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Radicalismo pequeno-burguês de fachada “trotskista”

O que se convencionou chamar de “trotskismo” foi historicamente representado em Portugal por pequenos partidos que emergiram durante o PREC, mas sem um vínculo real à classe trabalhadora, sem uma real influência nos movimentos sindicais e sociais e sem nunca terem alcançado grande expressão eleitoral. Eventualmente tanto PSR como POUS acabaram por autodissolver-se – o primeiro no Bloco de Esquerda e o segundo no oblívio.

Sobrou o MAS que começou por ser Partido Revolucionário dos Trabalhadores nos idos 70, tendo-se associado à LCI e estado na fundação do PSR, para pouco depois romper com o PSR e apresentar-se em seguida como Frente de Esquerda Revolucionária. Mais tarde a FER, acoplando-se a um sector mais radicalizado do movimento estudantil que combatera as leis das propinas nos anos 90, passou a Ruptura/FER, que pouco depois entraria no Bloco de Esquerda onde foi uma das correntes até à sua saída, tendo finalmente surgido o Movimento Alternativa Socialista.

O MAS foi fundado após a cisão que a corrente Ruptura promoveu no BE no início da crise das dívidas soberanas e da intervenção da Troika em Portugal (2012). A pretexto de considerarem (à época) estar a viver Portugal uma situação pré-revolucionária e ter degenerado o Bloco de Esquerda numa organização reformista, consideraram os militantes do Ruptura chegada a altura de fundar (ou refundar?) um partido revolucionário que se assumisse como alternativa nas lutas e nas urnas, à semelhança do que já tinha sido feito noutras décadas e com outras siglas.

A crise mobilizou a resposta da classe trabalhadora e da juventude que protagonizaram as maiores lutas sociais em décadas. Foi sob esse pano de fundo que em 2015 o Bloco de esquerda e a Partido Comunista Português conquistaram mais de um milhão de votos, obtendo o maior score eleitoral alcançado pela esquerda à esquerda do PS desde o final dos anos 70. Infelizmente todo esse potencial foi colocado ao serviço da Geringonça e duma política de colaboração de classes, cujos resultados chegaram em janeiro de 2022 e cujas consequências vivemos.

Contudo, não deveria constituir uma surpresa para quem se afirma como marxista que, ao despertarem politicamente, os trabalhadores e o juventude tendam a recorrer à suas organizações (políticas e sindicais) tradicionais e que só através do erro e da experiência, uma e outra vez, possam ir concluindo sobre a qualidade, a coerência e eficácia dos dirigentes do movimento. Pode suceder também que, no calor da luta, se criem condições para que se formem organizações novas (como o Podemos em Espanha). Mas independentemente dos caminhos concretos, NUNCA se separam os marxistas do movimento, NUNCA elegem como método para chegar às massas e conquistar os mais conscientes ativistas o atalho de se autoproclamarem como o pequeno (e impotente) impoluto partido revolucionário criado por “decreto” à margem da viva luta de classe.

Infelizmente, há muito que os camaradas do MAS trocaram o marxismo como ferramenta de análise e intervenção política pelo impressionismo refém das minudências do dia a dia.

Tendo em 2012 saído do Bloco de Esquerda porque (no seu entender) a situação “pré-revolucionária” exigia a ruptura com o reformismo dos dirigentes bloquistas e a afirmação dum partido revolucionário, não se tendo o novo partido afirmado de acordo com as expetativas… resolveu o MAS em 2015 apresentar-se a votos integrando uma coligação eleitoral com outro pequeno partido (PTP) que se apresentou com um programa político ainda mais reformista que aquele que tinham repudiado no Bloco e tendo como cabeça-de-cartaz a eleger a populista Joana Amaral Dias.

Os resultados foram, naturalmente catastróficos e não deveria ter sido surpresa que uma parte do MAS tivesse pouco depois cindido com o partido… de modo a construir (novamente) um novo partido (agora sim!) revolucionário que não tergiversasse e ziguezagueasse entre cedências e capitulações. Foi assim que se constituiu o “Em Luta” que é hoje a secção portuguesa da Liga Internacionalista dos Trabalhadores, em substituição do MAS. E, paralelamente, outro grupo saiu do MAS para regressar ao Bloco de Esquerda e criar o “Semear o Futuro”. Confusos? Nos últimos dias a confusão piorou.

Uma vez mais, incapazes de compreender o passo, ritmo e as formas de mobilização e participação política dos trabalhadores, sempre em busca de novos atalhos, com uma visão burocratizada e auto proclamatória sobre o método da construção do Partido, aparentemente, uma parte da direção do MAS resolveu baralhar novamente as cartas e refundar uma vez mais o partido que conduzirá as massas à prometida revolução.

Frisamos o “aparentemente” porque apesar da polémica e crise do MAS se ter tornado pública e aspetos realmente escabrosos se tenham tornado virais nas redes sociais, não é totalmente clara a posição política de todos os intervenientes.

