“É natural para um liberal falar de «democracia» em geral. Um marxista nunca se esquecerá de colocar a questão: «para que classe?»” – Lenine: O renegado Kautsky
Ao fim de quase 50 anos a burguesia pôde finalmente celebrar no seu palácio parlamentar com pompa e circunstância, mas sem qualquer vislumbre de adesão popular, a vitória que teve no 25 de Novembro. Na verdade, é apenas lógico que o faça: o regime em que vivemos foi fundado nesse dia, com auxílio da conspiração do PS e dos seus militares próximos, com o concurso dos chaimites do Jaime Neves e a capitulação do PCP e da extrema-esquerda, tanto civil como militar.
Volvidos 50 anos continuamos a ser o país mais pobre e desigual da Europa Ocidental, com os serviços públicos em colapso, refém da dívida; e submetidos ao capital estrangeiro? Continuamos uma coutada duma burguesia parasitária cujo modelo económico assenta nos baixos salários, na especulação e nas rendas, monopólios e contratos garantidos, sem outra estratégia que não seja receber prebendas do seu Estado e sobre-explorar os trabalhadores, em particular os imigrantes? Pois que celebre, então, a sua mediocridade.
Embora nós comunistas defendamos todas os direitos democráticos e todas as reformas como a escola pública, o SNS o subsídio de desemprego ou as férias pagas, tudo conquistas sociais da revolução, devemos clamar alto e a bom som que este não é o nosso regime e esta não é a nossa democracia, mas a ditadura disfarçada dos grandes bancos e corporações.
Estas celebrações, contudo, não são fruto dum capricho ou a expressão dum sentimento revanchista (que existe) entre a classe dominante e os seus fantoches políticos. Num momento em que o regime está em crise, em que a credibilidade e confiança nas instituições do Estado burguês roça o grau zero, em que a raiva social se acumula, as celebrações do 25 de Novembro obedecem ao propósito de enlamear com um chorrilho de mentiras e histerismo a memória da revolução portuguesa para que não inspire as novas gerações no caminho da luta e da radicalização.
Esforço vão. Não só porque cedo ou tarde, a propaganda é atropelada pela realidade, mas, também, porque o significado que ainda hoje tem a revolução continua vivo e bem vincado ficou nas massivas celebrações dos 50 anos do 25 de Abril deste ano.
Para a burguesia, naturalmente, a revolução não foi mais do que “caos” e “anarquia”, um desvio inconveniente do que agora dizem seriam os saudáveis propósitos puros e originais do 25 de abril e que só o 25 de Novembro viria a corrigir. Compreendemos os seus incómodos: durante o processo revolucionário viram os seus bancos, as suas empresas e herdades a serem expropriados, tanto na metrópole como nas colónias que se emanciparam. Muitos tiveram de fugir para o Brasil. Nenhum passou fome, mas foram precisos anos para que pudessem regressar ao país e mais anos ainda para que pudessem recuperar as suas propriedades ocupadas, autogeridas ou nacionalizadas, pois a classe trabalhadora, apesar dos avanços durante o processo revolucionário, falhou a tomada do poder.
Nunca houve tanta liberdade como durante o Processo Revolucionário em Curso
A burguesia ainda hoje odeia a revolução. Num país oprimido por uma ditadura de décadas e por um obscurantismo religioso de séculos, de repente, a arraia-miúda, os milhões de trabalhadores e jornaleiros agrícolas despojados de quase tudo, tiveram a audácia de fazer frente, lutar, desferir importantes golpes e ameaçar o domínio daqueles que eram (e infelizmente voltaram a ser) os donos disto tudo. Na verdade, ao contrário das mentiras da burguesia, a revolução foi o período mais democrático da história deste país, uma época quem a democracia não ficou à porta das fábricas e das empresas, das herdades e dos quartéis.
Foi a mobilização popular logo no próprio dia do 25 de Abril que garantiu a libertação de todos os presos políticos, o fim da PIDE, o fim da censura, a ação sindical livre e dos partidos políticos (tudo coisas a que inicialmente se tentou opor Spínola, o general a quem Marcelo Caetano entregou o poder para que “não caísse na rua” e que se tornou no presidente da república por deferência do MFA). Foi nesta época que se criaram partidos e sindicatos de massas, em que se multiplicaram as comissões de empresa e de bairro; em que a democracia não foi um ritual vazio de 4 em 4 anos, mas a ação quotidiana das massas em luta, a construir um futuro novo nas fábricas, nos campos e nos bairros através das suas comissões. Foi durante o PREC que se realizaram as primeiras eleições livres, para a Assembleia Constituinte, a 25 de Abril de 1975, e que registou a mais alta participação eleitoral de sempre: mais de 91% dos eleitores foram às urnas. E foi ainda durante o processo revolucionário que os povos das colónias conquistaram a sua independência.
