As eleições presidenciais e a crise do reformismo

Se há uma conclusão que se pode retirar destas eleições é o colapso da base eleitoral de esquerda. Por um lado, existiu um compromisso tácito dado a Marcelo Rebelo de Sousa, pela ala direita do PS; por outro lado, os próprios candidatos concorriam sabendo que não iriam vencer, como aconteceu com Marisa Matias que reconheceu uma vitória à primeira volta de Marcelo Rebelo de Sousa, e por isso candidataram-se com a “missão” de derrotar o fascismo.

Tanto o Bloco como o PCP não tinham uma verdadeira alternativa governativa de esquerda, excetuando algumas palavras vagas à dignidade, ao SNS ou a posição institucional do PCP.

A abstenção não se justificou apenas pelo contexto pandémico do COVID-19. Em parte, apesar de haver uma redução da afluência aquando das recandidaturas de atuais presidentes, mas também pela falta de organização e planeamento como se viu na possibilidade de voto antecipado, mas o principal motivo foi a falta de alternativa ao sistema atual. O que leva à falta de esperança que as pessoas têm neste sistema; muitas perguntaram-se qual o motivo de ir votar, se, no fim, iria ficar tudo como estava.

Quem tomou mais vantagem deste descontentamento foi o candidato André Ventura. Sabendo que o sistema atual não responde às necessidades e não existe uma alternativa, orientou o seu discurso reacionário, racista, sexista e demagógico para as pessoas que mais estão a sofrer desde a crise financeira. Este vácuo foi a sua oportunidade, tal como se viu nos cerca de 500 000 votos que obteve. Além disso, a forma como foram mediados os debates televisivos, permitiu a André Ventura expor os seus argumentos vazios de substância.

A candidata Ana Gomes, que não teve apoio do seu partido de origem – PS – deve o seu resultado mais pelo voto de protesto, contra André Ventura, do que pela sua capacidade de oposição ou enquanto alternativa credível.

Neste contexto em que o voto é canalizado para André Ventura, mais pela sua capacidade de protesto do que pelo valor das suas ideias, é urgente que a esquerda se posicione de forma independente, que seja uma alternativa credível e que vá de encontro às necessidades das pessoas. A esquerda atual – PCP e BE – não consegue alcançar o movimento trabalhador porque agem como braço direito do Governo. A sua preocupação está com os votos a serem obtidos e não com os efeitos da pandemia, como a precariedade laboral, desemprego, redução salarial ou a crise na habitação.

As lideranças do PCP e do Bloco têm um longo caminho a percorrer para reconquistar a confiança da classe trabalhadora. Contudo, mais cedo ou mais tarde haverá um movimento de esquerda, de juventude e de camadas avançadas dos trabalhadores. Também não podemos descartar novas formações; a pesada tradição do PCP condicionou esta possibilidade de uma forma única. Devemos nos posicionar para exigir mais da liderança de esquerda que atualmente existe, ao mesmo tempo em que apelamos abertamente para a verdadeira vontade de mudança revolucionária que subsiste nos jovens. Porque ela existe, mas é quase totalmente inexplorada pelas forças políticas existentes.

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