Há duas semanas saíram notícias informando sobre despedimentos no Bloco de Esquerda. Particularmente chocante foi o despedimento de duas trabalhadoras ainda lactantes, quando precisamente o partido se tem destacado (e bem!) com um dos maiores defensores da proteção laborar para mulheres grávidas, puérperas e lactantes.
E estes despedimentos ocorreram quando o Bloco de Esquerda detinha em caixa e depósitos bancários quase 800 mil euros. Este é um dado bastante pertinente porque os dirigentes bloquistas tentaram escudar-se com a quebra de receitas provenientes das subvenções do Estado e o fim das “comissões de serviço” de quem assessorava os deputados, embora vários dos trabalhadores despedidos, incluindo-se as trabalhadoras lactantes com filhos de meses, nem sequer estavam consignados ao trabalho de assessoria parlamentar.
Não entrando na discussão sobre a legalidade dos despedimentos , torna-se evidente a imoralidade dos mesmos, tanto mais que alguns desses despedimentos terão ocorrido com recurso a expedientes para contornar a lei. “Recurso a expedientes”, aliás, é a única expressão que poderá caracterizar a relação laboral entre o BE e o seu funcionário Vítor Machado que chegou a receber parte do salário “em notas”, por debaixo da mesa. Também ele acabou despedido.
Inicialmente o Bloco negou tudo, atribuindo as notícias a uma campanha da extrema-direita e anunciando queixa à ERC, mas com o avolumar da polémica e a vinda a terreiro de alguns dos trabalhadores despedidos, a direção bloquista foi obrigada a um flic flac à retaguarda: seguiram-se novas justificações, cartas internas com explicações à militância e um canhestro de pedido de desculpa de Mariana Mortágua, afirmando “somos humanos e às vezes erramos”.
Vários dirigentes, vinculados à oposição interna, demitiram-se da Comissão Política do BE como protesto não apenas por estas práticas, mas também pela recusa da maioria da direção aceitar a constituição duma comissão de inquérito, reclamando que o órgão que (estatuariamente) “assegura a direção quotidiana do Movimento” se encontra afinal “esvaziado das suas competências”! Na prática, estes dirigentes demissionários acusam o Bloco de ser gerido por uma clique que governa à margem dos estatutos, das decisões congressuais e do controle e fiscalização democrática dos militantes.
Ora, seguramente, a confiança de muitos dos seus militantes terá saído abalada, podendo até vários deles abandonar o partido pois, ao contrário do “caso Robles” (antigo vereador bloquista em Lisboa que fez campanha contra a especulação imobiliária, enquanto ele próprio era um especulador), aqui não se trata duma situação individual, de alguém que, à margem do partido teve um comportamento menos correto: aqui trata-se das decisões e da incoerência coletiva duma direção que atropelou os direitos dos seus trabalhadores, enquanto lançava campanhas públicas em defesa da proteção laboral da classe trabalhadora!
E aqui chegados, malgrado as dimensões éticas (ou a falta delas…) deste escândalo que envolveu a direção bloquista, o que pretendemos realçar são as lições políticas que este caso deveria proporcionar. Isto porque, a nosso ver, nada do que dos dirigentes do BE foram balbuciando como justificações revela qualquer tipo de aprendizagem.
O problema do Bloco não foi o azar de ter perdido votos, eleitos e subvenção estatal e, porque são “humanos”, por infortúnio “erraram”, acabando por replicar no partido as piores práticas dos capitalistas. O problema do Bloco é ter ficado (e continuar) dependente do dinheiro que recebe do Estado burguês. Com essa dependência financeira como podem os seus dirigentes pretender que lutam contra o sistema? Na realidade não lutam. Ou não lutam pelo seu derrubamento, apenas pelo seu aperfeiçoamento e fazem-no apenas tanto quanto essa luta não venha a minar as perspectivas eleitorais de quem dirige o partido, sem outro horizonte que não o curto prazo e sob pressão da opinião pública burguesa, almejando um lugar para o banquete do Estado burguês. E porque na realidade não concebem a superação do capitalismo é que acabam por aceitá-lo e reproduzi-lo, mantendo trabalhadores precários, pagando “em notas” ou despedindo trabalhadoras lactantes! Esta, repetimos, embora tenha uma dimensão moral, é sobretudo uma questão política: um partido que vive de e para as subvenções eleitorais nunca será independente.
Este episódio revela ainda, para além da dependência financeira do Estado, a visão limitada, toda ela institucional dos dirigentes bloquistas: nem sequer tentaram apelar ao reforço das contribuições da militância para manter esses trabalhadores e desviá-los de tarefas mais ou menos institucionais ou de assessoria para um trabalho de organização do partido pela base, criando novas células, expandindo a ação e influência do partido nos bairros, nas empresas e nas escolas, recrutando, reforçando e revigorando o Bloco, como movimento “em busca de alternativas ao capitalismo” que supostamente deveria ser, tal como se lê na sua “definição de objetivos”. Infelizmente, essa não é a perspectiva dos dirigentes bloquistas, dum partido que se apresentou como “novo” aquando da sua fundação, mas que já leva várias décadas priorizando os ciclos eleitorais e os velhos arranjos negociais, sacrificando a organização militante de base pela ilusão de influenciar uma governação “à esquerda” do PS, fosse apoiando a geringonça, fosse participando na vereação Medina da câmara de Lisboa…
Enfim, se queremos realmente buscar alternativas ao capitalismo, temos de dedicar algum do nosso tempo, alguma da nossa energia e algum do nosso dinheiro. Não há atalhos: temos de nos organizar de modo independente tanto dos patrões, como do Estado. Temos de criar uma organização de militantes e não de “aderentes”, de ativistas que combatem no terreno da luta de classes, que estudam a teoria e as ideias que permitirão conquistar essa alternativa; e que sejam capazes de as transmitir e ganhar muitos mais para esta causa. Sem dúvida que um aparato logístico – funcionários, sedes, imprensa -tem a sua importância, mas absolutamente fundamentais são as ideias, os métodos e as tradições com que se constrói a alternativa ao capitalismo, a alternativa comunista. E não há outro antídoto para a burocratização dum partido que queira buscar a “alternativa ao capitalismo” que não seja a participação permanente e consciente da sua militância construindo pelas suas mãos e pelo seu engenho essa alternativa.