Mas não houve ameaças à liberdade recém-conquistada? Claro que houve! Durante os 18 meses do PREC outra coisa não fez a burguesia portuguesa se não atentar contra a liberdade recém-conquistada dos trabalhadores. Aliás, a cada ofensiva da classe trabalhadora, a burguesia respondeu com os chamados (e fracassados) Golpe Palma Carlos, 28 de Setembro, 11 de Março e, finalmente, com o 25 de Novembro quando enfim pôde triunfar e restaurar a ordem.
Durante o PREC não foram as igrejinhas ou as sedes dos partidos de direita que estiveram em chamas: foram as sedes sindicais e dos partidos de esquerda que foram atacados ora por multidões saídas das missas dominicais ou por redes bombistas de extrema-direita, que realizaram centenas de atentados à bomba, destruindo, intimidando e matando. O perigo da “ditadura comunista” é uma descarada mentira hoje invocada por aqueles que quiseram, eles mesmos, afogar em sangue e repressão a revolução iniciada a 25 de Abril. Esta é a verdade que tem de ser cuspida na cara dos Venturas, Moedas, Montenegros e Marcelos da vida.
E chegados ao 25 de Novembro?
Muito se falou nos últimos dias sobre os vencedores e os perdedores do 25 de Novembro. Sejamos claros! Não foi a extrema-direita a grande derrotada do 25 de Novembro: a extrema-direita (política e militar) já tinha sido derrotada no 25 de Abril, no 28 de Setembro e no 11 de Março. Os grandes derrotados foram os trabalhadores e os militares revolucionários, centenas deles saneados e presos nos dias seguintes ao golpe do 25 de Novembro, urdido pelos dirigentes do PS e os oficiais do “Grupo dos 9” (seus aliados) que iniciaram uma contrarrevolução democrático-burguesa.
E se essa contrarrevolução não passou pela ilegalização do PCP e dos sindicatos, pela repressão sangrenta do movimento operário, tal não resultou da “derrota da extrema-direita no 25 de Novembro”, ou da boa-vontade dos militares do Grupo dos 9 e de Melo Antunes que sentenciou no rescaldo do golpe “o papel insubstituível do PCP na construção do socialismo”, nem sequer do papel “conciliador”, “responsável” dos dirigentes comunistas e dos seus apelos ao entendimento entre as várias fações do MFA, mas na imensa força, grau de consciência e militância da classe operária, que tornava muito arriscado o caminho duma guerra civil que a burguesia não tinha certeza que poderia vencer.
Um caminho arriscado não apenas para a burguesia portuguesa, mas para o capitalismo internacional temerosa duma radicalização maior da classe operária internacional, numa época em que aqui ao lado em Espanha o franquismo se desagregava, na Grécia tinha caído a “ditadura dos coronéis” ou até nos Estados Unidos, humilhado e derrotado, o seu exército era expulso do Vietname. O “perigo da intervenção estrangeira” foi outro espantalho agitado pelos reformistas para justificar as suas capitulações
Na verdade, naqueles anos de 1974 e 75, a correlação de forças era amplamente favorável à classe trabalhadora: o pêndulo tinha girado decididamente à esquerda e só a ausência duma alternativa revolucionária de massas, ancorada no marxismo, frustrou a chance de derrubar o capitalismo, em Portugal e no mundo. Foi essa a razão concreta – o poder da classe trabalhadora – que explica porque do 25 de Novembro não resultou uma ditadura militar reacionária, mas uma democracia parlamentar burguesa “a caminho do socialismo”, como afirmava a Constituição de 76, onde se jurava o carácter “irreversível” das nacionalizações e das “conquistas de Abril”, tudo proclamações bonitas, cortinas de fumo, que procuravam ocultar a contrarrevolução que já seguia em curso e que precisou de vários anos para chegar ao seu termo.
Não abdicamos de nenhum dos nossos direitos democráticos e não desistimos de nenhuma das poucas conquistas sociais que ainda subsistem, herança da revolução, mas este regime em que vivemos não é o nosso. O que pretendemos não é acabar com as celebrações do 25 de novembro, assim que regresse uma maioria de “esquerda” ao parlamento, o que queremos é acabar com o regime novembrista, que é a ditadura burguesa, a ditadura dos grandes bancos e empresas que, nesta época de crise sistémica, apenas tem para oferecer às novas gerações de trabalhadores a guerra, a devastação ambiental e a austeridade infinita.
E é por isso que a memória da Revolução nos é tão querida e importante: nós vamos beber nela, nas lutas dos nossos pais e avós, lições e inspiração para as nossas lutas de hoje. Daí a nossa campanha pública deste ano “derrubar o capitalismo e cumprir Abril”, daí a sucessão de artigos no site e no jornal, daí a publicação de um livro sobre a história da revolução, daí a escola de formação que organizámos em Maio ou os regulares debates que realizamos sobre os vários aspetos do PREC. Não se trata dum interesse académico ou um sentimento nostálgico, mas de uma necessidade que a luta revolucionária impõe: defender a herança da revolução de Abril tanto daqueles que a tentam reescrever à direita… como daqueles que o fazem à esquerda!
