Antonio G

Gramsci e o Partido Comunista Italiano

Este artigo explica as divergências e os erros políticos que marcaram os primeiros anos do Partido Comunista da Itália (PCI). O Congresso de Lyon de 1926 foi a culminação da natureza contraditória do PCI que – agravada pela degeneração burocrática da Terceira Internacional – contribuiu tragicamente para a derrota dos comunistas italianos, ao lado do resto do movimento operário, nas mãos do fascismo.

Os primeiros anos do Partido Comunista da Itália (PCI), nascido da cisão de Livorno no Partido Socialista Italiano (PSI) em 1921 (após a direção do PSI ter desempenhado um papel traiçoeiro durante a ocupação das fábricas alguns meses antes), foram intensos e difíceis. Esse jovem e inexperiente partido teve que enfrentar desafios sem precedentes para o movimento comunista: como combater o fascismo – um fenômeno desconhecido e reacionário – e como se engajar com uma Internacional Comunista (de cuja orientação estratégica e tática, decidida nos terceiro e quarto congressos, o jovem partido não compartilhava) que foi logo depois tomada pelo mesmo processo de degeneração burocrática em curso no partido líder da Internacional, os bolcheviques russos.

O partido nascido em Livorno foi dominado pelas ideias de Amadeo Bordiga (13 de junho de 1889 – 23 de julho de 1970), que foi o líder reconhecido e fundador do PCI. Ele desempenhou um papel fundamental na organização da ala revolucionária mais intransigente do PSI e, portanto, tinha grande autoridade dentro das fileiras do novo partido. Embora fosse um revolucionário de grande estatura, infelizmente adotou uma posição ultra-esquerdista e rejeitou a tática de Frente Única aconselhada pela direção da Internacional Comunista.

O partido nascido em Livorno foi dominado pelas ideias de Amadeo Bordiga (13 de junho de 1889 – 23 de julho de 1970), que foi o líder reconhecido e fundador do PCI. Ele desempenhou um papel fundamental na organização da ala revolucionária mais intransigente do PSI e, portanto, tinha grande autoridade dentro das fileiras do novo partido. Embora fosse um revolucionário de grande estatura, infelizmente adotou uma posição ultra-esquerdista e rejeitou a tática de Frente Única aconselhada pela direção da Internacional Comunista.

Ele foi o mais determinado na preparação da separação do Partido Socialista Italiano (PSI). Ele havia conseguido unir a corrente comunista de esquerda em Milão – com seus principais líderes, Fortichiari e Repossi, um grupo de maximalistas (centristas) por trás de Gennari, e o grupo do Ordine Nuovo – em torno de si e sua facção, representada pelo jornal Il Soviet. Gramsci e Terracini estavam no comitê central desde o início.

A divisão, embora necessária, não resolveu sozinha o problema de criar uma direção revolucionária na Itália: apenas criou a base sobre a qual construí-la.

O segundo congresso do PCI

Os debates dentro do Comintern, em particular a polêmica sobre a correção da tática de frente única como meio de conquistar as fileiras dos partidos social-democratas, não constituíram um desacordo puramente teórico ou abstrato, mas tiveram consequências muito práticas, como foi tragicamente demonstrado na Itália naquele período.

O segundo congresso do PCI, realizado em Roma em março de 1922, continha a essência do pensamento bordiguista: a rejeição de qualquer forma de cooperação com a social-democracia e a recusa em adotar o slogan “Por um governo operário”. A tática de frente única foi aceita pelos comunistas italianos apenas na frente industrial: era aceitável trabalhar com D’Aragona (líder da federação sindical CGL), mas não com Turati (líder de direita do PSI).

Em termos de perspectivas políticas, o PCI viu no horizonte a abertura de uma fase social-democrata na Itália. A social-democracia reuniria todos os outros partidos em um governo de unidade nacional. Essa perspectiva era compartilhada pela esmagadora maioria da direção do partido. Veja estas palavras de Gramsci:

“O mesmo processo acontecerá na Itália e em outros países capitalistas. Contra o avanço da classe trabalhadora, formar-se-á uma coalizão de todos os elementos reacionários, desde os fascistas ao Partido Popular e os socialistas: na verdade, os socialistas se tornarão a vanguarda da reação antiproletária porque conhecem melhor as fragilidades da classe trabalhadora” (Paolo Spriano. Storia del Partito comunista italiano, Volume 1: Da Bordiga a Gramsci. p.138).

