pensamento único e iludir a natureza do capitalismo. Querem ocultar a exploração dos trabalhadores, querem ocultar a opressão dos povos, a brutalidade da guerra, o saque dos recursos naturais.”
Ora, se olharmos para o mundo, o que vemos precisamente é a perda do “controlo ideológico” por parte da burguesia. Num clima de raiva e de frustração que está a gerar mobilizações e convulsões sociais em inúmeros países, torna-se cada vez mais difícil aos capitalistas manter qualquer estabilidade política. Basta olhar para as manchetes das últimas semanas para verificar isso: crises governamentais nas duas principais potências da Europa, França e Alemanha; as multidões enfurecidas em Valência a deitar lama ao rei de Espanha após as inundações; um golpe de Estado travado pela intervenção das massas na Coreia do Sul; o apoio popular maciço ao assassinato político de um alto executivo do setor da saúde nos EUA; a vitória de um candidato anti-establishment “pró-russo” quase desconhecido na Roménia (o que levou a suspensão das eleições), etc.
Ou seja, é um quadro diametralmente oposto ao que Raimundo nos oferece, caraterizado não pelo maior “controlo ideológico”, mas pela instabilidade política aguda e pela radicalização das massas. Uma radicalização ainda confusa, sim, mas é o papel dos comunistas moldar esse sentimento de raiva e dirigi-lo para o derrubamento do sistema. O PCP tem fracassado rotundamente nesta missão, e a única explicação que os seus dirigentes oferecem são as “condições desfavoráveis” e a “ofensiva do capital e do imperialismo”. Ou seja, uma falta absoluta de autocrítica. Dir-se-ia que os dirigentes do partido fizeram tudo bem, é a realidade que está errada. Deste jeito, desnorteiam a militância comunista, espalhando o pessimismo e o fatalismo nas suas fileiras por um declínio que nada tem a ver com as condições objetivas – de crise, radicalização e instabilidade, muito favoráveis aos comunistas – e que tudo tem a ver com os erros dos dirigentes partidários. É uma atitude burocrática e desonesta para com a militância, de dirigentes dispostos a deturpar as suas perspetivas para não reconhecer os seus erros, para manter o seu prestígio.
Neste sentido, fazemos uma segunda observação. Tanto nas teses como nas intervenções do congresso, a direção do PCP identifica a profundeza da crise do sistema capitalista, que, como disse o secretário-geral Paulo Raimundo, está a revelar “toda a sua natureza exploradora, agressiva e predadora”. Trata-se de um sistema que “agrava a exploração, degrada as condições de vida, ataca a soberania e a democracia e aprofunda os graves problemas ambientais”. Para qualquer comunista, a conclusão lógica que disto decorre é a necessidade de agitar, agora mais que nunca, pela revolução socialista mundial, e de organizar-se com essa perspetiva, pela revolução nas nossas vidas. Mas nada disso se diz, nem nas teses, nem nas intervenções, além de referências vagas ao socialismo, relegadas sempre a um horizonte abstrato, tornando-se assim numa simples frase para animar a militância. Para hoje, trata-se de lutar pelos “valores de Abril no futuro de Portugal”, pela “democracia avançada”, e até por uma “economia mista”; numa palavra, por embelecer e aperfeiçoar o decrépito capitalismo português junto com a sua superestrutura, a apodrecida república burguesa nascida da contrarrevolução do 25 de Novembro. Isso na nossa casa, no plano internacional trata-se de apoiar a China, Rússia e outras potências capitalistas opostas ao domínio dos imperialistas norte-americanos.
Oferecem-se-nos as mesmas velhas fórmulas cinzentas, rotineiras e reformistas. É por isso que o partido está estagnado, não pelas “condições desfavoráveis”, mas porque na crise senil do sistema capitalista os dirigentes do PCP aferram-se à sua visão idealizada e nacional dele. Nós, comunistas revolucionários, defendemos a revolução socialista internacional, não no futuro longínquo, mas nesta geração. É com essa perspetiva que nos organizamos, nos formamos e lutamos.