A guerra na Ucrânia

Infelizmente somos forçados a evocar um triste aniversário: 2 anos da invasão russa da Ucrânia. Desde o princípio que nos opusemos a esta guerra pelas nossas próprias razões, isto é: desde um ponto de vista de classe. E opomo-nos a esta guerra tanto em Lisboa, como em Moscovo, onde os nossos camaradas são perseguidos e molestados pelas seu combate comunista e internacionalista.

O segundo aniversário desta guerra ficou já marcado pela queda de Avdiika: um das cidadelas melhor fortificadas em toda a Ucrânia. Tal como é explicado neste artigo de Alan Woods esta derrota poderá ter sido o princípio do fim, com os Estados Unidos e a NATO a enfrentarem uma nova debacle após o colapso do seu regime fantoche no Afeganistão. Porém, a fatura desta guerra, para a qual a Ucrânia foi empurrada pelos seus “aliados”, que sabiam que esta não poderia vencer e a qual tentam prolongar com o único objetivo de enfraquecer a Rússia, será no fim paga pelo povo ucraniano.

Há um ano publicávamos um Q&A. Infelizmente as “perguntas e respostas” continuam pertinentes…

1. Quando começou esta guerra?

Esta guerra rebentou em 2014. Quem o confirmou foi até, recentemente, o próprio Secretário-Geral da NATO. Começou por um golpe de Estado patrocinado pelos Estados Unidos da América que, durante anos, investiu biliões numa operação de “mudança de regime” e deu todo o apoio a um movimento suportado nas ruas pela extrema-direita nacionalista. Entre muitos outros indícios e  exemplos, a ingerência norte-americana ficou demonstrada por escutas telefónicas tornadas públicas  e nunca desmentidas ou pela apoio ao vivo e a cores, em plena Praça Maidan, de várias e variadas personalidades ocidentais de John McCain a Ana Gomes…

O presidente eleito teve de fugir do país, dezenas de deputados nunca mais puderam retomar o seu lugar no parlamento. Os partidos mais influentes na vida política ucraniana até então – o PC Ucraniano e o Partido das Regiões – foram banidos, até hoje! Uma vez no poder, a primeira medida do novo governo (não eleito) foi a proibição do russo como língua oficial, não obstante ser a língua materna dum terço da população.

A caça ao russo foi prática intimidatória durante semanas e meses. Tristemente emblemático foi o incêndio na Casa dos Sindicatos em Odessa provocado por hordas nacionalistas e que vitimou dezenas de pessoas, umas queimadas vivas, outras falecendo em resultado de terem tentado escapar das chamas saltando das janelas.

Sem surpresa, a repressão do nacionalismo ucraniano provocou uma guerra civil num país multiétnico. Se o regime de Kiev era apoiado pelo Ocidente, os rebeldes do Donbass foram apoiados pela Rússia. Por essa altura já a Crimeia (de enorme valor histórico e estratégico) se tinha separado da Ucrânia através dum referendo organizado pelas autoridades pró-russas e pela ocupação militar, de facto, da península por forças russas.

No Donbass, a guerra civil custou a vida a cerca de 15 mil pessoas. Em 2015, com a participação da França e da Alemanha foi assinado um acordo de paz, cujo protocolo previa o reconhecimento da autonomia das regiões do Donbass no quadro da Ucrânia e a futura constituição federalista do país. Recentemente, ambos os presidentes da Ucrânia (desde então), Poroshenko primeiro e   Zelensky depoisvieram a público dizer que nunca foi sua intenção respeitar e implementar o acordo e que tudo não passou dum estratagema para “ganhar tempo” e permitir o fortalecimento militar da Ucrânia. Os mediadores ocidentais de Minsk 2, MerkelHollande disseram o mesmo: ganhar tempo, equipar militarmente a Ucrânia, preparar a guerra seguinte: a guerra que agora vivemos!

2. Uma guerra não provocada?

Esse tem sido um dos argumentos da propaganda de guerra: a Rússia cometeu uma invasão não provocada e injustificada. Apesar dos vários intervenientes ucranianos e ocidentais terem já abertamente declarado que sempre procuraram resolver militarmente o separatismo no Donbass e a sucessão da Crimeia, a propaganda continua a martelar neste ponto porque é imperioso manter a opinião pública na ilusão de que há um só poder imperialista a disputar a Ucrânia – e não dois…

A verdade é que o Ocidente passou os últimos anos a financiar,a  armar e a  treinar o exército ucraniano. A reconciliação como Donbass foi rejeitada e, pelo contrário, foram construídas as fortificações militares mais extensas no planeta. Nas vésperas do início da guerra, metade do exército ucraniano estava concentrado no Donbass… para retomá-lo pela força.  Em Setembro de 2021, Estados Unidos e Ucrânia assinavam um acordo de cooperação militarPor esta altura a Ucrânia já era um membro de facto da NATO, embora ainda não de jure.