Deve-se reconhecer, como Trotsky o fez mais tarde, que Gramsci foi o único que não descartou uma vitória do fascismo na Itália. No entanto, entre 1921 e 1922, as táticas do PCI foram guiadas por posições incorretas e sectárias. Claramente, a tática de uma frente única contra o fascismo foi considerada inútil se a social-democracia e o fascismo quisessem fazer um acordo e se tornar parte do mesmo campo; e pareceria inútil mesmo para aqueles que, ao contrário de Bordiga, não consideravam a não colaboração com a social-democracia uma questão de princípio.

Por iniciativa de Trotsky, o Comintern criticou duramente essas teses. Vejam esta carta do Presidium a o PCI:

“Convidamos o Partido Comunista a lutar pela dissolução da Câmara dos Deputados para instalar um governo operário. Ao estabelecer um programa mínimo para as demandas a serem atendidas por um governo operário, os comunistas devem se declarar dispostos a formar um bloco com o partido social-democrata e apoiá-lo, na medida em que defenda os interesses da classe trabalhadora. Se o PSI aceitar, terão início as lutas, que serão transportadas do campo de ação parlamentar para outros campos. Com isso respondemos à objeção de que o slogan de um governo dos trabalhadores significa nada mais do que uma união parlamentar. Se o PSI rejeitar nossa proposta, então as massas serão persuadidas de que mostramos a eles um caminho concreto para avançar, enquanto o PSI não sabe o que fazer” (Leon Trotsky, Scritti sull’Italia, p.82).

No Congresso de Roma, as vozes dissidentes formavam uma minoria, facilmente identificável na “direita” do partido em torno de Tasca, que manteve um perfil bem definido durante todo o período que antecedeu o Congresso de Lyon. O grupo em torno de Ordine Nuovo alinhava-se às posições desenvolvidas por Bordiga e os camaradas ao seu redor. Essas posições expressavam o sentimento, dominante nas bases do partido, da necessidade de uma ruptura radical não apenas com as posições moderadas de Turati (o líder da ala abertamente reformista do partido), mas também com o maximalismo radical (isto é, o centrismo) de Serrati, o líder do partido, que se mostrou incapaz de liderar a classe trabalhadora e, portanto, abriu o caminho para o fascismo. Esse sectarismo tinha muitos aspectos genuínos: a tarefa de uma direção comunista deveria ser a de educar as bases para limitar e eventualmente erradicar esses impulsos; em vez disso, os bordiguista atiçaram as chamas desse ultra-esquerdismo.

As teses de Roma não resistiram ao teste do tempo. A chegada ao poder do fascismo, com a Marcha sobre Roma em outubro de 1922, refutou as perspectivas apresentadas pela direção.

Já a criação de um movimento antifascista, como o Arditi del Popolo, um exemplo perfeito de uma frente única organizada a partir de baixo, começou a delinear as primeiras diferenças pós-Livorno entre Bordiga e Gramsci.

De Gramsci:

“Os comunistas são contra o movimento dos Arditi del Popolo? Pelo contrário. Eles lutam pela criação de uma força proletária armada capaz de derrotar a burguesia e presidir o desenvolvimento e a organização das novas forças produtivas geradas pelo capitalismo” (Citado em Spriano, p.143).

Isso estava muito longe da posição oficial do Executivo do Partido, que pode ser vista aqui:

“Não podemos deixar de lamentar que certos camaradas tenham entrado em contato com os iniciadores romanos dos Arditi del Popolo para oferecer sua ajuda e pedir instruções. Caso isso se repita, medidas mais duras serão adotadas. O Comitê Executivo do Partido Comunista da Itália e da Federação da Juventude Comunista da Itália alertam todos os camaradas e todas as organizações comunistas para serem extremamente cautelosos com qualquer pessoa que, pessoalmente ou por correspondência, se proponha a fundar, ou agir com unidades do Arditi del Popolo” (“Inquadramento delle forze comuniste”, de La lotta del Partito comunista d’Italia, p.21).

Por meio desse incidente, podemos ver todas as limitações da maneira dogmática de pensar de Bordiga: para ele não poderia haver flexibilidade tática no caminho para conquistar a maioria do proletariado ao programa comunista. Essa rigidez estava na raiz de suas posições abstencionistas e de sua oposição a uma frente única na esfera política, por exemplo. Além disso, Bordiga não viu diferenças substanciais entre a democracia burguesa e uma ditadura bonapartista ou fascista, uma vez que ambas eram formas de dominação do capital.

