O jornal Público noticia hoje que “nunca houve tantos carros nas estradas”. Em 2023 o aumento de tráfego nas estradas portuguesas subiu 8,2% em relação a 2022, ano que já tinha registado um recorde na circulação. De resto, o corpo da notícia informa que a tendência é para continuar: “2024 será uma extensão de 2023”.
É, ainda, por demais sabido que a produção de automóveis elétricos não é neutra na emissão de carbono , que a extração de lítio por grandes empresas de mineração capitalistas tem um impacto brutal no ambiente e nas comunidades locais (muitas vezes com recurso a mão-de-obra infantil e às mais grotescas formas de exploração), e a posterior reciclagem das baterias em fim de vida está longe de se encontrar satisfatoriamente resolvida.
Sem surpresa, as estradas com mais tráfego são as vias de acesso ao coração das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto quando, diariamente, centenas de milhares de trabalhadores, pequenos comerciantes, estudantes, etc., se deslocam dos subúrbios para trabalhar no centro das grandes cidades.
Os urbanistas escutados pelo Público apontam como soluções o aumento de portagens, restrições e encarecimento do estacionamento, bem como a expansão (a prazo) da rede de transportes públicos. Estranho como, a estes urbanistas, escapa a necessidade de inverter a especulação imobiliária, a gentrificação e a “turistificação” das grandes cidades com a consequente expulsão dos seus moradores para (cada vez mais) longínquos subúrbios!
Na verdade e sob o capitalismo, para milhões de trabalhadores, a “cidade dos 15 minutos”, nunca passará duma ilusão apenas ao alcance duma classe média-alta endinheirada capaz de comprar ou arrendar casa no centro e/ou laborar em teletrabalho. Todos os demais terão de fazer extensas e demoradas deslocações diárias, muitas vezes de horas, para trabalhar, deixar e recolher os filhos na escola. Uma vez mais, a propriedade privada choca com a qualidade das nossas vidas e a imperiosa necessidade de combater as alterações climáticas através duma planificação democrática e racional da economia, do urbanismo e dos recursos da sociedade.
Naturalmente, como comunistas, somos totalmente favoráveis à expansão da rede de transportes públicos, mas é fundamental que esses transportes sejam todos eles propriedade pública sob gestão dos próprios trabalhadores e utilizadores. Essa é a única forma de garantirmos que a rede de transportes público servirá com qualidade as necessidades do conjunto da população, não se focando exclusivamente naqueles percursos e horários que sejam lucrativos ou, no limite, que sejam (mal) providenciados através da comparticipação de dinheiros públicos (impostos cobrados aos trabalhadores) para sustentar os operadores privados.
Por outro lado, não podemos ser ingénuos: a indústria automóvel gera milhões, tanto para os industriais que os produzem, como para aos banqueiros que financiam a crédito a sua aquisição. Eles não têm o menor interesse em acabar com a dependência automóvel e tudo farão para o impedir. O fim da “cultura do automóvel” só se realizará com a expropriação das indústrias e dos bancos que promovem o automóvel como meio de deslocação e objeto de status. E assim os automóveis passariam facilmente (até) à condição de objetos partilhados.
Enfim, eixo fundamental que é necessário desenvolver ainda é a chamada “mobilidade suave”. Não deixa de ser irónico que sendo Portugal o maior produtor e exportador de bicicletas na União Europeia haja tanta resistência à expansão das ciclovias e aos sistemas de bicicletas partilhadas nas grandes cidades, a começar pelo Porto e Lisboa, onde temos um autarca que (a meio do mandato) construiu zero metros de ciclovias, destruiu já a ciclovia da Av. de Berna, mas vai trazer uma etapa da Vuelta à España em bicicleta, investindo milhões em show off para atrair… mais turismo! Como se houvesse pouco turismo e a prioridade fosse… a necessidade de promovê-lo!
Para além de mais prática e económica (tanto em relação aos carros como aos transportes públicos), a “mobilidade suave” é o meio mais amigo do ambiente e com menor pegada ecológica. A vulgarização das bicicletas elétricas acabou, entretanto, com o álibi das colinas ou da idade. E com um dos climas (por enquanto) mais amenos da Europa, a chuva, o vento, o frio ou o calor intenso também não são desculpas.
Uma maior e mais frequente utilização dos meios de “mobilidade suave” depende ainda da criação de condições seguras para os ciclistas (expansão das ciclovias, limitação da velocidade e áreas sem trânsito automóvel nas cidades). Porém, quanto maior for a distância a percorrer, menos prático se torna o uso da bicicleta – mesmo se elétrica. E aqui voltamos à necessidade das nossas cidades serem resgatadas ao turismo e à especulação para serem devolvidas à classe trabalhadora expulsa por estes (privados) interesses, eliminando a dicotomia entre os bairros de serviços e atividade económica versus os dormitórios onde não há nada. Também aqui não servem meias-tintas: precisamos duma revolução!