O Verão ainda não acabou, mas o desastre que nos aguarda já está anunciado: Por toda a União Europeia os diversos governos anunciam pacotes de auxílio às empresas e famílias, para que possam fazer face aos aumentos brutais do preço da energia (luz e gás) que se aguardam.
Desde já sabemos que estes “pacotes de auxílio” serão insuficientes para compensar a escalada de preços. Em Portugal, por exemplo, a redução do IVA na eletricidade será apenas para uma pequena dose de consumo (tendo, portanto, um impacto mínimo) e a “oferta” de meia reforma aos pensionistas em outubro será depois descontada em 2023 – o que indica desde já o quão pífias são estas medidas. Tanto mais quando, fazendo fé do aviso feito há dias pelo primeiro-ministro Belga (lapsos linguae?), fomos já avisados sobre os próximos 10 terríveis Invernos que nos esperam. Tal vaticínio foi agora confirmado pelo CityGroup. Claro que para o sector privado da produção e distribuição de energia, não haverá propriamente nada de terrível nestas projeções…
A par de todo o sofrimento que será causado aos trabalhadores e às populações economicamente mais fragilizadas, a crise energética da Europa terá consequências catastróficas sobre a totalidade economia do continente, cujos efeitos, por exemplo, se fazem sentir desde já sobre a indústria metalúrgica, confrontada com lockdowns, paralisações de produção e iminentes falências! E isto ainda é só a ponta do iceberg… pois a médio prazo a Europa será o continente com a fatura energética mais cara, enquanto outros competidores na arena do comércio mundial como a China e a India estarão (possivelmente) a comprar gás e petróleo russos com preços de desconto.
É extraordinário, neste contexto, escutar certos dirigentes de Esquerda criticarem as políticas governamentais anunciadas e serem, ao mesmo tempo, incapazes de reconhecer e apontar o elefante que trouxeram para o centro da sala: as sanções e a guerra económica contra a Rússia são, neste momento, o principal fator da degradação económica e social, não apenas no país, mas no continente!
Precisamente porque as medias anunciadas, seja pela Comissão europeia, seja pelo governo português, não passam de paliativos, a crise energética paulatinamente vai-se instalando! Em Hannover duches de água quente foram proibidos em ginásios e piscinas desde julho! Espanha e Itália limitaram em pleno Verão o uso de ar-condicionado em espaços públicos. A Suíça acaba de anunciar multas e até penas de prisão para quem viole as regras de utilização de gás. Parece, pois, inevitável que os povos da Europa irão enfrentar escassez, racionamentos e apagões de energia. E ainda pagar fortunas pelo pouco que conseguirem consumir!
Quanto ao preço do petróleo, as recentes quedas de preços do barril têm sido motivadas pelos lockdowns anticovid na China e temores duma recessão na sua economia, mas sobretudo pela venda que a administração Biden tem feito de parte significativa das reservas estratégicas dos Estados Unidos, de modo a tentar manter os preços um pouco mais abaixo do pico registado há uns meses. Quanto tempo isto irá durar? Bom… há eleições intercalares para o Senado e Câmara de Representantes dos Estados Unidos em novembro. Mas, sobretudo, esta situação irá rapidamente alterar-se se os países do G7 insistirem no (e de facto já o confirmaram) limite de preço que pretendem instituir, à escala mundial, à venda de petróleo russo –2º maior exportador mundial. Não faltam vozes de aviso sobre as consequências potencialmente catastróficas para estabilidade do funcionamento do mercado petrolífero mundial, mas previsivelmente todas as advertências serão ignoradas!
A Guerra como acelerador
Ora, precisamente, a guerra na Ucrânia veio acelerar e agudizar as tendências inflacionárias e a crise tornada inevitável pelas perturbações nas cadeias de produção e abastecimento durante a pandemia Covid19; e pela expansão monetária sem precedentes que ocorreu nos últimos anos, primeiro para resgatar bancos e, depois, para “estimular” a economia durante a pandemia.
A guerra, aliás, não é um “acidente” ou fruto duma perversa maldade deste ou daquele chefe de Estado, mas é o reflexo da crise do sistema capitalista e da rivalidade exacerbada dos blocos imperialistas ao disputarem os recursos, os mercados e as esferas de influência; rivalidade que já não consegue ser mediada e resolvida por vias diplomáticas. E tal como dizia Clawsewitz: “A guerra é a continuação da política por outros meios”.
Não tenhamos ilusões: a guerra da Ucrânia não é só (nem principalmente) um conflito entre Moscovo e Kiev, mas uma é um combate entre a Rússia e os Estados Unidos (somados aos seus vassalos da NATO) que usam o povo ucraniano numa guerra por procuração, através do governo reacionário e corrupto de Zelensky.