Para Bordiga, a vanguarda do proletariado por si mesma ficaria convencida da correção das ideias dos comunistas e, consequentemente, ingressaria no partido. Bastava esperar e formar os quadros necessários para estarem preparados quando, na enésima hora, chegasse a revolução. Esse tipo de espera messiânica, entretanto, nada tem a ver com o marxismo.

O confronto começa

É precisamente na questão da frente única que as primeiras diferenças entre Gramsci e Bordiga vieram à tona. Já no quarto congresso do Comintern, a linha do PCI havia sido submetida a duras críticas por parte da Internacional, que exigia que a direção italiana aceitasse a linha do congresso [ou seja, adotar a tática da Frente Única voltada para as fileiras do PSI como forma de unir toda a camada avançada da classe trabalhadora em torno do Partido Comunista] e orientar o partido nessa base.

Esse confronto produziu o primeiro ditado organizacional, emitido em relação ao PCI pelas mãos de Zinoviev, que usou sua autoridade para nomear um novo comitê executivo onde três membros eram da antiga maioria (Fortichiari, Scoccimarro, Togliatti) e dois da direita (Tasca, Vota). Esta foi a primeira vez que o Comintern usou sua autoridade para nomear a partir de cima os líderes de uma seção nacional, sem o acordo dos próprios líderes designados.

Vejam abaixo uma ideia do estado de espírito dessa nova direção:

“Amadeo se posiciona do ponto de vista de uma maioria internacional, devemos nos posicionar do ponto de vista de uma maioria nacional” (Palmiro Togliatti. La formazione del gruppo dirigente del PCI, Editori Riuniti. p.197).

“Que atitude devemos assumir politicamente? (…) Se antes do quinto congresso o partido se recuperou desta crise, se tem um núcleo constitutivo e um centro que tem a confiança das massas italianas graças às suas próprias ações e não à situação internacional, então teremos o luxo de criticar. Por enquanto, parece-me que é melhor evitarmos a questão e ganharmos tempo” (Ibid. p.262).

Este “oportunismo” terá consequências profundas e negativas para o PCI.

A Conferência de Como

O grupo em torno de Gramsci defendia uma linha mais correta do que a dos bordiguistas, mas eram minoria e foi apenas por causa das circunstâncias e da vontade de Moscou que se viram à frente do partido. Os quadros intermediários do PCI, os que lideravam as seções locais, estavam quase todos com Bordiga.

A prova disso veio na conferência especial realizada em Como, em junho de 1924. Estavam presentes os secretários dos ramos locais, os secretários inter-regionais e os membros do Comitê Central. Havia três documentos em discussão: um apresentado pela ala direita de Tasca, um do “centro”, apresentado por Gramsci, e um da esquerda assinado por Bordiga. Bordiga obteve votos de 33 dos 45 secretários locais, de quatro dos cinco secretários inter-regionais, do representante da Federação Juvenil e de um membro do CC. Tasca obteve os votos de cinco secretários locais, um secretário inter-regional e quatro membros do CC. Gramsci conseguiu quatro secretários locais e quatro membros do CC.

73a4caec7c331ea63304f691c72da2e0 w307 h3961
Grigori Zinoviev

O “centro” que então dirigia o partido foi deslegitimado por esta votação. Mesmo depois de um resultado tão claro, Gramsci e sua facção ainda não consideravam permitir quaisquer desafios à sua liderança. Eles não viram que é impossível liderar um partido comunista cujas bases não compartilham a linha da direção. Mas esse, afinal, foi o método imposto pelo secretário do Comintern, método apropriadamente chamado de “zinovievismo”, ou seja, resolver as questões políticas através de métodos organizacionais.

No longo prazo, isso abriria caminho para o crescimento de uma burocracia dentro do partido.

O partido foi reorganizado diretamente por Moscou. Após o quinto congresso do Comintern, o CC foi ampliado para incluir 17 membros: nove do centro, quatro da direita e quatro “terzini” (internacionalistas maximalistas do PSI que aderiram ao PCI). A comissão executiva era composta por cinco membros, sendo maioria o centro, formado por Gramsci, Togliatti e Scoccimarro. Assim, a esquerda foi completamente excluída dos órgãos dirigentes e executivos do partido.

