Há poucos dias, as elites globais reuniram-se em Davos para discutir o destino e o futuro do capitalismo. Com a economia mundial assolada pela inflação e pela instabilidade, prevalecia um clima de pessimismo. Precisamos, por isso, de uma revolução para tirá-los da sua própria miséria espiritual.
O evento deste ano foi a primeira reunião presencial de Davos desde o início da pandemia. E muita coisa claramente mudou desde então: a palavra “policrise” fornece um resumo ajustado das discussões no #WEF23 – usada por vários conferencistas durante os cinco dias do evento para descrever a cadeia de perigos e ameaças que a economia global enfrenta atualmente.
“As crises económicas, ambientais, sociais e geopolíticas estão convergindo e fundindo-se” – declarou o fundador do FEM, Klaus Schwab, na abertura do simpósio deste ano das elites internacionais. Esta mensagem desanimadora foi reiterada no relatório anual de riscos globais do WEF, publicado antes do último encontro de CEOs, banqueiros e políticos do establishment: “O risco de recessão; crescente dificuldade de endividamento; uma crise contínua de custo de vida; sociedades polarizadas pela desinformação e falta de informação; ausência duma ação climática decisiva; a guerra geoeconómica …” – etc., etc., etc…
Tudo isso, e muito mais, esteve nas mentes dos delegados de Davos durante uma semana – um reflexo do profundo pessimismo que domina a classe dominante e das terríveis perspetivas para o capitalismo nos próximos tempos.
Como um náufrago agarrando-se a uma boia
Como o anfitrião de qualquer boa festa, Schwab estava determinado a não deixar que um pouco de “neura” estragasse o evento. Tentando em vão levantar o ânimo, o chefe do FEM exortou os participantes a libertarem-se da sua “mentalidade de crise”. O único problema é que havia poucas notícias positivas sobre as quais os seus convidados pudessem falar.
Agarrando-se a uma boia, Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional, disse ao público que as perspetivas para a economia mundial melhoraram ligeiramente nas últimas semanas. Mas ela rapidamente voltou atrás, extinguindo qualquer esperança de ‘bons ventos’, ao acrescentar que “menos mau ainda não significa bom”.
A chefe do FMI observou ainda que a inflação global parecia estar caindo e que a saída da China da sua política de “covid zero” deveria dar um impulso ao crescimento económico global. Mas em ambas as questões, Georgieva foi cautelosa. Embora os aumentos de preços tenham diminuído ligeiramente, ela enfatizou que estes ainda estão subindo a uma taxa muito acima da meta de 2% definida pelos bancos centrais. E a abordagem de “linha-dura” adotada pela Reserva Federal dos EUA, Banco Central Europeu (BCE) e outros – aumentar as taxas de juros na tentativa de conter a inflação – quase certamente levará as economias, um pouco por toda a parte, à recessão.
De facto, apenas algumas semanas atrás, a diretora do FMI estimou que um terço da economia mundial provavelmente sofreria uma desaceleração no próximo ano, com “três grandes economias – EUA, UE e China – todas desacelerando simultaneamente”.
“Mesmo em países que não estão em recessão”, continuou Georgieva, “tal seria assim sentido e sofrido por centenas de milhões de pessoas”. Uma imagem deprimente, de facto!
Com as pressões inflacionárias, como a guerra na Ucrânia e o colapso do comércio mundial prosseguindo – afirmou ela – é provável que acabemos com o pior dos dois mundos: queda económica combinada com alta de preços galopante.
O desemprego vai aumentar, declarou Georgieva. Mas a inflação não será necessariamente domada. “Uma crise de custo de vida e de emprego” já é um desastre para as pessoas comuns – disse ela. “Uma crise de custo de vida e nenhum emprego” é uma catástrofe – acrescentou.
Poderá a China salvar o capitalismo?
Da mesma forma, a chefe do FMI alertou que a reabertura da China poderá ser uma faca de dois gumes para o resto do mundo. Por um lado – disse ela – a demanda chinesa por matérias-primas provavelmente impulsionará o crescimento dos países que exportam essas commodities. Por outro lado, esse mesmo aumento da procura (principalmente por fontes de energia) pode impulsionar o aumento da inflação mundial.
Isso forçaria os bancos centrais a aumentar ainda mais as taxas de juros: pressionando os custos dos empréstimos para as famílias, as empresas e os países endividados; e empurrando as economias para uma recessão ainda mais profunda. Mas mesmo com essa ressalva, no entanto, as previsões dos economistas burgueses provavelmente mostrar-se-ão excessivamente otimistas.
