Lenine, nas suas teses sobre a questão nacional e colonial de 1920, explicou: “na base de toda a política da Internacional Comunista na questão nacional e colonial deve ser colocada a aproximação dos proletários e das massas trabalhadoras de todas as nações e países para a luta revolucionária comum pelo derrubamento dos latifundiários e da burguesia.” Esta perspetiva verificou-se claramente no 25 de Abril, onde a luta pela libertação nacional das colónias e a revolução da classe trabalhadora e dos camponeses pobres na metrópole estiveram interligadas dialeticamente.
A natureza do colonialismo português
A burguesia portuguesa ainda se gaba do seu “glorioso” passado colonial. Essas saudades do império são totalmente reacionárias. Isso não se deve apenas aos inúmeros crimes do colonialismo contra os povos subjugados. A história dos “descobrimentos”, das conquistas, das colónias, é a história da classe dominante portuguesa, não das suas classes exploradas. Foi a nobreza, os latifundiários, os bispos e comendadores de Portugal quem se beneficiaram do saqueio colonial, enquanto o povo português permanecia na miséria e na ignorância. Todos os trabalhadores e jovens conscientes devem rejeitar as fábulas que nos conta a burguesia sobre o passado colonial, não apenas por motivos morais, mas porque é uma mentira que procura unir os trabalhadores aos burgueses através do mito de um “glorioso” passado nacional.
Até o final do século XIX, a presença portuguesa em África era limitada. Reduzia-se a alguns postos militares e mercantis situados no litoral. Porém, no século XIX a revolução industrial na Europa, o surto da agricultura e da gadaria nas Américas e o desenvolvimento geral do mercado mundial deslocaram as tradicionais exportações portuguesas (vinho, conservas, tecidos, etc.) dos seus mercados europeus habituais. A burguesia começou a olhar para as colónias como um mercado em potência. De facto, o boom industrial em Portugal nos últimos anos da monarquia e na Primeira República está muito ligado à exploração das colónias africanas. Depois do Ultimato de 1890, onde a Inglaterra gorou as ambições de unir Angola e Moçambique, o Partido Republicano aliciou a burguesia prometendo um programa colonialista mais agressivo do que a monarquia. A intervenção criminosa de Afonso Costa na Primeira Guerra Mundial procurava “salvar” as colónias.
A exploração das colónias a partir daquele momento teve elementos do que Lenine chamou imperialismo: não apenas a pilhagem de recursos e a troca de mercadorias, mas a exportação de capitais, de maquinaria e indústria. O “aproveitamento” das colónias requereu o seu sometimento: os portugueses, concentrados no litoral, começaram a penetrar para o interior. Começaram assim as infames campanhas de “pacificação” do exército português, ou seja, os massacres da população indígena rebelde, que se estendem desde finais do século XIX até os anos 1930. Estabeleceu-se um sistema racista, de apartheid, com os brancos no topo, os negros na base, e os mestiços e “assimilados” no meio. A falta de direitos dos negros condenou-os a uma situação de semiescravidão, e, às vezes, de escravidão aberta, através do sistema de trabalhos forçados. O imperialismo português construiu novas cidades, infraestruturas e indústrias (pelo menos em Angola), mas não melhorou as condições de vida da maioria: pelo contrário, esse desenvolvimento baseou-se na exploração brutal dos indígenas e no saqueio dos seus recursos.
Portugal, como Lenine assinalou, tinha (e ainda tem) um caráter duplo: é um país dominante e dominado ao mesmo tempo. Com efeito, Inglaterra, e depois, durante o Estado Novo, os EUA, também exploraram as colónias portuguesas com a vênia de Lisboa, apesar de alguns entraves protecionistas. Sem o apoio de Londres e de Washington o colonialismo português teria ruído muito antes. Graças às políticas racistas e brutais do Estado Novo (desbravadas antes pela República “democrática”) as colónias portuguesas, sobretudo Angola, tornaram-se um paraíso para os capitalistas do mundo inteiro. Nos anos 1960, Angola tinha-se tornado o principal exportador de café para os EUA e produzia 30.000 barris diários de petróleo. Os trabalhadores portugueses não viram um tostão desse “chifre da abundância” que, pelo contrário, fortaleceu o regime fascista do Estado Novo.
As guerras de libertação
Os colonialistas britânicos, franceses e belgas saíram de África conseguindo manter, no geral, o seu domínio económico sobre as antigas colónias. Mas a burguesia portuguesa não tinha a certeza de conseguir isso devido à sua podridão e inseguridade, preferindo o controlo militar-burocrático direto. Portanto, o Estado Novo não estava disposto a sair pacificamente de África, e estava prestes a reprimir quaisquer reivindicações de liberdade dos povos colonizados, como fazia, aliás, também na metrópole. Isso empurrou o movimento de libertação à luta armada.
