Voltemos a Lenine! 

Artigo de Davide Morais Pires

Há quem diga que as ideologias morreram, que a História acabou, que já não existem trabalhadores, ou que, realmente, o capitalismo é mau, mas não há uma alternativa melhor. 

A frase “é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo” é o horizonte curto dos muitos que à esquerda se oferecem como bengala a um governo PS, não obstante as limitações do reformismo evidenciadas nos últimos tempos. Há uma grande parte da liderança dos partidos de esquerda que já não acredita na revolução e que só pensa em gerir o capitalismo, contentando-se com as migalhas que vão recebendo do Governo (burguês). 

Nos grupos de ativismo vemos um grande potencial, mas as formas de luta não são adequadas para o inimigo de classe que combatemos.  Não há um Paulo Raimundo ou uma Mariana Mortágua que diga: “Não passarão!”. Não há quem diga: “se virão à rua 100 reacionários fascistas, mobilizaremos a classe trabalhadora para que estejamos 10 mil presentes e envergonharemos de tal modo este rebento fascista que nunca mais quererá sair do seu covil”. 

Ainda há quem acredite na Revolução? 

No ano em que se celebram 50 anos da Revolução de Abril a situação em que se encontra a esquerda é paradoxal e revela as sucessivas capitulações ao reformismo e às lutas mesquinhas de egos que mais se alinham no jogo burguês do que no interesse da classe trabalhadora. 

Existem algumas explicações, porém, que nos ajudam a compreender porque chegámos a este ponto e é preciso ressalvar que existem comunistas e elementos da classe trabalhadora que estão ansiosos para mostrar a sua força perante este surto da extrema-direita. 

Uma explicação prende-se com os líderes e altos quadros dos partidos de esquerda. É preciso recuar a um dos melhores anos em termos de resultados eleitorais pós-25 de Abril do PCP e da esquerda, em geral. Depois de anos de PSD e troika, em 2015, o povo confiou nos partidos de esquerda para reverterem toda a política de austeridade e a favor dos grandes grupos económicos. 

Não apenas aqui em Portugal, mas também na Grécia, no ano de 2015, o SYRIZA ganhara as eleições com a mesma esperança e confiança de que os líderes da esquerda iriam adotar políticas de classe, opondo-se aos interesses do Banco Central Europeu, FMI e União Europeia. O resultado, tanto na Grécia quanto em Portugal, foi um atraiçoar completo da confiança depositada pela classe trabalhadora. 

É claro que se produziram algumas melhorias aos trabalhadores em Portugal, através de um alívio de políticas austeritárias, muito por um contexto económico internacional favorável e ao crescimento exponencial do turismo e do imobiliário. Mas assim que o contexto internacional mudou, o dinheiro usado pelos reformistas deixou de estar disponível. Começámos a ouvir do Governo PS, em gerigonça com PCP, BE, LIVRE e PAN, discursos em nome de “contas certas”, que não passa de um eufemismo para cortes e medidas de austeridade. Os partidos de esquerda traíram o voto dado pela classe trabalhadora. 

Derrota assumida 

A segunda explicação assenta na derrota assumida da direção dos partidos de esquerda perante o capitalismo. Embora o programa do PCP aponte para uma democracia avançada e o programa do BE queira “fazer o que nunca foi feito”, a verdade é que reconhecem a necessidade de um “acordo de maioria (…) comprometida com soluções de esquerda” (programa eleitoral do BE), esquecendo-se que já tiveram este voto de confiança em 2015, e nas eleições seguintes, e frustraram a classe trabalhadora ao não mudarem substancialmente a vida das pessoas. Qualquer trabalhador pensará: “Estiveram lá e não fizeram, é agora que o vão fazer?” 

Veja-se o que dizem os líderes de esquerda quando as taxas de juro aumentam e sufocam classe trabalhadora: “Taxar os lucros da Banca”, quando deviam dizer: “Nacionalizar a Banca, colocando-a ao serviço e sob controlo da classe trabalhadora”.  

Quando não existem casas no mercado de arrendamento porque estão afetas ao alojamento turístico, estão devolutas ou são usadas para a especulação por parte dos fundos de investimento, o que dizem é: “Colocar tetos de aumentos de renda”, quando deveriam afirmar: “Expropriação dos fundos de investimento e das casas devolutas, sem compensação”. 

Quando os nossos impostos alimentam a indústria de armamento dos EUA e missões de “paz”, que por coincidência estão localizadas em zonas ricas de matérias-primas e metais preciosos, a esquerda diz: “Temos agir no quadro da diplomacia internacional”, quando deviam dizer sem rodeios: “Sair da NATO e contribuir para o seu desmantelamento”. 

Sabemos que a implosão da União Soviética provocou um retrocesso na consciência e o capitalismo tem-se afirmado, mesmo em países que são governados por partidos ditos comunistas, como na China. Mas hoje a crise do capitalismo está, à escala mundial, a despertar na juventude e nos trabalhadores mais conscientes a necessidade de construir uma alternativa ao capitalismo e de que é possível criar uma sociedade diferente, onde não temos de acumular dois ou três trabalhos para viver. 

