Artigo de Gabriel Torres
Apelidada de Bragasil, a cidade de Braga é destino de muitos imigrantes e dentre eles um número considerável de origem brasileira, o que faz jus ao apelido. Com um pouco de atraso e com menor intensidade em comparação às 2 maiores cidades de Portugal – Porto e Lisboa, os residentes de Braga, já há algum tempo estão a sentir o aumento nos custos da habitação, especialmente no pós-Covid.
É um dado conhecido o aumento contínuo do fluxo migratório para Portugal a partir de 2017. Ano em que no Brasil, os efeitos da crise capitalista e do golpe de estado parlamentar reacionário sobre o governo Dilma fez com que a componente brasileira nos números da imigração, começassem a puxar para cima esta tendência. Desde então, umas sequências de crises do capitalismo engrossaram este fluxo migratório das periferias para o centro, para os países imperialistas mais avançados. E se os habitantes das ex-colónias, do subcontinente indiano e de demais países menos desenvolvidos fazem esta jornada no sentido de Portugal, também muitos portugueses a fazem com destino a países mais centrais (e ricos) do capitalismo europeu.
O motivo que faz com que populações migrem é proporcional à relação da qualidade de vida entre o país de origem e o país de destino. Crises capitalistas de todas as ordens impactam nas condições materiais de vida e impulsionam populações a buscar melhores condições em outros lugares.
Hipoteticamente, num cenário extremo, a imigração poderia jogar um papel na questão do custo da habitação, porém em Braga estamos a falar de apenas 6,6% de imigrantes. Número muito inferior aos 30% falsamente apresentados pelo líder do Chega. E se considerarmos as cerca de 700 mil casas vazias no país e a imigração de portugueses para fora de Portugal, o suposto impacto que os imigrantes representam nos custos da habitação não tem base na realidade. Quando se considera estes dados, fica claro que o aumento do custo de habitação em Braga, que foi de cerca de 14% somente em 2023, vai muito além da cínica e populista atribuição à imigração.
Para além disso, para um imigrante conseguir uma habitação digna o processo é penoso. Devido à xenofobia, grande parte dos senhorios ao saberem que a parte interessada é imigrante, barram a negociação logo à cabeça. Os que aceitam negociar, cobram um arrendamento mais caro e exigem entre 4 e 12 rendas adiantadas. No caso meu e da minha esposa, que migramos do Brasil para Braga, enfrentamos muitas dificuldades. Após meses a viver num alojamento local, finalmente encontramos um apartamento. Tivemos de pagar 5 rendas adiantadas no valor total de 4.250,00 euros por um T2 com móveis velhos e quebrados, paredes mofadas e até vazamentos de água. Os imigrantes com menos condições se sujeitam a viver em quartos minúsculos dentro de habitações partilhadas superlotadas e até a viver em tendas.
A raiz do problema do custo da habitação, que recai sobre a classe trabalhadora de Braga e de milhares de outros centros urbanos ao redor do mundo, está na especulação imobiliária e na procura máxima do lucro o que gera o aumento exponencial. A busca incessante da manutenção e aumento dos lucros encontrou na indústria da habitação um veio dourado para exploração. Esta exploração vai desde os juros do financiamento imobiliário, passa pelos alojamentos locais e vai até à aquisição de móveis e eletrodomésticos. Tudo isto é reflexo da crise contínua do capital que aumentou significativamente seu ritmo em 2008.
Com a queda dos lucros nas indústrias e negócios tradicionais, os capitalistas concentraram o apetite por lucro para a financeirização e especulação. No final das contas, este movimento transfere o pouco da riqueza que fica com a classe trabalhadora para os capitalistas. Quase como um movimento de maré a baixar e a remover aos poucos os recursos materiais dos seres que ficam mais à borda.
Toda esta operação é facilitada pela confusão que se instala na classe trabalhadora e é fruto da desinformação e xenofobia propagadas pela media capitalista. Aqui estão incluídas as propagandas políticas da ascendente extrema-direita que por sua vez, é financiada pela classe dominante.
Importante ressaltar, que neste panorama, a classe dominante joga em duas frentes. Uma delas, mira no aumento do lucro do setor imobiliário. A outra frente, mira no aumento da exploração da classe trabalhadora. Para tanto, é importante causar uma divisão na classe trabalhadora da seguinte forma: Nos trabalhadores portugueses, incutir a ideia de relativo conforto e superioridade mesquinha que contrasta com o sentimento de ameaça do inimigo externo. Nos trabalhadores imigrantes, incutir o ressentimento e o sentimento de não pertencimento. Em suma, o desejo dos capitalistas de nivelar por baixo os custos da mão-de-obra, coloca em marcha ferramentas ideológicas. De um lado o discurso xenófobo para criar condições marginais para os trabalhadores imigrantes. Do outro, o congelamento da luta da classe trabalhadora portuguesa.
A dor e o sentimento de revolta da classe trabalhadora são reais e o capital usa suas ferramentas para desviar o foco do problema raiz. Para isso, agora lança mão do argumento da imigração já que outros como Covid e Guerra na Ucrânia se esgotaram. A esquerda institucional cai ingênua ou propositadamente na armadilha da frente ampla, e desta forma se vincula ao problema e não conseguem dar respostas aos problemas que a classe trabalhadora enfrenta.