Para nós não é importante saber quem tem a chave da sede ou o pin da conta multibanco. De igual modo, os que tentam reduzir tudo a uma “luta de egos” falham no essencial: compreender que tal luta de egos não é a causa, mas a consequência de 3 males maiores:

1) Quando a luta se centra em “personalidades” isso é sempre sintoma duma deficiente formação ideológica da militância que, incapaz de balizar politicamente as divergências, tende a personalizar as diferenças políticas.

2) Quando as divergências políticas são resolvidas por métodos administrativos isso é sempre resultado duma deficiente democracia interna – e nem especularemos sobre a putativa existência dum grupo de “militantes históricos” que à margem dos órgãos eleitos (aparentemente) retinha o efetivo poder dentro do MAS, pois o facto que esta disputa virá a ser resolvida pelos tribunais fala “volumes”, por si só.

3) e finalmente, o pecado original: os métodos burocráticos e sectários com que os camaradas do MAS (todos eles) sempre utilizaram para a construção duma alternativa revolucionária.

Do pouco que se sabe, sabe-se através dum comunicado do grupo que se diz “maioritário” na direção e espoliado dos efetivos instrumentos de condução do Partido (acesso aos canais de comunicação oficial, contas bancárias, instalações). Segundo eles, à boleia do protagonismo e reconhecimento público obtidos por André Pestana, líder do sindicato STOP, na Luta dos professores, terá um sector dirigente do MAS proposto a diluição do partido numa plataforma mais ampla e (com um programa político mais recuado….) que apresentasse a citado sindicalista como rosto duma nova “alternativa” nas próximas eleições, com o objetivo de ser este eleito ao parlamento.

Einstein costumava dizer que “o conceito de insanidade é fazer repetidamente as mesmas coisas e esperar resultados diferentes”.

Pelos vistos, há um setor no MAS que, tal como durante os anos 90 do sec. passado julgaram poder fundar (refundar?) o partido num passe de mágica usando uma luta estudantil como trampolim para a constituição duma “plataforma frentista”, inicialmente difusa q.b. o suficiente para atrair uma mescla heterogénea de ativistas… também julgam agora poder usar a luta dos professores para o mesmo fim! E se em 2015 acalentaram o projeto de eleger para o parlamento Joana Amaral Dias graças à sua notoriedade pública; esperam agora 10 anos volvidos consegui-lo com a exposição pública ganha por André Pestana.

Porém, o outro polo do debate interno do MAS não está menos refém de ideias e processos mecanicistas sobre como construir o partido. Embora rejeitando a diluição do MAS num “frentismo” de esquerda com um programa politicamente recuado soba égide duma personalidade mediática, o que se propõem é simplesmente manterem-se acantonados no sectarismo autoproclamatório do “partido revolucionário” que se julga “alternativa” porque se apresenta regularmente às eleições burguesas para receber um punhado de votos que não se traduzem em recrutamentos, formação de quadros, elevação da consciência da classe, reforço das suas lutas ou à disputa (sequer) da hegemonia do reformismo no seio do movimento.

Pelo contrário! Ao propor-se uma pequena força eleger o mirífico deputado e fazer disso o grande objetivo estratégico da organização, a invariável consequência é adaptar o programa com que se apresentam às eleições para que possam arrebanhar o maior número de votos através duma mensagem populista e reformista. Note-se tanto a primeira bandeira pública do MAS sobre a “prísão de quem roubou o país”, como a   participação nas últimas eleições com um discurso centrado na exploração do lítio e na tributação de offshores! Fecha-se o círculo e todos voltam à casa de partida!

Ora, ”um partido revolucionário, para um marxista, é em primeiro lugar PROGRAMA, MÉTODO, IDEIAS e TRADIÇÕES, e só depois uma organização, um aparato (que sem dúvida tem a sua importância), para levar estas ideias aos trabalhadores”.

Esta singela verdade foi esquecida (alguma vez terá sido compreendida?) por todos os camaradas do MAS. O começo é sempre lento e doloroso – não há atalhos, não se vencem as dificuldades com quimeras, taticismos frentistas oportunistas ou sectarismos autoproclamatórios que isolam os ativistas mais conscientes do conjunto do movimento.

A crise interna do MAS ameaça “queimar” e levar ao abandono da luta política muitos dos seus militantes e simpatizantes mais abnegados, não apenas pela desmoralização decorrente de uma nova cisão (a quarta em 15 anos), mas também pelo modo burocrático como as divergências internas são tratadas e pela sua exposição mediática.

E, infelizmente, as consequências não se ficarão pela vida interna do MAS: o modo canhestro, sectário, burocrático e politicamente desastroso como naturais (e o que deveriam ser saudáveis) divergências internas estão a ser tratadas (e tratadas em praça pública), contribuem também enlamear o que erradamente se percepciona como “trotskismo” em Portugal.

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