A dramática crise energética que se perspetiva é, por isso, fruto das sanções e da guerra económica que o Ocidente move contra a Rússia. E na Ucrânia, como na Rússia e no Ocidente, é sempre o povo trabalhador que é chamado a morrer nas trincheiras pelas ambições imperialistas; é sempre o povo trabalhador que é chamado aos sacrifícios e a pagar os custos das aventuras militares da burguesia!
Não pode haver aqui a mínima tergiversação! Os mesmos imperialistas que afogaram o Iraque, o Afeganistão ou a Líbia em sangue; os mesmos Estados Unidos que prosseguem hoje com as suas “Operações Militares Especiais” na Somália, Síria ou Iraque; são os mesmíssimos lobos que agora vestem a pele dos cordeiros paladinos e defensores dos “direitos humanos”, da “legalidade internacional” ou da “autodeterminação” do povo ucraniano. Não passam de mentiras com as quais tentam encobrir as suas cínicas políticas de rapina e dominação: eles serão os primeiros a trair e a abandonar à sua sorte os ucranianos se isso for (ou quando isso for…) do seu interesse, tal como repetidamente o têm feito aos curdos.
Mas também não podemos hesitar no que respeita à caraterização de Putin, do seu regime e das suas políticas. Putin é um declarado reacionário, inimigo da classe trabalhadora, a começar pela classe trabalhadora do seu país, onde uma clique oligárquica e mafiosa passou 30 anos a enriquecer com a pilhagem e roubo do trabalho e das conquistas de gerações de trabalhadores soviéticos. O seu chauvinismo grã-russo apenas alimenta o nacionalismo ucraniano, pois a invasão da Ucrânia criou já profundas feridas entre os povos russo e ucraniano que durarão talvez décadas a serem saradas. Que diferença para com o ideal bolchevique que se propôs a agregar num Estado operário e multiétnico os trabalhadores das mais variadas nacionalidades!
Mas não percamos de vista que quem tem de lidar com Putin, quem irá vencê-lo e derrubá-lo, será a classe trabalhadora russa. Essa é a sua tarefa. A nossa tarefa é lutar contra os nossos imperialistas, e não nos colocarmos ao seu lado, como a “roda esquerda” das suas ambições maquilhadas de “preocupações humanitárias”.
Passaram já mais de 6 meses desde o início da invasão russa e a guerra parece não ter fim à vista. A destruição económica da Ucrânia prossegue, milhões de refugiados fugiram do país e o horrível ceifar de vidas continua dia após dia. Mas agora, as consequências da guerra económica começam a fazer-se sentir mais duramente no Ocidente, em particular na Europa.
No início, a administração americana e os líderes europeus exuberantemente anunciavam pacotes de sanções que conduziriam ao colapso economia russa. “Rubles to rubble” – ou o “rublo para o lixo”, como gritou Biden em março, numa visita à Europa. Diziam-nos que as sanções iriam, primeiro, parar o financiamento da guerra de Putin e, depois, conduzir ao colapso económico do país, à revolta generalizada da população e à queda do regime… Como os nossos imperialistas e os seus exércitos de jornalistas, papagaios, «opinadores», comentadores e comendadores salivavam de expectativa… Afinal, o que era a Rússia, senão uma espécie de bomba de gasolina mascarada de Estado, com um PIB inferior ao da Coreia do Sul? … Lembram-se? Não foi assim há tanto tempo: foi há menos de 6 meses. Mas sobre a economia russa e as sanções no início do conflito escrevíamos:
“É um grande exportador de matérias-primas. E não é só de gás e petróleo dos quais depende o funcionamento e a competitividade das economias europeias; mas é também um dos maiores exportadores de cereais e outros produtos agrícolas, de fertilizantes, de madeira e derivados, de ferro, cobre, alumínio e duma miríade de metais e ligas raras essenciais ao fabrico de condutores, chips, aviões ou carros elétricos.
Não é possível fazer da Rússia uma “Coreia do Norte” da Europa. Ou melhor: até é, mas só à custa do descalabro económico. A economia mundial que já antes da pandemia dava sinais preocupantes, que ainda não recuperara sequer do impacto da Covid 19, é agora convulsionada pelos efeitos da guerra, efeitos multiplicados pelas sanções e que agudizam os já preocupantes indicadores.” – O Marxismo e a Guerra na Ucrânia
Para nós não é surpresa que as sanções tenham tido um efeito boomerang. E menos surpreendidos ficámos que elas estejam a afetar o povo trabalhador e não as oligarquias!
Aqui chegados… que fazer?
Resta aos trabalhadores e à juventude não depositarem a mínima confiança nas classes dirigentes, nos seus governos e políticas, mas antes lutar pelos seus direitos, pelo seu bem-estar e pela dignidade a que têm direito. Não apenas na Europa, mas em todo o mundo. Por mais catastróficas que sejam as consequências na Europa, serão elas muito maiores no chamado Sul Global.