Voltemos a Lenine 

Infelizmente, as direções da esquerda não acreditam na revolução e por isso insistem em defender uma constituição burguesa ou abrigar-se à sombra da legalidade do Estado (burguês) para “confrontar” a extrema-direita e evitando estar na rua em nome próprio, justificando que não responde a provocações. 

Lenine já tinha alertado que “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. Afirmar isto não é dizer que é necessário conhecer os princípios do marxismo-leninismo para se ser revolucionário. Mas para realizar uma luta eficaz contra a burguesia, é necessário saber como se dá a dominação, como combatê-la e que alternativa ao atual estado de coisas temos. 

A teoria marxista não é uma abstração e não tem como objetivo centrar-se em discussões filosóficas sobre o mundo. É uma teoria que desenvolve uma “análise concreta da situação concreta”, ou seja, uma ferramenta prática que tem como premissa a transformação radical da sociedade, com base numa compreensão das contradições provocadas pelo capitalismo, das forças em jogo na disputa por recursos (capital económico e político, entre outros), enquanto aponta para as estratégias necessárias que visam alcançar essa mesma transformação. 

Umas das lições que podemos aprender com As teses de abril, de Lenine, é que devemos exigir medidas imediatas, mas sempre tendo em vista a transição para o socialismo. Na época, as medidas imediatas eram por fim à guerra imperialista, reforma agrária e nacionalização da banca, assim como o controlo popular dos meios de produção. Sabendo que eram minoritários, a tática proposta aos bolcheviques era esclarecer as massas dos erros da liderança dos reformistas ao mesmo tempo que defendia a necessidade do poder passar para a mão dos sovietes. 

As teses foram apresentadas em 1917, mas ainda se mantêm atuais! É preciso anunciar às massas de que, tanto faz qual é o partido que está no poder, se no fim aplica um programa burguês. Precisamos de comunistas que, no legado de Lenine, critiquem os planos reformistas e esclareçam que só quando a classe trabalhadora tomar o poder e se apropriar dos meios de produção, em Portugal e no mundo, é que poderá haver progresso e paz. 

Mas como fazer isto? Em Que fazer?, Lenine demonstra que a classe operária não consegue fazer uma revolução se não estiver organizada. Se há ideia que resume bem esta obra é: a classe operária sozinha não consegue criar uma revolução, sem ter um partido de vanguarda que ligue a luta por melhores condições económicas à luta política e à conquista do poder. Recorde-se que esta vanguarda não é o mesmo que um grupo isolado, mas sim um conjunto de ativistas, preparados teoricamente e aperfeiçoados no trabalho prático de agitação, que consigam fornecer a organização e direção necessárias. 

Conclusão 

Onde estão os comunistas? Nunca como hoje foi tão necessária a presença de comunistas, herdeiros do legado de Lenine, que contribuam decisivamente para esclarecerem as massas de que o voto no Chega é contribuir para mais um ataque burguês ao que se conquistou em Abril e que ainda não foi cortado; é preciso esclarecer a classe trabalhadora a unir-se e forçar os reformistas a reconhecerem a sua cobardia, mas também mostrando que há uma alternativa ao capitalismo e às suas políticas reacionárias neoliberais. 

Cientes da necessidade de voltarmos a Lenine e aproveitando o centenário da sua morte, o Coletivo Marxista dedicou um ciclo de tertúlias que terminou em 28 de janeiro, onde discutimos as suas obras fundamentais e como aplicar aos nossos dias os mesmos princípios de análise e luta, como se processa a dominação da classe dominante, nacional e internacional, e como pode a classe trabalhadora libertar-se. 

O nosso trabalho não termina aqui, e é necessário que cada comunista contribua no esclarecimento de quem ainda não está consciente do chicote que o força à precariedade e aos baixos salários, mostrando que não são os imigrantes a culpa da sua condição, mas que o jogo está viciado. Precisamos alertar que a verdadeira luta pelo povo não é a defesa de um conjunto de normas legais burguesas, mas a conquista do poder pela classe trabalhadora. 

Urge construir uma unidade no seio da classe trabalhadora que force a extrema-direita a não sair do seu covil e nem ousar amedrontar os trabalhadores, independentemente da sua origem nacional, e que não são meias medidas que resolvem o problema. 

As estratégias pacifistas e legalistas não resolvem o problema dos constantes ressurgimentos da extrema-direita; fechar estabelecimentos comerciais para os proteger de marchas neonazis, não é o caminho; querer consertar o capitalismo e proteger uma constituição burguesa (impotente para banir organizações fascistas, que supostamente proíbe) é manter-se no mesmo erro esperando resultados diferentes. 

O caminho é organizar e mobilizar a classe trabalhadora para as tarefas imediatas de fazer recuar os reacionários fascistas e lutar contra a crise económica e social, mas também para a necessidade de conquistar o poder e passarmos a controlar os meios de produção para, à escala internacional, criarmos as condições económicas e sociais necessárias para transitarmos para o socialismo. 

Se a única coisa que temos a perder são as correntes que nos aprisionam, então lutemos pela revolução! 

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