O Estado Russo sentia-se crescentemente ameaçado pela modernização e reforço militar da Ucrânia e os seus laços com a NATO.  Não podia perder a face no Donbass, isto é, permitir a supressão da rebelião do Donbass por Kiev e, muito menos, a perda da Crimeia. A acontecer, Putin e a sua entourage seriam apeados do poder. Para além de razões de prestígio ou valores “estratégicos”, também existiam (e existem!) importantes interesses económicos da burguesia russa na Ucrânia. Enfim, a adesão da Ucrânia à NATO, poderia significar a instalação de bases com mísseis nucleares capazes de atingir Moscovo em menos de 5 minutos – e que o governo de Kiev seguramente aceitaria, dada a sua animosidade contra a Rússia e as disputas territoriais entre ambos.

Como resposta, Moscovo enviou um pedido formal de negociações aos Estados Unidos exigindo por escrito o compromisso1) da Ucrânia não entrar para a NATO 2) a NATO retirar as suas bases do Leste da Europa, nomeadamente para as fronteiras anteriores a 1997 3) reatar o acordo sobre mísseis de médio alcance  que os Estados Unidos tinham abandonado 4) a implementação dos acordos de Minsk 5) o reconhecimento da Crimeia como parte integrante da Rússia.

Com exceção da questão da Crimeia nenhum dos demais pontos colocava desafios existenciais quer aos Estados Unidos, quer aos seus aliados europeus. Porém, as propostas russas foram liminarmente rejeitadas: nem sequer foram merecedoras de discussão. A 24 de Fevereiro o governo russo resolveu decidir impor uma solução militar ao braço-de-ferro com a Ucrânia e com o Ocidente.

Quando se fala na “guerra não provocada” que a Rússia lançou, reflita-se no seguinte: o que fariam os Estados Unidos se a China financiasse e organizasse um golpe de estado no México que guindasse ao poder extremistas antiamericanos que reivindicassem a devolução do Texas e da Califórnia e a quem a China fornecesse treino e equipamento militar e com quem tivesse de facto uma aliança militar?

3. Condenamos a invasão?

Absolutamente! Porém não nos limitamos a condenar a invasão russa, condenamos também a ingerência e destabilização da Ucrânia pelo governo americano (e os seus aliados europeus) que conscientemente desejaram, prepararam e provocaram a confrontação com a Rússia.

A guerra na Ucrânia não é apenas uma guerra entre ucranianos e russos: é sobretudo uma guerra por procuração em que os ucranianos são a carne para canhão usada pelo Ocidente/NATO na disputa com a Rússia pelo controlo dos recursos, mercados e despojos da própria Ucrânia; pela afirmação mundial!

Sem o apoio da NATO e do Ocidente o exército ucraniano colapsaria em dias. É o Ocidente que treina, fornece, municia, arma, providencia dados de inteligência, dirige e até paga os salários aos soldados ucranianos. Há, atualmente na Ucrânia, um combate entre o exército russo e um exército da NATO que fala ucraniano.

4. Há um país invadido e um país invasor?

Sim. Porém, o método de apurar quem começou, quem atacou primeiro, é completamente vazio. Há imensos casos ao longo da história em que a guerra foi provocada por um ou outro poder. Em 1961 a União Indiana invadiu Goa, Damão e Díu. Formalmente havia um país invasor e um país invadido, mas neste caso apoiar o “país invadido” significaria ficar do lado de Salazar na defesa do seu território colonial. Ainda nos anos 60, como resposta à repressão dos comunistas no Vietname do Sul, o governo do Norte enviou armas e soldados. Também aqui havia “um país invadido e um país invasor”. Uma vez mais “apoiar o país invadido” significaria apoiar o Vietname do Sul, o exército americano e a perpetuação da divisão e submissão neocolonial de metade do país. Muitos outros exemplos poderiam ser dados.

A atitude dos marxistas perante a guerra não pode ser ditada pelos horrores da guerra, pelo sofrimento e pela morte. A guerra apenas leva os horrores do capitalismo até aos seus limites mais extremos. A nossa atitude é determinada pelos interesses de classe dos potentados envolvidos na guerra. E na verdade, essa é a questão decisiva: que classe conduz a guerra e com que interesses?  

