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Geringonça 2.0… sim ou não? 

A reedição duma nova “geringonça” como solução governativa nunca terá deixado o horizonte de perspetivas dos dirigentes do PCP e do Bloco, contudo a queda do governo trouxe à tona, novamente, esta hipótese de modo mais tangível.  

O pontapé de saída foi dado por Bernardino Soares (destacado dirigente do PCP) que, escassos dias após a queda do governo PS, comentou num debate televisivo que o governo da geringonça “foi dos mais estáveis e sucedidos governos da nossa democracia”.  Logo depois, o “polígrafo” puxou dos dados dum barómetro para indicar que o primeiro governo da geringonça tinha sido o mais bem avaliado pelos portugueses nas últimas décadas.  

De seguida, a coordenadora nacional do BE Mariana Mortágua veio a terreiro afirmar que a Geringonça “permitiu ao país olhar-se com dignidade recuperar salários e pensões”, acrescentando em seguida que no período pós-eleitoral o Bloco quer ser “determinante para as soluções que contam”. Na mesma linha, o secretário-geral do PCP Paulo Raimundo garante que  “nunca faltará para dar contributos positivos”.  

Na prática, quando confrontados com a possibilidade duma nova Geringonça nenhum dos dois líderes dos partidos à esquerda do PS excluem futuros entendimentos com este, limitando-se a protestar que “com esta política em curso nos últimos dois anos não, obrigado”. 

A primeira coisa que temos de relembrar é que os anos da “Geringonça” não repuseram tudo aquilo que os anos do governo PSD/CDS, da intervenção da troika e das políticas da austeridade tinham roubado aos trabalhadores portugueses: dos dias de férias às indemnizações por despedimento, as alterações ao código do trabalho não foram revistas. Com a exceção do salário mínimo, levando em conta a inflação, os salários estagnaram, tanto para os funcionários públicos, como para os trabalhadores em geral. Também para os pensionistas não foi diferente

Não ignoramos medidas positivas como a introdução dos passes sociais dos transportes nas áreas metropolitanas a preços reduzidos ou a oferta de manuais escolares, mas falamos de migalhas! Migalhas que não repuseram o poder de compra e os direitos perdidos nos anos de chumbo da troika; migalhas que foram concedidas em consequência de anos de lutas como não se viam em décadas; migalhas concedidas em consequência dos melhores resultados eleitorais obtidos pelos partidos de esquerda à esquerda do PS desde os anos 70; e sobretudo concedidas em consequência dum ciclo económico favorável que permitiu à burguesia portuguesa fazer algumas escassas concessões, em troca da paz social e da canalização para a negociação parlamentar da energia e mobilização dos anos de luta contra a troika e a austeridade. 

O resto, entretanto, já é história: a experiência da Geringonça conduziu o PCP e o Bloco aos seus piores resultados eleitorais de sempre e, sobretudo, a crise económica do capitalismo reduziu a cinzas as tímidas conquistas da Geringonça à conta da espiral inflacionária, do aumento das taxas de juro, da explosão do custo da habitação(malgrado as promessas do período da Geringonça) e da degradação dos serviços públicos sacrificados no altar do pagamento da dívida – degradação essa que, aliás, os anos da Geringonça não evitaram, anos em que eram inscritas verbas em orçamentos (que PCP e Bloco aprovavam), para depois os investimentos, aquando da execução orçamental, serem “cativados” pelo então ministro Mário Centeno,  hoje governador do Banco de Portugal e na época conhecido como o “Ronaldo das finanças”… 

O facto de o governo da Geringonça ser ainda hoje o que (na época!) foi o mais bem avaliado (em 20 anos) pelos portugueses não é tanto prova dos méritos da Geringonça mas do quão maus têm sido todos os sucessivos governos! Infelizmente, os líderes do PCP e do Bloco continuam cegos às realidades do capitalismo e ao desastre a que conduziram os seus partidos. 

