Nas últimas semanas, duas propostas do PCP chamaram a nossa atenção, relativas à polícia e ao exército, e que expuseram a postura do partido perante os órgãos repressivos do Estado, no meio de uma campanha securitária e militarista promovida pelo governo AD e pelos imperialistas ocidentais.
“Mais polícia nas ruas”
A primeira proposta, a 20 de Janeiro, foi apresentada em uma conferência de imprensa de Rui Fernandes, do comité central, sobre a segurança pública. Durante a conferência qual, o camarada alerta sobre os “múltiplos problemas no plano da Segurança Interna”, problemas decorrentes, segundo ele, do facto de a maioria da polícia se “sentir desmotivada”. Consequentemente, Fernandes apoia as reivindicações profissionais da PSP e da GNR e advoga pela sua fusão numa só polícia. Criticam-se, corretamente, algumas políticas do governo, como a instalação de câmaras de videovigilância ou as grandes operações policiais mediáticas, rejeita-se a ligação entre insegurança e imigração e questiona-se a “perceção” espalhada pela direita sobre um aumento drástico na criminalidade. Em definitivo, critica-se aqui, embora de forma bastante tímida, a política repressiva e securitária do governo AD, que, não podendo oferecer absolutamente nada à população, recorre ao espantalho da criminalidade misturando-a com o racismo, e aproveitando no entanto para acirrar a repressão contra as lutas sociais (veja-se, por exemplo, as rusgas sem mandado contra o centro social Planeta Manas, há só uns dias). Rui Fernandes, porém, conclui afirmando que “o que pedem e necessitam [as populações] é mais polícias na rua”!
Numa altura em que a AD, seguindo o compasso do Chega, está a aumentar os recursos e competências da polícia, num cocktail totalmente reacionário de racismo, repressão e histeria securitária, que só visa distrair e intimidar a classe trabalhadora, o PCP dedica-se a pedir “mais polícias na rua”, protegendo assim o flanco esquerdo da campanha repressiva orquestrada pelo Montenegro e pelo Ventura. Estas declarações, infelizmente, não são de admirar. Já na altura do assassinato de Odair Moniz na mãos da PSP em outubro, o PCP não dedicou uma só palavra a criticar a polícia, pedindo, pelo contrário, “a valorização das carreiras das forças de segurança”. Dir-se-ia que o assassinato a sangue frio de um trabalhador negro foi consequência de os agentes serem mal pagos e não terem suficientes dias de folga, e não uma expressão da atitude racista e violenta da polícia nos bairros proletários da periferia de Lisboa, condenados à marginalização e a fornecer mão de obra barata a capital, com a PSP a proteger este status quo opressivo e explorador.
Além disso, o próprio PCP corretamente assinala que, embora se tenha dado um aumento da delinquência, a sua tipologia é muito variada, tendo-se verificado a maior subida da criminalidade no âmbito dos abusos dos cartões de crédito, e havendo aumentado bastante também a violência doméstica e entre vizinhos. Não é preciso dizer que, até aceitando a perspetiva securitária do Estado, este tipo de crimes dificilmente podem ser resolvidos pondo “mais polícia nas ruas”. Na verdade, tentar resolver a insegurança pondo “mais polícia nas ruas” é como tentar apagar a sede bebendo água de mar. Podemos dizer aqui de forma muito sintética que a insegurança é consequência das injustiças e violências do capitalismo, e só pode ser resolvida de forma duradoura indo à sua raiz social, garantindo uma vida digna a todas as pessoas, fortalecendo a organização e consciência dos bairros e evitando a lumpenização e brutalização da juventude.
“O dia do sargento”
Ainda em janeiro, o grupo parlamentar do PCP fez a proposta de consagrar o 31 de janeiro como dia nacional do sargento (dia, que, aliás, já existe), e pedindo ao governo que saliente o seu “significado histórico e enaltecendo o papel dos Sargentos e os serviços por estes prestados às Forças Armadas e ao País”. É preciso sublinhar que o dia 31 de janeiro é o aniversário da revolta republicana do Porto de 1891, uma revolta, lembremos, motivada pelo conflito com a Inglaterra sobre o “mapa cor de rosa”, ou seja, pelo domínio das zonas interiores da África austral: um conflito entre duas potências colonialistas opressoras e predadoras. Em qualquer caso, colocando a um lado estas questões históricas, Portugal e a Europa toda encontram-se no meio de uma onda militarista, com a NATO a pedir que a despesa seja aumentada até o 2% do PIB (e os EUA a exigir um 5%), com Mark Rutte a pedir explicitamente que se corte o gasto em saúde e pensões para atingir esse objetivo.