A posição dos marxistas é determinada pela irreconciliável oposição a qualquer guerra travada pela classe capitalista governante. A nossa atitude perante a guerra entre a Rússia e a Ucrânia é determinada pelas classes que travam essa guerra. Tanto num lado como no outro são potentados capitalistas envolvidos e, por isso, nós opomo-nos à guerra tanto da Rússia como da NATO e do seu Estado-cliente que utilizam o povo ucraniano como carne para canhão.

5. Putin é o novo Hitler?

De acordo com a propaganda de guerra do Ocidente, Putin é o “novo Hitler”. O que não é surpreendente: Milosevic, Sadam Hussein, Kadafi, Kim Jong Un, Bashar Al-Assad, todos eles já foram o novo “Hitler”. E como um vilão dos filmes de James Bond, Putin quer restaurar o “império soviético” e depois conquistar todo o mundo.

Ora, o imperialismo no período pós-revolução colonial tende a abdicar da ocupação e gestão direta de territórios, preferindo corromper líderes locais e garantir direitos de preferência, na exploração de recursos e mercados através da chantagem da dívida externa, da liberalização das pautas aduaneiras, privatizações e desregulação laboral e “assistência militar” – e note-se como as ocupações militares do Afeganistão e do Iraque falharam redondamente.

Putin ou Joe Biden são os representantes políticos das respetivas oligarquias, defendendo e lutando por recursos, mercados e esferas de influência: não são uma espécie de encarnação irracional de todo o mal que existe no mundo. 

E já agora, enquanto vice-presidente, Biden manteve as ocupações do Iraque e Afeganistão, bombardeou a Síria e a Líbia. Já como presidente, Biden reenviou militares americanos para a Somália, mantém soldados americanos na Síria a roubar petróleo e começou uma proxy war com a Rússia através da Ucrânia.

Quanto à Rússia, anexou a Crimeia em 2014 e, se for bem-sucedida, anexará o Donbass, regiões habitadas por maiorias russófonas. A ideia de que a Rússia, se pudesse, conquistaria toda a Ucrânia e a seguir as demais antigas repúblicas da URSS e depois a Europa de Leste, é fantasiosa e nem sequer se enquadra nas novas formas de dominação imperialista. Mesmo que o quisesse, o governo russo não o pode: não tem meios nem para tais conquistas, muito menos para manter eternamente a subsequente ocupação militar. “Putin, o novo Hitler”? Tanto quanto Biden o será: apenas propaganda de guerra que visa manter o apoio das opiniões públicas a uma guerra que se eterniza.

6. Putin tem de ser travado?

Sim. Pelo próprio povo russo. Putin é há mais de 20 anos o representante político da oligarquia e do capitalismo russos: merece todo a nossa oposição, mas a tarefa de derrubá-lo cabe aos trabalhadores russos.

É verdade que, face a derrotas militares, os regimes políticos podem a cair: as monarquias russa, alemã, austríaca ou turca sucumbiram à derrota na Iª guerra mundial. Mas nem sempre sucede: Os Estados Unidos foram derrotados no Vietname e no Afeganistão e a oligarquia americana não soçobrou.

Por outro lado, as bombas da NATO não trouxeram a liberdade, a paz e o progresso ao Afeganistão, Iraque, à Líbia ou à Síria. Porque haveriam de consegui-lo na Ucrânia? E não há sequer garantias que a guerra contra a Rússia possa ser ganha. Apostar a vida dos ucranianos numa vitória sobre a Rússia, por si só, seria já imoral, mas imaginar que a NATO irá trazer a democracia à Rússia ou, daqui a amanhã, à China ou ao Irão é, no mínimo, naïf. 

Para além disso, se aceitamos que a derrota de Putin se pode apenas fazer através da confrontação militar, isso significa que teremos de aceitar infinitamente o militarismo e a expansão dos gastos militares. Porque hoje a ameaça vem da Rússia e, dados os inevitáveis choques de ambições imperialistas, amanhã a ameaça virá da China. Ou do Irão. Ou talvez do Brasil.

Numa época de crise capitalista em que nos dizem não haver dinheiro para a saúde, reformas, salários, etc. é simplesmente grotesco que se apoie (como certa Esquerda) o desvio de recursos para alimentar a máquina militar da burguesia: O governo da Alemanha propõe-se “investir” 100 biliões de euros na Defesa a partir dum fundo especial e a França propõe-se a aumentar os gastos militares em 40% até 2030. Se deixarmos, isto será só o princípio!