Podemos dizer que a formação da nova direção do PCI, mesmo nome do famoso livro de Togliatti sobre esse período, foi realizada por meio de uma série de manobras organizacionais impostas, que impactaram fortemente o futuro do partido.

A oposição em torno de Bordiga reagiu organizando-se cada vez mais abertamente. Em abril de 1925, eles criaram um “Comitê Entente” (Comitato d’Intesa) para reunir todos os elementos da esquerda. Num acesso de raiva, a direção removeu todos os membros da Entente de todos os cargos de liderança que ocupavam. Fortichiari, entre outros, foi afastado do cargo de secretário local em Milão.

As divergências entre a direção e a esquerda se espalharam por praticamente todos os aspectos da política italiana e internacional, incluindo o debate que se desenrolou na URSS após a morte de Lenin.

Já na Conferência de Como, Gramsci havia tentado traçar paralelos entre a oposição de Bordiga e a posição de Trotsky. Suas posições tornaram-se ainda mais divergentes quando Bordiga defendeu abertamente o fundador do Exército Vermelho em um artigo intitulado “A Questão de Trotsky”, um artigo escrito em fevereiro de 1925, bloqueado por meses pela direção e finalmente publicado em julho, durante o auge da campanha contra a esquerda.

Enquanto em Gramsci vemos um interesse pelas questões internacionais que é puramente instrumental para a luta fracional interna do partido italiano, Bordiga foi um dos primeiros líderes comunistas fora da URSS a compreender o perigo de uma degeneração da Revolução Russa e a se posicionar firmemente contra isso.

Bordiga compreendeu que o ataque a Trotsky lançado pela nascente burocracia soviética era apenas o sintoma mais evidente da degeneração da URSS, que já começava a infectar também a Internacional.

Sobre esta questão, a mais importante para o movimento comunista mundial naquele momento, Trotsky e Bordiga lutaram conjuntamente dentro da Internacional e se encontraram várias vezes entre os anos de 1924 e 1926.

No entanto, esta luta comum não poderia se desenvolver em uma aliança política estável, pois havia muitos pontos de divergência entre os bolcheviques-leninistas (os partidários de Trotsky) e o ultra-esquerdismo dogmático do bordiguismo.

O assassinato de Matteotti

Durante o quinto congresso do Comintern, foi perpetrado o assassinato de Giacomo Matteotti. Matteotti era membro do parlamento pelo Partido Socialista Unitário (PSU), o partido dos reformistas liderados por Turati que haviam sido expulsos do PSI em outubro de 1922 por quebrar a proibição de fazer alianças com partidos burgueses. Ele pagou o preço por denunciar o uso de fraude e intimidação pelos fascistas durante as eleições de abril de 1924 em um discurso no parlamento. Foi morto por um grupo de assassinos fascistas.

Houve uma grande explosão de sentimento popular, o que levou a um período de crise do regime fascista que durou alguns meses. Em 14 de junho de 1924, os parlamentares dos partidos da oposição decidiram boicotar o parlamento e formaram o “Comitê de Oposição”. Essa retirada ficou conhecida como Secessão Aventina, em homenagem à colina onde os plebeus realizavam sua própria secessão dos patrícios na época romana.

No início, o Partido Comunista aderiu a este bloco, formado por todos os partidos da oposição burguesa (exceto a direita liderada por Orlando, Salandra e Giolitti), bem como pelos maximalistas e reformistas.

O Comitê de Oposição foi um movimento democrático e legalista. Eles recusaram a exigência dos comunistas de uma greve geral: em suas mentes, a tarefa de remover Mussolini do cargo pertencia ao rei e ao judiciário. O grupo comunista deixou o Comitê e quando, em 27 de junho de 1924, o CGL anunciou uma greve de 10 minutos em protesto, os comunistas foram os únicos que pediram que ela se transformasse em uma greve geral de um dia.

Porém, após deixar o bloco Aventino, o PCI adotou uma postura pouco clara com o slogan “Abaixo o governo dos assassinos!”, que carecia de clareza sobre o que iria substituir o governo fascista e, assim, deixava a porta aberta para a colaboração com a Oposição.