Independentemente do que seriam os desejos dos capitães, a revolução portuguesa iniciada com o seu golpe do 25 de Abril, não foi uma revolução “democrática” sequestrada por minorias radicais que ambicionavam uma “ditadura soviética”. A revolução de Abril foi uma revolução socialista derrotada, uma revolução na qual o seu motor foram as lutas dos trabalhadores da cidade e do campo, que ganharam logo nas primeiras semanas conquistas históricas, que impuseram nos meses seguintes as nacionalizações, a autogestão, a reforma agrária, que contruíram partidos e sindicatos de massas que diziam ter como seu objetivo o socialismo (até o principal partido burguês, o PPD, a isso foi obrigado!), que radicalizou pelas suas lutas um importante sector militar, que juntos soldados, marinheiros e operários derrotaram vários golpes reacionários, até que por fim, dividida, paralisada e traída por todos os seus dirigentes reformistas, foram finalmente os trabalhadores derrotados a 25 de novembro.
É de bradar aos céus como no campo da esquerda, que se diz comunista, ainda hoje há quem se lamente que “não havia condições”, que “os fascistas isto e os imperialistas aquilo”, que a correlação de forças não o permitia, que não se podia “saltar etapas”, que não era possível avançar para o socialismo, que os trabalhadores não tiveram consciência de classe q.b., que não tiveram “maturidade”, que foram corrompidos pela aristocracia proletária, que foram um atrelado da pequena-burguesia militar, que até algumas das suas mais significativas conquistas afinal eram “uma cartada da burguesia”, ou “capitalismo de Estado”, uma “recomposição do capitalismo” sob a “ditadura militar do MFA”, que a 25 de novembro “não havia muita revolução para destruir”, ou que nem sequer houve revolução alguma, porque para alguns, os trabalhadores no seu “atraso”, não entraram em massa nos seus pequenos grupos que juravam ser José Estaline o sal da terra e a Albânia “socialista” o farol da humanidade!
Tudo serve como alibi e desculpa para ilibar os erros e até (nalguns casos) abertas traições que os próprios ou aqueles de quem são hoje os herdeiros políticos, na época cometeram. Infelizmente, o que verificamos é que nada aprenderam. Nunca aprendem. Dos reformistas mais descarados aos esquerdistas mais empedernidos, todos (ontem como hoje) se agarram primeiro aos seus esquemas formalistas e se lamentam e justificam depois com aquelas mesmas características que fazem uma revolução aquilo que é ou, para citar as palavras de Lenine, que conhecia muito bem uns e outros:
Mas onde estava o “destacamento avançado do proletariado”, isto é, um partido revolucionário de massas durante a revolução portuguesa? Em parte alguma, pois tal partido não existia no 25 de Abril. E essa será, decerto, a mais importante lição de Abril: a necessidade de construir de antemão, um tal destacamento, um tal partido bolchevique, para que possamos triunfar no futuro.
Não cabe no âmbito deste artigo, que já vai longo, relatar os acontecimentos que conduziram e depois ocorreram no 25 de Novembro. Para conheceres mais, temos o 25 de Novembro: anatomia de um golpe
Contudo, que duas companhias de comandos, sem qualquer apoio popular nas ruas, tenham conseguido nesse dia dominar a “Lisboa vermelha” é bem sintomático do desnorte da chamada “extrema-esquerda” militar e civil, mas sobretudo como, nos bastidores, PS e PCP (conspirando os primeiros e capitulando os segundos) chegaram a um acordo de cavalheiros para assegurar a transição para a democracia parlamentar burguesa que hoje vivemos. E o PCP lá continuou no VI governo provisório mesmo depois do golpe de novembro.
Uma revolução é um acontecimento raro. Mas a última palavra, ainda está por dizer. Como dizia Lenine “há décadas em que nada acontece e há semanas em que acontecem décadas”. A crise global do capitalismo está a criar as condições para uma nova explosão na luta de classes, também em Portugal. Como comunistas devemos preparar-nos para esse combate e não tornar a perder a chance de mudar o país e o mundo. Cada quadro comunista que hoje seja formado na escola da luta de classes e no estudo da teoria, ganhará dezenas e centenas no futuro. A todos os jovens e trabalhadores que rejeitam este sistema apodrecido e que sentem a necessidade de agir, que querem lutar pela revolução e não por reformas e paliativos, convidamos-vos a juntarem-se ao CCR e à Internacional Comunista Revolucionária.
25 de Abril sempre, fascismo nunca mais! Viva a revolução comunista!