Ora, as tarefas básicas da independência nacional dificilmente podiam ser atingidas no quadro da sociedade capitalista e burguesa. Não havia uma “burguesia nacional” progressista nas colonias: a luta contra o colonialismo era uma luta contra o capitalismo no seu conjunto, que seria protagonizada pelos trabalhadores e os camponeses. Na sua luta à morte com os colonialistas, os povos oprimidos radicalizar-se-iam, atacariam a grande propriedade capitalista, e avançariam na direção ao socialismo, ligando-se à luta da classe trabalhadora internacional. Este processo, de transformação de uma revolução democrática em socialista foi teorizado por Trotsky no início do século XX, chamando-o de revolução permanente, e verificou-se claramente na África portuguesa.
Com efeito, as principais organizações independentistas, a FRELIMO, o MPLA e o PAIGC e os seus dirigentes históricos, Eduardo Mondlane, Agostinho Neto e, sobretudo, Amílcar Cabral, orientaram-se para o marxismo. O 25 de abril A guerra nas colónias assumiu proporções revolucionárias, sobretudo na Guiné-Bissau graças ao papel de Amílcar Cabral. Acordou as massas para a luta política, encheu-as de esperança e abnegação, e se lançaram à luta por um mundo diferente. A FRELIMO e, sobretudo, o PAIGC expulsaram os colonialistas de amplos territórios, onde a vida social e económica foi radicalmente transformada. Estas lutas revolucionárias tiveram um impacto na sociedade portuguesa, começando pelo exército. Muitos oficiais e soldados portugueses ouviram a propaganda independentista e os apelos de Cabral e outros dirigentes independentistas, e ao mesmo tempo viram o caráter violento e criminoso do Estado Novo, e foram radicalizando-se. Como disse um oficial português citado pelo historiador Patrick Chabal (1983, p. 149), “quanto mais se prolonga a guerra, mais se assimilam as ideias do inimigo, dos oprimidos.” O próprio Otelo Saraiva de Carvalho admitiu ter-se radicalizado pelos textos de Cabral.
Imediatamente após o 25 de abril, as tropas na Guiné acordaram um cessar-fogo com o PAIGC e fraternizaram com os guerrilheiros. A continuação da guerra colonialista tornou-se impossível. Mas também a sobrevivência do regime ditatorial que a exercia. Os movimentos anticoloniais aceleraram a crise do Estado Novo, enquanto o 25 de Abril assegurou a independência das colónias.
As aspirações profundas das revoluções em Portugal e nas colónias, eram, de facto, as mesmas: uma revolta dos camponeses e dos trabalhadores contra a opressão e a exploração, pela dignidade e a liberdade, por uma sociedade nova, humana e igualitária, pelo socialismo!Como explicou o grande marxista e herói revolucionário Cabral (A arma da teoria):
“Queria para concluir acrescentar algumas palavras sobre a solidariedade entre os movimentos operários internacionais e a nossa luta de libertação nacional. Das duas, uma: ou admitimos que cada um está interessado na luta contra o imperialismo, ou recusamos admiti-lo. Se é verdade, como tudo leva a crer, que existe um imperialismo cujo objetivo é, ao mesmo tempo, dominar a classe operária mundial e abafar os movimentos de libertação nacional dos países subdesenvolvidos, devemos ver nele um inimigo comum contra o qual temos de lutar em conjunto.”
Revoluções descarriladas
Infelizmente, os almejos destas revoluções foram gorados. Em África, as revoluções isoladas em países atrasados, atacadas pelo imperialismo e mergulhadas em guerras civis, não conseguiram estabelecer regimes socialistas vigorosos, degenerando em caricaturas estalinistas que posteriormente abriram a porta à restauração capitalista. Hoje, a FRELIMO e o MPLA dirigem regimes capitalistas corrutos. O protagonismo que teve a luta guerrilheiras, e os métodos militaristas que ela implica, aceleraram esta degeneração burocrática. Mas este desfecho não era inevitável. Foi sobretudo o fracasso da revolução em Portugal o que condenou ao isolamento Angola, Mozambique e Guiné-Bissau. Em Portugal, os reformistas, aliados à burguesia, descarrilaram a luta, orientando-a para a conquista de uma “democracia (burguesa) avançada”. Um Portugal socialista teria inspirado e servido de alavanca à transformação socialista não só na Europa, mas também em África. A nossa tarefa hoje e derrubar o capitalismo para cumprir abril, transformando a revolução portuguesa na faísca para revoluções além das nossas fronteiras!