Bordiga desenvolveu uma posição crítica parcialmente correta: os comunistas deveriam fazer parte do Comitê de Oposição ou combatê-lo. A segunda opção, entretanto, carecia de qualquer proposta dirigida aos maximalistas e reformistas que, como as eleições de poucos meses antes haviam mostrado, ainda tinham uma base importante dentro da classe trabalhadora. Nas eleições de 6 de abril de 1924, realizadas sob um sistema que escandalosamente favorecia os fascistas, o PSU obteve 415 mil votos, os maximalistas 341 mil e os comunistas 268 mil. Este foi um resultado gratificante para os comunistas, dando ao partido 19 deputados no parlamento.

Em 15 de outubro, o CC lançou o slogan do “antiparlamento”, ou seja, de transformar a Oposição Aventina em uma assembleia parlamentar das forças de oposição:

“O Partido Comunista acredita que reunir todos os grupos parlamentares da Oposição em uma assembleia, convocada com base em regulamentos parlamentares, como um Parlamento oposto ao Parlamento Fascista, teria um significado muito diferente, pois prolongaria a crise e remobilizaria as massas, condição essencial para uma luta efetiva contra o fascismo. Assim, convida as forças da oposição a convocar esta assembleia” (Il partito decapitato. p. 149).

Naturalmente, a proposta foi rejeitada por todas os outros partidos. O slogan lançado pelo PCI tentava superar a passividade da Oposição Aventina, mas tentava fazê-lo com uma formulação que abria as portas para a colaboração entre partidos que representam diferentes classes (incluindo republicanos, liberais etc.). Se fosse bem sucedido, isso não teria desafiado as ilusões das massas na democracia burguesa, nem teria separado os trabalhadores no PSI e PSU de seus líderes reformistas.

A esquerda do Partido Comunista, ao mesmo tempo que reiterava seu abstencionismo de princípio, lembrou aos outros que a linha da Terceira Internacional era explorar o pódio parlamentar de forma revolucionária. A direção finalmente aceitou isso e, em 12 de novembro de 1924, Luigi Repossi, um dos parlamentares comunistas, fez um discurso poderoso, apontando um dedo acusador para o governo fascista.

Esta decisão teve repercussões: o Comintern primeiro proibiu os comunistas de regressar ao parlamento e depois exigiu que enviassem apenas um deputado e um delegado para o Comitê de Oposição. Este último, entretanto, recusou-se a receber até mesmo Gramsci!

As táticas vacilantes do Comintern, características da liderança de Zinoviev, também foram aplicadas à Itália, com resultados escassos.

O rei não tinha intenção de se livrar de Mussolini e a experiência do Aventino acabou se esgotando miseravelmente. Mussolini, uma vez ultrapassado o período de crise, passou à ofensiva. Em um famoso discurso no parlamento em dezembro de 1925, ele assumiu a responsabilidade total pelo assassinato de Matteotti e emitiu uma série de decretos, mais tarde conhecidos como Leggi fascistissime (Leis Fascistas Extraordinárias), resultando na prisão de centenas de membros da oposição e o fim definitivo das liberdades civis, estabelecendo assim seu regime como uma ditadura aberta de partido único.

O Congresso de Lyon

No momento em que Mussolini reforçava seu controle totalitário, o Terceiro Congresso do PCI foi realizado em Lyon de 21 a 26 de janeiro de 1926. Quatro anos se passaram desde o Congresso de Roma e todas as mudanças que foram realizadas dentro do partido naquele período estavam totalmente visíveis.

Em primeiro lugar, isso pode ser visto na forma como o congresso foi realizado e na forma de votação adotada. Dois documentos estavam em discussão: um do Centro (que ficou conhecido como as “Teses de Lyon”) e um da Esquerda de Bordiga.

O documento do Centro, redigido por Gramsci, obteve mais de 90% dos votos, enquanto a esquerda obteve apenas 9,2%. Desse modo, parecia que Gramsci havia mudado completamente o equilíbrio de forças desde a conferência especial de Como. Mas isso é apenas parcialmente verdade, uma vez que os votos das seções locais foram contados de uma forma muito “estranha”: todos os membros que não votaram na esquerda foram automaticamente contados como tendo votado no Centro.

Os camaradas que não puderam chegar ao congresso e queriam votar em Bordiga tiveram que fazê-lo por meio de voto postal (o que era inédito na Itália na época), caso contrário, seriam contados como apoiadores do Centro. Esta regra foi concebida para permitir ao Executivo do Partido obter uma ampla maioria e concluir o processo da chamada “bolchevização” do partido, palavra de ordem com que o quinto congresso do Comintern encerrou os seus trabalhos.