Portanto, e mais uma vez, tornamos à luta de classes. Nós marxistas defendemos os interesses da classe trabalhadora e a sua mobilização consciente através dos métodos e meios de luta da própria classe.  Apoiar um bando imperialista contra os seus rivais é submeter a classe trabalhadora aos interesses, políticas e valores da sua classe dominante.  

Quando Bloco de Esquerda, Livre ou MAS defendem o envio de armas para a Ucrânia ou sanções contra a Rússia, objetivamente contribuem para “esforço de guerra” da NATO, defendendo as mesmas políticas que Biden, Von der Lyen ou Boris Johnson e, objetivamente, defendendo a vitória da NATO na guerra da Ucrânia, porque uma vitória do regime de Kiev seria, efetivamente, uma vitória também e principalmente dos seus “sponsors” do Ocidente.

Para quem não sabe ou não se lembra, a NATO e os Estados Unidos são a força militar mais reacionária, terrorista e perigosa do mundo: Sérvia, Somália, Sudão, Afeganistão, Iraque, Líbia ou Síria são apenas os exemplos mais flagrantes e mais recentes do carácter “não defensivo” desta autodesignada “aliança defensiva”.

Putin tem de ser derrotado? Novamente, sim! Pelos próprios trabalhadores russos que souberam, no passado, derrubar outros Czares. Tal como teremos de ser nós, os trabalhadores da Europa e dos Estados Unidos a derrubar os nossos imperialistas – e não as bombas da Rússia ou da China.

7. Temos de defender o Direito Internacional?

Não! O chamado “Direito Internacional” é uma burla: um estratagema que os poderes imperialistas usam para iludir as opiniões públicas e justificarem todas a violações que cometem ao “Direito Internacional” ao mesmo tempo que invocam a sua defesa! Aliás! A ONU nunca foi capaz de solucionar nenhum conflito militar e, inclusivamente, chegou a participar numas quantas guerras.

8. As fronteiras são invioláveis?

Só quando calha e dá jeito. Como exemplos recentes temos que as fronteiras da Sérvia não foram “invioláveis”: a NATO bombardeou o país durante meses, ocupou a região do Kosovo e em seguida promoveu a sua declaração de independência. Israel ocupa a Palestina e os montes Golã da Síria. Marrocos anexou o Sahara Ocidental. Os checos separaram-se dos eslovacos, o Sudão do Sul abandonou o resto do Sudão e a Eritreia tornou-se independente da Etiópia. As antigas URSS e Jugoslávia foram desmembradas em duas dúzias de novas nações.

As fronteiras não são imutáveis, são construções da luta de classes e das correlações de força no devir histórico. Odessa nunca fora ucraniana até 1919, Lviv nunca fizera parte da Ucrânia (da Rússia, ou da URSS) até 1939 e a Crimeia nunca fora ucraniana até 1954. Não deixa de ser irónico como tanta gente profundamente anticomunista está disposta a lutar até à morte (ou, pelo menos, até à morte dos ucranianos) pelas fronteiras estabelecidas por Lenin, Estaline Kruschev…

A missão dos comunistas não é a de defender as fronteiras do Estado-nação da burguesia, mas de abolir as fronteiras que, a par da propriedade privada, constituem os grandes óbices ao desenvolvimento harmonioso das forças produtivas. A missão dos comunistas é defender, por cima da fronteiras e do veneno do nacionalismo, a unidade da classe trabalhadora internacional.

9. Trava-se uma luta entre democracias e autocracias?

Não! Na Ucrânia, uma dúzia de partidos políticos foram banidos ou suspensos, opositores políticos presos, órgãos de imprensa encerrados, censura militar imposta, direitos sindicais restringidos, confissões religiosas perseguidas, direitos democráticos de minorias nacionais eliminados. Tudo isto por um dos Estados mais corruptos da Europa! No que é que isto difere do regime bonapartista da Rússia?

Valores como “democracia”, “liberdade” ou “direitos humanos” são apenas pretextos agitados pela propaganda que visam disfarçar e ocultar os reais interesses envolvidos: os Estados Unidos e a NATO ingerem ou invadem países em função dos recursos que podem pilhar, das oportunidades de negócios, dos mercados e das zonas de influência que podem conquistar: do golpe de Estado de Pinochet no Chile em 1973 à ocupação ilegal de parte da Síria em 2023.

