Variação do PIB em Portugal

Ninguém come PIB

“Ninguém come PIB, come alimentos”

Maria da Conceição Tavares

Esta célebre frase ilustra, na perfeição, as últimas notícias sobre a evolução económica do país.  Afundando-se num mar de escândalos e trapalhadas, o governo (e os seus acólitos nos mass média) já começaram a agarrar-se à boia dos “surpreendentes” resultados do crescimento do PIB no 1º trimestre deste ano.

Com efeito, foi revelado que houve um crescimento da economia de 1,6% nos primeiros 3 meses do ano e alegrem-se as crédulas almas: é o maior crescimento registado entre os 10 países na União Europeia que já revelaram resultados de 2023! Não que isso tenha um significado transcendente, pois o crescimento médio na UE está nos 0,3% com crescimento nulo na Alemanha e 0,5% tanto na Espanha como na Itália – as maiores economias do bloco europeu.  O governo, porém, tem de exibir qualquer boa notícia… ou aparência de boa notícia.

A verdade é que a curva da variação homologa do crescimento do PIB continua a cair desde o primeiro trimestre de 2022 e o crescimento dos primeiros 3 meses deste ano foi inferior ao mesmo período do ano passado: 2,3%. E também é verdade que no mesmo espaço de tempo o desemprego subiu dos 5,8 para os 6,8%. A economia cresce? Certo! Mas para quê?

Na realidade, a mola deste crescimento “surpreendente” foram as exportações. Chamamos contudo a atenção para o facto de que a maior exportadora nacional é a GALP, que refina petróleo e depois o revende, num contexto em que a União Europeia decidiu boicotar a compra de petróleo, gás e carvão russos. Não será, por isso, surpreendente que algumas companhias energéticas (menos expostas aos hidrocarbonetos russos) se tenham beneficiado desta conjuntura. De igual modo, após o colapso da produção e vendas de automóveis durante a pandemia, também não será surpreendente que a “nossa” segunda maior empresa exportadora (a Autoeuropa volkswagen) tenha incrementado a sua atividade nos últimos meses.  De qualquer modo e por muito “interessantes” que possam ser todos estes números, que reflexos têm na vida das pessoas?

Nenhuns! Os acionistas dividirão os lucros entre si, mas os benefícios não vão chegar aos bolsos dos portugueses. Na realidade, nem sequer terão grande impacto no tecido económico nacional (no caso da GALP arriscamos que seja quase nulo). E apesar da euforia em torno dos números, o Banco de Portugal foi obrigado a reconhecer, no seu relatório de março, que a taxa de investimento em 2023 será inferior à do ano passado, pelo “aumento dos custos de financiamento” (aka “aumento das taxas de juro”) que também terão um efeito na contração do consumo interno. Ora, se o crescimento está, portanto, dependente das exportações, e se a economia da União Europeia (principal destino das nossas exportações) está pouco mais do que estagnada… até onde poderá ir sequer este pífio balão de oxigénio das exportações?

A questão central é que os trabalhadores não comem PIB, nem pagam as contas com estatísticas cor-de-rosa. Vivemos num país em que a maioria dos trabalhadores (e dois terços dos jovens trabalhadores) ganha menos de 1000 euros mensais, enquanto o trabalhador reformado recebe em média uma pensão em torno dos 500 euros. Um país onde o preço do cabaz básico de alimentos explodiu no último ano. Um país onde o aumento da taxa de juros tornou a vida de muitas famílias incomportável: mais 4800€ de juros pagos a mais anualmente num empréstimo de 200 mil euros para aquisição de casa própria (preço que não permite sequer comprar casa em Lisboa ou Porto). Um país onde o presidente da câmara de Lisboa inaugura uma residência de estudantes cujo arrendamento dum quarto não é suportável pelo rendimento da maioria dos portugueses. E é neste país que somos chamados a celebrar as exportações da GALP ou da Volkswagen AutoEuropa? Por favor, não insultem a miséria!

Mas enquanto o governo PS patina na sua incompetência própria e a direita e extrema-direita surfam a sequência mediática dos casos e casinhos – tudo abençoado pela vacuidade da cobertura “jornalística” dos mass média, propriedade dos grandes grupos económicos – há um país que trabalha, que sofre, mas não se resigna. Há um povo trabalhador que nos últimos meses tem dado corpo a um extraordinária luta dos professores; que se tem sacrificado em sucessivas greves na área dos transportes; uma classe que de greve em greve, de protesto silenciado em protesto silenciado pela imprensa, tem construído a maior vaga grevista dos últimos anos; um povo trabalhador que não se resigna e que ergueu as manifestações da “vida justa”, do “dia internacional da mulher”, pela “habitação justa” ou que respondeu “presente” à manifestação nacional da CGTP. Há um povo trabalhador que transbordou a Avenida da Liberdade no último 25 de Abril e que seguramente fará do 1º de Maio uma extraordinária jornada de luta.

Mas a nossa classe merece mais que elogios pela capacidade de resistir. Merece que as direções dos seus sindicatos e dos seus partidos estejam à altura dos desafios e que saibam vencer sectarismos e visões estreitas. A classe trabalhadora precisa que os protestos dispersos sejam unidos num programa reivindicativo e ações de luta comuns e transversais, que permitam construir a Greve Geral.

Andrea Rossi

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