No próximo dia 24 de janeiro, Portugal irá eleger o 21.º presidente da República. As eleições presidenciais têm importância porque permitem medir a sensibilidade eleitoral. Contudo, estas não permitam entender a real situação política do país e o equilíbrio de forças na sociedade, mostrando ainda mais a crise da esquerda e do reformismo.
Estas eleições, do ponto de vista formal, serão marcadas por uma elevada abstenção derivado a vários motivos. Em primeiro lugar porque, historicamente, as reeleições de atuais presidentes tendem a ter uma menor participação, em segundo lugar, por questões de conjuntura, nomeadamente a pandemia da Covid-19. Contudo, existe outra razão fundamental para a baixa participação. Carlos Jalali, investigador da Universidade de Aveiro, em declarações ao jornal Público afirmou que a abstenção pode chegar, nestas eleições, até aos 75%, a percentagem mais alta da história de qualquer eleição em Portugal. Jalili acrescenta que essa expectativa não mudou muito desde o início da pandemia. Ou seja, se a Covid-19 não existisse, esse valor não iria sofrer quaisquer alterações. O investigador afirma que entre 30 e 35% dos jovens dos dezoito aos vinte e quatro anos não pretendem votar nesta eleição, enquanto 18% dizem não saber em quem votar.
Segundo os media, a taxa de abstenção nesta faixa etária será muito maior porque as pessoas e especialmente os jovens não estão interessados em política, tendo afirmado o mesmo em relação ao Reino Unido em 2015 e aos Estados Unidos em 2016. Esta ideia não corresponde à verdade. As pessoas estão extremamente politizadas, estão com raiva, cansadas, fartas e, em muitos casos, desesperadas. O que acontece é que simplesmente não veem a sua vontade política e os seus interesses expressos em qualquer partido político.
Existe também um certo nível de fadiga, confusão, desmoralização e medo, o que significa que a retórica da “unidade das pessoas no interesse nacional” (e a repetição dessa retórica pela esquerda) tenha um efeito positivo nas intenções de voto por parte de Marcelo nas sondagens. O atual presidente da república gosta de se posicionar como a figura de unidade nacional, mas na realidade age como estabilizador da política no interesse do grande capital. O que realmente mostra a falta de interesse nas eleições é o fracasso das lideranças dos partidos de esquerda. A fragmentação dos candidatos, à esquerda, permite que André Ventura possa ganhar destaque. Situação que se resolveria com uma candidatura única de esquerda, de modo a poder colocar em causa a vitória, tida como garantida, por Marcelo Rebelo de Sousa e pela própria Marisa Matias, como se verificou no seu primeiro debate.
Tanto a candidatura do BE, como a do PCP, não apresentam uma real alternativa anticapitalista a Marcelo. Marisa Matias, por exemplo, afirma que as pessoas (a classe trabalhadora) são obrigadas a cumprir as medidas de proteção necessárias em relação à pandemia, mas não explica como podem ser apoiadas de forma a enfrentar estas medidas de restrição com dignidade. O que propõe a candidata? Apenas para que o governo invente algo. Mas onde está a alternativa do seu partido Bloco de Esquerda? Existe assim um paralelo com a liderança atual do Partido Trabalhista no Reino Unido, no qual, quando o governo de Boris Johnson anuncia novas medidas, afirma “sim, vocês estão a tomar decisões certas, mas poderiam estar a fazer um pouco mais”. Esta não é uma oposição real.
Esta é uma situação e uma plataforma perfeita para que André Ventura, através da sua propaganda xenófoba, sexista e reacionária, possa partir ao ataque. Não é por acaso que algumas sondagens apontam para um segundo lugar. O líder do partido político Chega aparenta ser o único candidato que ataca realmente o governo por não ter conseguido lidar com a crise, enquanto de forma demagógica tenta explorar a raiva fervente e desesperada de camadas da população portuguesa que se sentem deixadas para trás pelo establishment político. Quando definiu o PS “um esgoto a céu aberto”, provavelmente muitas pessoas concordaram com a afirmação. O facto de haver constantes mentiras pronunciadas por André Ventura não faz com que seja desacreditado, contribuindo para a normalização de qualquer truque retórico, desde que seja chamativo para colocar nas redes sociais. Nada na sua prestação o distingue de um comentador desportivo ou de uma imitação barata dos gestos de Donald Trump.
A “ascensão” do Chega é com certeza um fenómeno que é preciso olhar com atenção, mas que não pode polarizar a discussão e dispensar uma crítica política a todos os candidatos que são contra dele. O foco desproporcional que os outros candidatos de esquerda deram na ascensão do Chega e na ameaça do fascismo ajudou na popularidade de Ventura.
As sondagens preveem 150 mil votos para André Ventura nas próximas eleições. Este é um grande salto, mas ainda constitui apenas uma fração do eleitorado. Como já vimos na Grã-Bretanha após a ascensão do UKIP e em França com a Frente Nacional, isso poderá provocar uma reação oposta muito maior em algumas das camadas mais avançadas dos trabalhadores e dos jovens em Portugal e mover a consciência política deles para a esquerda. Esse processo provavelmente foi atrasado pela natureza da crise atual e da pandemia, mas isso significa que o movimento será ainda mais explosivo quando tal acontecer.
A classe trabalhadora portuguesa e o movimento social será mais que capaz de varrer qualquer desafio da extrema-direita, enquanto abala os próprios alicerces do Estado do qual Marcelo Rebelo de Sousa é um pilar. Temos de estar preparados e ter uma abordagem independente e de classe para as questões que estão colocadas neste momento.
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