Apesar do peso ridículo do imperialismo português no cenário mundial, a burguesia do nosso país, vassala das grandes potências, está a contribuir com o seu pequeno grão de areia nesta orgia militarista, como o ministro da defesa Nuno Melo a tentar duplicar o gasto militar de Portugal. Trata-se de uma campanha totalmente reacionária, que visa fortalecer o músculo do imperialismo europeu numa fase de acirramento das tensões entre os diferentes blocos imperialistas, embrenhados numa luta à morte pelo controlo do mercado mundial. Ao mesmo tempo, as tensões entre os EUA e a Europa estão a empurrar os capitalistas europeus a construírem o seu próprio aparelho militar para proteger as suas esferas de influência. Ou seja, pede-se-nos aumentar o gasto militar para enviar o exército português às aventuras dos imperialistas ocidentais na Europa de Leste, no Médio Oriente ou em África, ou ainda para promover as pequenas ambições imperialistas da burguesia portuguesa em lugares como São Tomé ou Timor-Leste.
Esta campanha militarista tem uma dimensão ideológica muito importante, já que a classe trabalhadora europeia é adversa a cortar o gasto social para investir no exército, e é adversa também às guerras e intervenções imperialistas. Torna-se necessário para os imperialistas “dignificar” as forças armadas, promover o “patriotismo” e gerar uma histeria sobre o “perigo” russo ou chinês. O PCP, ao invés de denunciar esta campanha, como lhe caberia a um partido genuinamente comunista, dedica-se a pedir a “valorização” das carreiras do oficialato e a promover efemérides militaristas como o dia do sargento. Novamente, o PCP blinda o flanco esquerdo do governo AD na sua política repressiva e militarista.
O papel do Estado
Estas enormidades da direção do PCP não são simples erros. Têm raízes teóricas no programa e na ideologia do PCP. Este partido não se bate pela revolução socialista, mas pela “democracia avançada”, que seria atingível no quadro da atual república burguesa, simplesmente desenvolvendo “as realizações de Abril” que estão “consagradas na constituição”. A “democracia avançada” permitira a passagem pacífica e sem sobressaltos para o socialismo (sobre o qual o PCP sempre fala em termos extremamente abstratos). Quer dizer, a tarefa dos comunistas não seria lutar contra este regime apodrecido, mas o aperfeiçoar. Porém, a democracia portuguesa é uma democracia burguesa, algo que os dirigentes do PCP não parecem perceber. É-lo apesar do palavrório esquerdista da constituição, que só serve para ocultar o seu verdadeiro caráter. Os dirigentes do PCP “esqueceram o mais importante”, como dizia Lenine sobre os mencheviques, esqueceram que “a polícia em todo o lado, em todas as repúblicas, por mais democráticas que sejam, onde a burguesia está no poder, é sempre a arma infalível e o principal apoio e proteção da burguesia”.
O objetivo do Estado português, como demonstram nitidamente a história das últimas cinco décadas, é defender os interesses dos grandes capitalistas, distraindo, contendo e, quando se torna preciso, reprimindo a classe trabalhadora. Ao criar ilusões no exército e na polícia, o PCP confunde a classe trabalhadora sobre a verdadeira natureza do Estado, retardando a sua tomada de consciência. Todavia, apesar dos esforços do PCP por embelecer este regime, ele já está a se comprometer aos olhos dos setores mais avançados da juventude e do proletariado. O aprofundamento da crise capitalista obriga o Estado a se despir da sua máscara “progressista” e “social” e a mostrar-se pelo que realmente é: corpos especiais de homens armados ao serviço da propriedade privada, ao dizer de Engels. Nós, comunistas revolucionários, declaramos a nossa oposição implacável a este regime, explicando a sua origem na contrarrevolução de Novembro de 25, denunciando a sua natureza de classe burguesa, agitando contra todas as suas repressões e desmandos, e preparando uma nova geração de comunistas para o seu derrube revolucionário.
[Fotografia de Brecht de Vleeschauwer]