No atual contexto económico, uma hipotética Geringonça 2.0 seria chamada a gerir a crise do capitalismo e a lançar sobre os ombros dos trabalhadores o fardo da mesma. As políticas dos últimos dois anos do governo do PS não são fruto da malvadez do António Costa ou da ausência de “pressão” do Bloco e do PCP por força da maioria absoluta do PS: são fruto da crise do sistema capitalista e da necessidade de fazer a classe trabalhadora pagar pela mesma. Entre reforçar o Serviço Nacional de Saúde ou pagar os juros da dívida pública o PS escolheu pagar a dívida. Mas o PS escolheu sempre pagar os juros da dívida, mesmo durante a Geringonça – daí as famosas cativações do Mário Centeno, daí a constante degradação dos serviços públicos, daí a estagnação de salários e pensões (com a exceção dos mais baixos valores)!  Os únicos que mudaram de política foram os dirigentes do PCP e do Bloco que deixaram, em 2015, de defender a necessidade de renegociar a dívida pública portuguesa, por exemplo.   

Não foi por acaso. Tal como em 2015, também agora os dirigentes do PCP e do Bloco recusam-se a explicar as verdadeiras razões da crise. Ontem como hoje limitam-se a lamentar e denunciar os sintomas. Não é por acaso: se a crise é resultado das “más escolhas do PS”, bastará que seja reforçada a votação do Bloco e do PCP para que estes (na ótica dos seus líderes) se encontrem em condições de poder “dar contributos positivos” e serem “determinantes para as políticas que contam”… como se, em última instância, as políticas com as quais poderemos vir a contar no futuro não sejam o resultado, por um lado, da crise capitalistas e, por outro, da luta da classe trabalhadora e da juventude, mas antes fruto dum mirifico poder de negociação, pressão e influência dos deputados do PCP e do Bloco! Ontem… como hoje! 

Assim, não se estranha que ao invés duma análise crítica ao que foram os anos da Geringonça, persistam em agarrar-se à fantasia duma imagem idealizada da mesma, embriagando-se com a propaganda que na época produziram para ocultar a sua capitulação, alheios à ressaca que, entretanto, se instalou. 

Mas não tendo aprendido nada com os resultados da Geringonça original, não entendendo (ou não querendo entender) a natureza da crise capitalista e não confiando na capacidade da classe trabalhadora para derrubar o sistema, que outras perspetivas podem escolher (ainda que veladamente…) Paulo Raimundo e Mariana Mortágua se não a de poderem vir a estar na posição de “darem contributos importantes”, isto é: de poderem vir a ser as bengalas que apoiam um futuro governo de Pedro Nuno Santos, pleno de retórica e vazio de conteúdo? 

Isto partindo do princípio de que haverá um governo PS, após as eleições para o qual o Bloco e o PCP possam “ser determinantes para as políticas que contam” … Na verdade, a incapacidade de compreender a crise e a recusa em romper com as políticas ditas “realistas” dum reformismo nem reformas consegue já proporcionar e que só ambiciona gerir, com um “rosto humano” e “um cravo na lapela”, essa mesma crise, apenas poderão abrir caminho à vitória da direita.  

No momento em que o sistema capitalista internacional está mergulhado numa crise profunda e que o regime democrático-burguês “novembrista” está desacreditado como nunca, o que precisamos não é de líderes políticos “responsáveis”, prontos a socorrer o sistema. Isso é uma perspetiva que nem sequer seduz, mobiliza e galvaniza o eleitorado tradicional do PCP e do Bloco, muito menos a juventude que procura uma alternativa. Pelo contrário, abre espaço à manipulação da extrema-direita que associa a ideia de “socialismo” e até “comunismo” à governação do país nos últimos 8 anos, enquanto se apresenta demagogicamente como “antissistema”! Ora, só há uma forma de barrar o caminho à extrema-direita: é o caminho da luta de classes e da construção duma alternativa de classe, revolucionária e anticapitalista. 

À Geringonça 2.0 contrapomos a Revolução Redux! 

ADENDA: mal tínhamos escrito este artigo e o Secretário Geral do PCP veio a público manifestar o desejo de chegar a um entendimento com o PS

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