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A Emergência climática, a criminalização do protesto e a luta anticapitalista

Há 15 dias atrás vários ativistas climáticos foram presos durante um protesto pacífico. Ninguém rasgou as vestes. Há um ano atrás 4 jovens foram primeiro detidos e num espaço de um mês multados em 295 euros por, pacificamente, terem ocupado a Faculdade de Letras. No espaço de um mês! Há quem se queixe da lentidão da Justiça… mas quando se trata de criminalizar o protesto e os movimento sociais, a Justiça consegue ser bastante célere. Não é por acaso, é por interesse de classe! Que o digam Ricardo Salgado, José Sócrates ou Joe Berardo acusados dos mais gravosos crimes há cerca de uma década e ainda aguardando julgamento…

Três ativistas “atacaram” o ministro do ambiente. Quem percorra as redes sociais ou as parangonas dos média poderia à primeira vista julgar que ocorrera um grave atentado envolvendo carros-armadilhados ou homens-bomba. Nada disso: apenas alguns balões de tinta verde obrigaram o ministro a trocar de fato durante um evento sobre metas para a transição energética patrocinado (pausa para rir) pela Galp e pela Edp…

Apesar de não serem estes os nossos métodos de luta não deixamos de estar solidários com os jovens ativistas, perante a campanha persecutória que se abateu sobre eles, perante as várias declarações exigindo o agravamento da repressão sobre futuros atos de luta e protesto que ameaçam o conjunto dos movimentos sociais e políticos que procuram uma real transformação da nossa sociedade. Recusamos, enfim, a hipocrisia e também o paternalismo de certas líderes de esquerda como Rui Tavares que não teve uma palavra solidária para com os jovens detidos há 15 dias, mas veio agora chorar para as redes sociais a desdita do ministro Cordeiro, suspeito e investigado – já agora diga-se! por atos de corrupção e prevaricação.

Ação direta?

Dito isto, foquemo-nos no essencial: o sistema capitalista está numa profunda crise global, o que tem consequências devastadoras em termos sociais e económicos, mas também ambientais. Isto está a provocar um despertar político entre os jovens e muitos são atraídos para os métodos de “ação direta” e “desobediência civil”, a fim de combaterem a destruição que o capitalismo está a causar ao planeta. Não duvidamos da honestidade, da justiça das reividicações e do compromisso destes jovens com uma luta empenhada, mas temos de nos interrogar sobre se os métodos e táticas atingirão os objetivos reclamados.

A chamada “ação direta” não foi inventada ontem. Já no tempo de Lenine não faltavam grupos de “ação direta” na Rússia, grupos que sempre atuaram (e continuam atuando) à margem da classe trabalhadora, enfatizando o papel individualista e performativo da luta e do protesto. Ou como descrevia Lenine: Pelo menos fazemos um barulho infernal” – tal é o slogan de muitos indivíduos de mentalidade revolucionária que foram apanhados no turbilhão dos acontecimentos e que não têm nem princípios teóricos nem raízes sociais.”

E este é um ponto essencial: o movimento de combate às alterações climáticas tem de criar laços com o movimento popular, com a luta dos trabalhadores. Ações isoladas remetem os ativistas ao isolamento e ao conjunto das massas à apatia. Se a chave do sucesso são meia dúzia de ações mediáticas por um punhado de ativistas, para quê organizar e mobilizar milhões num combate coletivo? E sejamos práticos: o que foi conseguido com o “ataque” ao ministro? Que o foco do debate político se incidisse sobre as consequências das alterações climáticas ou sobre o “ataque” ao ministro e à gravitas do Estado? É certo que – nas palavras de Lenine – fizeram “um barulho infernal”, mas a única mudança que conseguiram foi obrigar o Duarte Cordeiro a mudar de fato, a troco dum bombardeamento mediático sobre os supostos “extremismos” que ameaçam a democracia – a democracia patrocinada pela Galp e pela EDP, sejamos bem entendidos!

Outro aspecto que merece reflexão é o facto que muitas vezes o combate às alterações climáticas ser feito sob a forma de apelo moral, tanto ao comportamento individual de cada um de nós, como ao comportamento do Estado e dos capitalistas. A destruição ambiental resulta não de incúria dos ministros ou da avidez dos capitalistas, mas da própria natureza do capitalismo, cujo objetivo é a maximização do lucro.