Essa bolchevização, no entanto, não consistia em educar politicamente os quadros sobre as lições tiradas da história do Partido Bolchevique sob a direção de Lenin, mas sim em uma homogeneização de práticas e posições políticas, sob os ditames do Comintern, que passava por um processo de degeneração burocrática.

Em A Terceira Internacional depois de Lenin, Trotsky escreveu:

“A ‘bolchevização’ de 1924 assumiu completamente o caráter de uma caricatura. O cano de um revólver foi colocado nas têmporas dos órgãos dirigentes dos partidos comunistas com a exigência de que adotassem imediatamente uma posição final sobre as disputas internas no PCUS [Partido Comunista da União Soviética], sem qualquer informação e qualquer discussão; e, além disso, eles estavam cientes de que a possibilidade de permanecerem ou não no Comintern dependia da posição que assumissem” (Parte 4, seção 11, “A Questão do Regime Interno do Partido”).

Nas Teses de Lyon, as facções foram explicitamente proibidas:

“A centralização e a coesão do partido exigem que não existam grupos organizados dentro dele que assumam o caráter de facções. […] A existência e a luta entre facções são de fato incompatíveis com a essência do partido proletário, pois rompem sua unidade e abrem um caminho para a influência de outras classes” (Parágrafo 31).

As Teses acrescentam que as tendências são possíveis, mas não é preciso muito para comparar essas palavras com as usadas por Stalin a respeito da Oposição de Esquerda no PCUS. No contexto de uma luta de facções no PCI, essas palavras foram equivalentes a uma ameaça de expulsão (que mais tarde foi de fato concretizada) pela maioria. Esta ameaça também foi explicitada:

“O ultra-esquerdismo […] deve ser combatido como tal, não apenas através da propaganda, mas através da ação política e, se necessário, através de medidas organizacionais” (Ibid, parágrafo 27).

O documento contrapunha também as organizações produtivas locais de base (células de fábrica) a ramos territoriais impostos pelo processo de bolchevização, que, na verdade, pouco tinham a ver com o método bolchevique, pois implicavam um modelo de organização rígido e pré-estabelecido e objetivamente favoreceram um controle mais estrito pelo aparelho.

d90bb0029e2e260736b3fea6f9a6b1f6 w711 h7201
Leon Trotsky

As Teses de Lyon foram uma expressão das contradições enfrentadas pela direção do PCI na época. Por um lado, foram uma concretização da luta pela aplicação das resoluções do terceiro e quarto congressos do Comintern à situação italiana, especialmente no que diz respeito à tática. Por outro lado, sofreram as consequências do novo rumo da Internacional, especialmente do ponto de vista organizacional, e defenderam os erros políticos cometidos na Itália desde o assassinato de Matteotti.

As Teses abraçavam totalmente os ensinamentos da Revolução Russa quando afirmavam:

“O capitalismo é o elemento predominante na sociedade italiana e a força decisiva para determinar seu desenvolvimento. Este fato fundamental significa que não há possibilidade de uma revolução na Itália que não seja a revolução socialista” (Ibid, parágrafo 4).

Isso afastou a necessidade de uma fase democrática liderada pela burguesia, em total oposição à linha promovida por Togliatti a partir de 1943. E:

“Na Itália, há uma confirmação da tese de que as condições mais favoráveis para a revolução proletária nem sempre ocorrem necessariamente nos países onde o capitalismo e a industrialização atingiram o nível mais alto de desenvolvimento, mas podem surgir onde o tecido do sistema capitalista oferece menor resistência, por causa de sua fraqueza estrutural, a um ataque da classe revolucionária e seus aliados” (Ibid, parágrafo 9).

O papel do proletariado como protagonista da revolução italiana foi reiterado com força: “o proletariado aparece como o único elemento que por sua natureza tem uma função unificadora, capaz de coordenar toda a sociedade. Seu programa de classe é o único ‘programa unitário’”. (Ibid, parágrafo 9).

As Teses de Lyon foram o primeiro documento do Congresso do PCI a levantar a necessidade da tática de frente única, conforme desenvolvida nos III e IV Congressos do Comintern:

“A tática de frente única como atividade política (manobra) destinada a desmascarar os chamados partidos e grupos proletários e revolucionários de base de massa está intimamente ligada ao problema de como o Partido Comunista deve liderar as massas e como ganhar a maioria” (Ibid, parágrafo 42).