10. Se a Ucrânia deixar de combater desaparece?

Não! Muitas outras nações foram militarmente derrotadas, aceitaram termos de paz desvantajosos, perderam até territórios e não desapareceram. A França em 1870 ou a Alemanha tanto em 1918 como em 1945 são disso exemplo.  Uma eventual derrota da Ucrânia amputaria dela alguns territórios, mas não ao seu desaparecimento. E apesar dos horrores e do rasto de morte e destruição que qualquer guerra provoca, não obstante os crimes de guerra (que todas as fações combatentes cometem em todas as guerras), não decorre um genocídio da população ucraniana. A hiperbolização das consequências duma derrota ucraniana são propaganda de guerra destinadas a manter as opiniões públicas e as classes trabalhadoras atreladas a uma guerra que visa, não ajudar a Ucrânia, mas sangrar a Rússia até ao último ucraniano.

11. Defendemos o direito à autodeterminação dos povos da Ucrânia?

Sim! Defendemos o direito à autodeterminação de todo o povo da Ucrânia: tanto as populações de Kiev e Lviv, como da Crimeia ou do Donbass têm o direito à sua autodeterminação. Infelizmente, uma das consequências da guerra resulta no exacerbar do nacionalismo – seja ucraniano ou russo.

A Ucrânia nasceu como Estado pluriétnico em 1991. Uma vitória russa fará desaparecer o “elemento ucraniano” naquelas regiões que forem incorporadas. Mas não tenhamos ilusões: uma vitória ucraniana fará desaparecer o “elemento russo” quer no Donbass, quer na Crimeia – as recentes proibições e restrições de música, literatura e cultura russa não podem deixar dúvidas sobre isso. Ganhe quem ganhar, os êxodos populacionais, perseguições étnicas e cancelamentos culturais farão parte dos despojos da guerra.

Para nós marxistas o direito à autodeterminação enquadra-se (e nem sequer se sobrepõe) no âmbito da luta de classes e da luta pela emancipação da classe trabalhadora. Defendemos a unidade dos trabalhadores por cima de quaisquer diferenças de língua, cultura ou nacionalidade. Não Lutamos pela “grande Rússia” ou pela “glória à Ucrânia”, mas pela revolução socialista que expropriará os oligarcas dos dois lados da fronteira e derrubará as cliques que agitam o nacionalismo como um veneno que divide os trabalhadores para os melhor explorar e que os utiliza como carne para canhão das suas ambições nacionalistas e imperiais.

12. Defendemos a independência da Ucrânia?

Sim. Mas a Ucrânia nunca será independente enquanto permanecer uma Estado-cliente dos Estados Unidos, governada por nacionalistas extremistas que não quiseram (pelo contrário!) evitar esta guerra, que presentemente sacrifica a juventude nas trincheiras e a economia do país nos bombardeamentos atuais, no endividamento por décadas e na futura venda a retalho dos seus recursos naturais e bens aos seus patronos ocidentais…

O primeiro passo para a independência da Ucrânia passa pelo derrube do seu atual governo, a expropriação da classe dominante e a tomada do poder pelos trabalhadores. A partir daqui estariam criadas as condições para conseguir o fim da guerra civil (que dura desde 2014) e da guerra com a Rússia, pois o exemplo de luta e emancipação dos trabalhadores ucranianos contagiaria os trabalhadores russos, tornando a guerra impossível e tornando-se uma ameaça mortal ao regime de Putin…

13. Que caminho para a Paz?

Todas as guerras acabam ou com a derrota militar e a capitulação incondicional de uma das partes ou com uma negociação de paz onde ambas as partes terão de ceder exigências. A paz entre potencias capitalistas em guerra nunca será justa, seja em que circunstância for, mas temos de parar a mútua matança entre os trabalhadores da Rússia e da Ucrânia enquanto os capitalistas lucram como nunca, seja das indústrias de armamento ao sector energético.

Parte da Esquerda embarcou há um ano na narrativa “apoiar a Ucrânia para que esta tenha uma melhor posição negocial à mesa das negociações”. Ora passou um ano! [nota: passaram já 2!] A Ucrânia conquistou essas miríficas “melhores posições” negociais? A paz encontra-se mais próxima pelo arrastar da guerra? Quantos trabalhadores, quantos dos seus filhos, já morreram nessa mórbida aposta de casino? Quanta miséria não foi acrescentada à Ucrânia, à Europa e ao mundo? Quantos ódios, xenofobias, medos, paranoias, militarismo, nacionalismo e extrema-direita foram já somados às nossas sociedades?

Só há uma classe que verdadeiramente anseia pela democracia e paz até ao fim: a classe trabalhadora. Será a luta dos trabalhadores que forçará as suas classes dirigentes à mesa de negociações e que os forçará a sair de cena. Sabemos que não é tarefa fácil: mas para um marxista, para um revolucionário, não há outro caminho.

Paz às cabanas, guerra aos palácios!

Proletários de todo o mundo: Uni-vos!

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