Nenhuma quantidade de dados científicos será capaz de convencer os capitalistas a descarbonizar a não ser que seja lucrativo para eles. Na realidade, os projetos de “descarbonização” avançam quando são financiados pelos dinheiros públicos, isto é: com transferência de impostos cobrados à classe trabalhadora para os fundos de investimento das grandes empresas. E a verdade dos factos é que, por detrás de toda a fachada “green”, os capitalistas continuam a explorar, desenvolver e a expandir as fontes de energia poluentes, como as chamadas “bombas de carbono”. E se for preciso, como ainda há dias o primeiro-ministro fez questão de esclarecer, se for preciso, em nome da “competitividade”: faz-se tábua-rasa e marcha-atrás nas metas e promessas! Que o cinismo da Galp – a empresa mais poluidora do país – a leve a patrocinar um evento sobre “transição energética” e que o ministro do ambiente se digne a participar numa descarada “lavagem de imagem”, só poderá surpreender os mais ingénuos!

Que fazer?

Como marxistas, não nos opomos à “ação direta” em si. Afinal, as greves são uma forma de ação direta de massas. Mas criticamos a elevação de uma tática de luta a um fetiche, sobretudo à ausência duma relação concreta com a luta dos trabalhadores. E só a classe trabalhadora, pelo seu peso e papel na sociedade, pelos mesmos interesses fundamentais que partilha, está em condições de desafiar e derrubar a classe dominante que, se não for vencida, irá arrastar o mundo para a barbárie e para a destruição.

Para nós, marxistas uma tática ou ação de luta não se justificam pelo “impacto mediático” que conseguem ter, mas pela capacidade que possuem para ajudar a aumentar a consciência da classe trabalhadora, a confiança na sua própria força e a sua capacidade de mobilização e luta. Quando ativistas climáticos despejam óleo sobre um Van Gogh conseguem elevar a consciência da classe trabalhadora e da juventude ou conseguem “mediatismo”? Mas mesmo que este tipo de métodos pudesse produzir algum tipo de resultados e concessões, a mensagem que estariam a transmitir ao conjunto da juventude e dos trabalhadores seria: “não se preocupem em organizar e mobilizar, porque um pequeno grupo de ativistas desenvolvendo formas de luta mediáticas em ação direta é capaz de transformar a sociedade”.

Mas toda a experiência passada prova exatamente o contrário! Escrevia Trotsky no já longínquo ano de 1911…

Os profetas anarquistas da ‘propaganda da ação’ podem argumentar tudo o que quiserem sobre a influência elevada e estimulante dos atos terroristas sobre as massas. Considerações teóricas e experiência política provam o contrário. “Quanto mais ‘eficazes’ forem os atos terroristas, maior será o seu impacto, mais eles reduzem o interesse das massas pela auto-organização e autoeducação. Mas o fumo da confusão desaparece, o pânico desaparece, o sucessor do ministro assassinado aparece, a vida volta a instalar-se na velha rotina, a roda da exploração capitalista gira como antes; só a repressão policial se torna mais selvagem e descarada. E como resultado, no lugar das esperanças acesas e da excitação artificialmente despertada, vem a desilusão e a apatia.”

Ontem como hoje…

Não existem atalhos para a revolução. Hoje como ontem o único caminho é o trabalho paciente de conquistar as massas para um programa revolucionário, organizá-las e mobilizá-las e não entretê-las através de protestos performativos ou acrobacias mediáticas.

Revolução socialista

Como já referimos, para os capitalistas, a luta climática só vale a pena ser travada se for lucrativa. Mas como os capitalistas estão em concorrência uns com os outros – o mesmo com os países capitalistas – a sua prioridade e necessidade (de facto) será obter fontes de energia e matérias-primas baratas, bem como métodos de produção económicos, sejam eles poluentes ou não.

Amiúde uma crítica dirigida aos ativistas climáticos é a irracionalidade das suas propostas. Mas as suas propostas e metas só são “irrealistas” ou “impossíveis” de alcançar no marco da anarquia e da irracionalidade da produção capitalista. É preciso primeiro expropriar à burguesia as forças produtivas, nacionalizar os setores-chave da economia e colocar todos os imensos recursos tecnológicos, científicos, produtivos e financeiros sob gestão democrática dos trabalhadores para que sejam utilizados não em benefício duma minoria, mas para construir uma sociedade justa, livre e em harmonia com a natureza, isto é: o socialismo.

Para isso é preciso ganhar os mais abnegados ativistas entre a juventude e a classe trabalhadora para as ideias, o programa e os métodos do marxismo e em conjunto construir uma organização revolucionária capaz de desafiar e vencer o sistema, tal como os bolchevique o fizeram em 1917.

Não existem atalhos, mas há um caminho!

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