E, precisamente, foi no “Sul Global”, mais precisamente no Sri Lanka, que caiu com estrondo uma primeira peça do dominó: do dia para a noite, o país deixou de ter, pura e simplesmente, capacidade para pagar a dívida externa, para a importação de combustível, medicamentos ou comida. Como consequência, a revolta da população (tomou literalmente de assalto o palácio presidencial!) forçou a queda do governo e fuga dos principais dignatários do país. Contudo, na ausência duma força revolucionária suficientemente implantada entre as massas, esta insurreição foi, por ora, desviada para soluções “apaziguadoras” e “legalistas” em prol duma mirífica “unidade nacional” contra a corrupção e a crise.
Contudo, no âmbito da crise capitalista, nenhuma solução duradoura e estável é por agora possível e esta pausa apenas será um parêntesis, uma antecâmara, para novas e maiores convulsões, não apenas no Sri Lanka, mas em dezenas de outros países igualmente fragilizados como o Nepal, o Paquistão ou o Mali.
Quanto à Europa, apesar do privilégio secular que gozou devido à pilhagem colonial e neocolonial, as perspetivas futuras que agora enfrenta são tudo menos risonhas e otimistas. Ainda há uma semanas atrás Macron anunciou “o fim da era da abundância” antes de cinicamente ir passar uns dias de férias a bordo dum iate. Ao contrário da burguesia à qual não faltarão luxos e extravagâncias, enfrentam os trabalhadores da Europa a possibilidade de escassez e racionamentos e têm diante de si as perspetivas mais sombrias das últimas décadas.
Não nos iludamos: a não ser que os trabalhadores derrubem o capitalismo, a burguesia sempre encontrará forma de resolver as contradições do seu sistema à custa dos próprios trabalhadores – nem que seja pela guerra! Mas ao mesmo tempo, tenhamos consciência do seguinte: se a miséria, por si, provocasse a revolta, havia revoluções todos os dias nos países mais pobres do mundo. Muito mais que a miséria e a pobreza, por si só, são as mudanças drásticas e súbitas na situação material e o correspondente impacto na consciência social que se revelam o combustível da agitação social, do desejo de mudança e da insurreição operária.
Não nos iludamos com as declarações mais ou menos tonitruantes ou a bravata mediática: Não existe um único governo estável entre as principais potências europeias (Espanha, Itália, França, Alemanha ou Reino Unido têm governos de coligação fracos e titubeantes, incapazes e despertarem o menor entusiasmo ou confiança entre as massas). A fortaleza Europa apresenta fissuras por toda a parte. A sucessão de declarações sobre a “unidade europeia”, a “unidade dos aliados”, “a força da Nato” não passam duma representação entre náufragos, que nos bastidores, tentam cada um remar para seu lado. As contradições somam-se, acumulam-se e o Verão ainda nem sequer terminou.
Greves nos aeroportos europeus, paralisações no metro de Londres, manifestações em Nápoles onde se queimam as contas da luz, protestos de agricultores na Holanda ou Polónia. Ligamos a televisão e nada se passa: fogos de Verão, morte de Isabel II, discursos de Zelensky. Mas por mais estridente que seja a propaganda, por mais censurada que seja a opinião, por mais pesados que sejam os silêncios informativos, a toupeira vai, talvez impercetivelmente para muitos, escavando os túneis de onde emergirão as lutas, a revolta, as revoluções que nos aguardam.
Há dias, na República Checa, ocorreram os primeiros grandes protestos contra as sanções e a guerra. Mais de 70 mil pessoas reuniram-se no centro de Praga, já não apenas contra aumentos de energia, inflação descontrolada ou degradação das condições de vida, mas exigindo consciente e abertamente o fim da guerra, do envio de armas e das sanções.
Foi o tiro de partida das muitas manifestações e lutas que irão varrer o continente nos próximos meses e anos. É por isso dever dos marxistas impulsionar essas lutas, mobilizando os trabalhadores e a juventude na luta contra a crise do sistema capitalista e a guerra que é dela simultaneamente consequência e dínamo. Porque a luta contra a guerra, seja a guerra militar ou económica, é inseparável da luta pelas condições de vida da classe trabalhadora. E os problemas que afetam a nossa classe são irresolúveis no quadro do capitalismo agonizante, donde esta guerra emergiu.
É, pois, para nós claro, e neste novo período em que agora entrámos, cada vez o será mais para um número crescente de trabalhadores e jovens que “Podem as classes dominantes tremer ante uma revolução comunista! Nela os proletários nada têm a perder a não ser as suas cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletários de Todos os Países, Uni-vos!” – Manifesto do Partido Comunista
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