O regime em Pequim pode ter abandonado sua política de “covid zero”. Mas isso não significa que a economia chinesa volte, necessariamente, a crescer de modo rápido. A classe dominante tinha esperanças semelhantes em 2021, quando os bloqueios terminaram no Ocidente e os diversos governos disseram aos seus cidadãos para aprender a “viver com o vírus”. Nessa época, comentadores otimistas falavam sobre as perspetivas de uma nova década, prevendo uma forte recuperação do colapso provocado pela epidemia.
Em vez disso, no entanto, uma breve recuperação – alimentada pela procura reprimida, financiamento do déficit e impressão monetária – deu lugar a uma nova era de inflação, instabilidade e crise para o capitalismo. E a China deve seguir essa mesma trajetória, embora com um pequeno atraso.
Assim como no resto do mundo, o vírus e os bloqueios associados não são a única coisa que prejudicou a economia chinesa nos últimos anos. Subjacente ao caos do Covid está a crise orgânica do capitalismo, que se expressa na China principalmente em termos da massiva bolha especulativa no mercado imobiliário. O regime de Xi Jinping pode tentar impedir o rebentamento dessa bolha, mas apenas através da criação de mais contradições e turbulências para o capitalismo chinês.
Aqueles que procuram a China para resgatar o resto da economia mundial – como fez parcialmente na sequência do crash de 2008, com seu programa de gastos keynesianos sem precedentes – ficarão, portanto, profundamente desapontados.
De fato, são precisamente as medidas intervencionistas e as políticas inflacionárias do estado chinês na última década e meia, bem como pelas classes dominantes em todo e qualquer lugar, como resposta a toda e qualquer crise, que abriram o caminho para o caos atual: como sempre, a arrogância burguesa cedo se transforma em crise.
O fim da globalização
Ao longo das sessões em Davos deste ano, um medo particularmente se destacou: o receio do aumento do protecionismo e a respetiva fratura no mercado mundial.
Será que estamos assistindo ao fim da globalização? Essa era a pergunta na boca e na cabeça de todos. E, apesar das tentativas de vários conferencistas para acalmar os nervos, aqueles que prestaram atenção ao #WEF23 não ficarão tranquilos.
“É necessária uma ação coletiva concertada antes que os riscos cheguem a um ponto crítico” – instou o relatório pré-cúpula do FEM.
“Grande percentagem da hipótese de podemos aumentar o otimismo global depende das pessoas nesta sala” – afirmou Kristalina Georgieva, do FMI – apelando para sua audiência de líderes empresariais e políticos: “Sejam pragmáticos, colaborem, façam o que está certa, mantenham a economia global integrada para o benefício de todos nós.”
Mas os seus apelos caíram em ouvidos moucos. De facto, parafraseando o famoso provérbio: não há ninguém mais surdo do que aqueles que não querem ouvir. E com a economia mundial caindo e os mercados encolhendo, os políticos burgueses não estão dispostos a cooperar uns com os outros. Em vez disso, é cada um por si, e o diabo que se encarregue de quem fique para trás…
Do Brexit ao programa ‘Made in America’ de Joe Biden: o nacionalismo económico está ganhando proeminência num país após outro, à medida que cada classe dominante implementa políticas para ‘empobrecer o seu vizinho’ num esforço de exportar a crise.
E, à medida que as cadeias de abastecimentos são reorganizadas, as indústrias são reestruturadas e as tarifas são impostas, os custos aumentam, alimentando ainda mais a inflação, com os trabalhadores a serem chamados a pagar a conta.
Mais uma vez, vemos uma demonstração contundente de como o Estado-nação – ao lado da propriedade privada – se coloca como uma barreira fundamental no caminho do desenvolvimento das forças produtivas, já que o protecionismo ameaça transformar a iminente recessão mundial numa depressão ainda mais sinistra…
Explosões Revolucionárias
O verdadeiro elefante na sala, porém, chama-se “luta de classes”. Do Sri Lanka ao Peru; do Irão à China; da Grã-Bretanha para a França: a classe trabalhadora está começando a mover-se pelo mundo. E esses golpes e movimentos são apenas o começo.
Os estrategas do Capital podem sentir a precariedade de seu sistema. Ao mesmo tempo, eles não têm soluções ou outra alternativa senão impor austeridade e ataques – exigindo que os trabalhadores paguem por esta crise. Isso está provocando e preparando explosões revolucionárias em todos os países. Os bilionários, patrões e banqueiros de Davos, portanto, têm todos os motivos para estar apavorados.
Adam Booth
23 de Janeiro de 2023
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