Além disso, o Partido implementou uma retificação contra o esquema bordiguista:

“O partido combate a concepção segundo a qual deve-se abster de apoiar ou participar de ações parciais, porque os problemas que interessam à classe trabalhadora só podem ser resolvidos com a derrubada da ordem capitalista e por uma ação geral de todas as forças anticapitalistas” (Ibid, parágrafo 39).

Ao mesmo tempo, essas corretas análises teóricas não levaram a slogans igualmente eficazes, com reivindicações como a “Assembleia Republicana com base nos Comitês Operários e Camponeses” apresentadas como “uma fórmula sintética para toda a atividade do partido, na medida em que se propõe a criar uma frente única organizada da classe trabalhadora” (Ibid, parágrafo 41).

Esse slogan foi criticado por Trotsky tanto em sua correspondência com o grupo bordiguista Prometeo quanto com Tresso, Leonetti e Ravazzoli, três líderes do PCI que se juntariam à Oposição de Esquerda Internacional de Trotsky:

“Falando nisso, não é Ercoli [codinome do Comintern de Togliatti] que está tentando adaptar ao contexto italiano a ideia da ‘ditadura democrática do proletariado e do campesinato’ na forma de reivindicação de uma assembléia constituinte baseada em uma ‘assembleia de trabalhadores e camponeses’?” (Leon Trotsky. Scritti sull’Italia. p.149).

E:

“Você me lembra que na época critiquei a demanda por uma ‘Assembleia Republicana com base em Comitês de Trabalhadores e Camponeses’ lançada pelo Partido Comunista Italiano. Você está me dizendo que essa demanda teve um caráter meramente episódico e que atualmente está abandonada. No entanto, quero dizer-lhe por que considero esta demanda errada ou pelo menos ambígua como slogan político. Uma ‘Assembleia Republicana’ é inegavelmente um órgão do estado burguês. O que são os ‘Comitês de Trabalhadores e Camponeses’, por outro lado? É óbvio que eles são de alguma forma equivalentes aos sovietes de trabalhadores e camponeses. Portanto, isso deve ser declarado. Na sua qualidade de órgãos de classe das massas trabalhadoras e camponesas pobres – independentemente de chamá-los de sovietes ou comitês – eles sempre constituem organizações de luta contra o Estado burguês, para depois se tornarem órgãos insurrecionais e finalmente se transformarem em órgãos da ditadura proletária. Como é possível, nestas condições, que uma Assembleia Republicana – órgão supremo do Estado burguês – possa se basear em órgãos do Estado proletário?” (Ibid, p.184).

A principal tragédia do Congresso de Lyon residiu, portanto, na adoção de posições que refletiam os traços essenciais da linha aprovada pela Internacional em seus primeiros quatro congressos… mas no momento “errado”. Se essa linha política tivesse sido adotada no momento certo (ou seja, em 1921), teria tornado a ascensão ao poder do fascismo longe de ser inevitável e teria permitido uma reorganização do proletariado italiano. O momento, em 1926, foi “errado” porque coincidiu com a degeneração burocrática da Terceira Internacional, que marcaria inevitavelmente o desenvolvimento futuro do PCI.

Do ponto de vista do equilíbrio interno de forças, o Congresso de Lyon marcou a derrota definitiva da esquerda bordiguista dentro do PCI. Bordiga sofreu o mesmo destino no plano internacional em fevereiro de 1926, quando foi afastado do Comitê Executivo Ampliado do Comintern.

O PCI, entretanto, estava sofrendo uma repressão generalizada nas mãos do governo fascista ao longo de 1926, com grande parte da direção detida e encarcerada, incluindo Gramsci, que morreria em 1937 sem nunca ver a liberdade novamente.

As ideias apresentadas por Trotsky e pela Oposição de Esquerda seriam retomadas alguns anos depois por três membros da direção do PCI: Tresso, Ravazzoli e Leonetti. Mas isso será tratado em outro artigo. Basta dizer que os doentios métodos burocráticos zinovievistas usados ​​para derrotar Bordiga, embora tenham imposto a posição correta da Frente Única, prepararam o terreno para a stalinização do partido sob a liderança de Togliatti.

TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.

PUBLICADO EM MARXIST.COM

Spread the love

About colectivomarxista

Check Also

Imagem1 3

Patriotismo de esquerda ou internacionalismo proletário?

As eleições ao parlamento europeu têm reavivado o debate sobre a União Europeia na esquerda …

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial