O AGIT publicou um artigo onde defende que a causa da Palestina não é um adereço, dando a entender que enquanto se discutem “tecnicismo” em grupos, palestinianos morrem diariamente. O artigo faz, por isso, um enquadramento da dura realidade que se vive na Faixa de Gaza, onde já morreram mais de 27 mil pessoas e 67 mil estão feridas (destacamos que, embora o artigo não mencione, a grande maioria destas vítimas são crianças, mulheres e pessoas idosas). É, claro, uma calamidade humanitária.
O AGIT, como bom agitador que é, também dedica umas linhas à esquerda onde:
“se traçam caminhos estreitos e vertiginosos, com tomadas de posições inconsequentes ou com consequências danosas para o povo palestiniano de como devem resistir, de como devem formar o seu Estado, da apologia, do alto da sua sobranceria, a uma intifada até à morte do último palestiniano contra o 4º maior exército do mundo patrocinado pelo maior complexo industrial-militar do mundo”
O AGIT, como bom agitador que é, lembra:
“A Palestina tem direito à edificação de um Estado soberano independente, tal como defendido pelas organizações palestinianas e reconhecido internacionalmente pelas resoluções da ONU (…). A criação do Estado soberano, como há muito está previsto, é a questão fundamental esquecida por quase todos”
E conclui o AGIT, como bom agitador que é, que:
“Não é preciso inventar a roda, exigindo que a Palestina seja edificada nos termos que determinado grupo ache aceitável (…). Como se o povo palestiniano não tivesse capacidade e o direito a escolher para si os seus representantes (…). Palestina soberana, independente, com direito à autodeterminação e construção do seu próprio Estado é o seu povo tomar o destino pelas mãos e construir aquilo que entenderem ser melhor para si, nos moldes que entenderem”
O artigo do AGIT, é revelador do estado em que se encontra atualmente o PCP, no seu reformismo político e pacifismo internacional, onde o primado soviético da coexistência pacífica entre potências ainda é predominante e o facto de fazer uma menção velada ao Coletivo Marxista e à sua defesa de uma Intifada até à vitória! só nos leva a concluir que há um debate intenso no seio da JCP e em partes da juventude mais esclarecidas.
Desmontemos, então, estes argumentos AGITadores.
No início era o idealismo…
Em poucas palavras, a posição da JCP é clara:
- Não vale a pena lutar contra uma potência militar (ainda por cima a 4.ª maior que é apoiada pela 1.ª mundial)
- Cabe aos palestinianos escolherem o seu destino
- Tudo o mais tem de ser dirimido na ONU e pelos representantes escolhidos pela Palestina
Qualquer pessoa compreende que nesta argumentação existe um conjunto de contradições lógicas e que espelha bem o que é analisar um contexto internacional sem as lentes do marxismo. Um dos erros é imaginar que existe um estado ideal nas relações internacionais, no qual os povos de cada país são livres (sem constrangimentos para decidirem) e que, no contexto do capitalismo e sob a égide da doutrina soviética da coexistência pacífica, tudo é possível de se resolver na sede da ONU.
Já escrevemos antes das limitações do pacifismo, designadamente da falsa ideia de que é possível uma solução pacífica para todos os conflitos que surjam entre os Estados. Isso foi verdade no contexto da doutrina das conferências entre Estados (amplamente presente desde o século XIX) e que não conseguiu evitar a Primeira Guerra Mundial; foi verdade com o falhanço da Liga das Nações em evitar a Segunda Guerra Mundial e foi verdade em todos os conflitos que surgiram no mundo após a criação da ONU, alguns dos quais fortemente criticados por aquela organização. Se a ONU é espaço de dirimir conflitos, porque ainda não houve um cessar-fogo imposto por esta instância?
Todo e qualquer comunista sabe que a essência do capitalismo é a guerra. Num plano interno materializa-se na luta de classes, que opõe a burguesia e o proletariado; no plano externo, temos a transposição da mesma lógica, mas num contexto internacional. As burguesias nacionais lutam desesperadamente por acesso a mercados que lhes consigam dar um pouco mais de lucro, mesmo que para isso tenham de se envolver numa guerra mundial, como disso foi exemplo o que se passou entre 1914 e 1918.
E quando apela à ONU, a Juventude Comunista Portuguesa está a apelar a uma organização dominada pelos interesses dos grandes imperialistas que não aprovarão seja o que for que coloque em causa os seus interesses. É impossível apelar a uma organização que resolva o problema palestiniano, quando é o opressor (Israel) o aliado da maior potência imperialista. E essa ligação, apesar das críticas de Biden nos meios de comunicação, é bem patente quando o Conselho de Segurança não consegue aprovar um cessar-fogo pela mão dos embaixadores norte-americanos.
Recordem, camaradas da JCP, que o que carateriza a relação da ONU com a Palestina é uma história de recuos, palavras vazias e bem-intencionadas resoluções que jamais tiveram a mínima repercussão no avanço substancial da causa palestiniana. Mesmo a resolução que forçou a retirada militar da Faixa de Gaza e dos colonatos na Cisjordânia não livrou os palestinianos da cruel opressão em que diariamente vivem, com os múltiplos postos de controlo ou prisões arbitrárias, onde até crianças são presentes a tribunais militares (aquelas que têm julgamentos).
Só os teóricos da “democracia avançada”, juntamente, com todos os outros idealistas é que não chegaram a essa conclusão. A verdade é que Lenine, que criticou duramente a Liga das Nações (precursora da ONU), já tinha alertado que apelar à paz sem que esta esteja relacionada com a ação revolucionária era insuficiente. Leiamos o que ele escreveu sobre a questão da paz:
“Um fim às guerras, a paz entre as nações, o cessar da pilhagem e da violência – tal é o nosso ideal, mas apenas sofistas burgueses podem seduzir as massas com este ideal, se este estiver divorciado de um apelo direto e imediato à ação revolucionária”
Não basta se dizer herdeiro de Lenine, se no fim as ações defendidas vão contra tudo o que defendeu. Desafiamos a que voltem a Lenine.
O artigo ainda defende que as fronteiras que se devem estabelecer são as anteriores a 1948, desenhadas nos gabinetes dos imperialistas da mesma forma como foram desenhadas as fronteiras em África. Reconhecendo que essas fronteiras são melhores do que as atuais, é preciso reconhecer que o problema não é de fronteiras, mas da estrutura social e económica da região, onde os interesses e ingerências imperialistas se fazem notar acentuadamente.
Nesse sentido, e tendo em conta o plano regional, urge uma intifada, mas também uma nova Primavera Árabe onde, desta vez, expulse o imperialismo da região, retire o poder à elite política corrupta e seja a classe trabalhadora a assumir o poder e organizando a economia sobre os princípios do socialismo, antevendo a construção de uma federação socialista do Médio Oriente. Não é pedir muito a um comunista que entenda a nossa posição.
Só quem vê o mundo pelo prisma do pacifismo é que não entende que a Causa Palestiniana existe há 70 anos como símbolo de que as conversações na ONU não produzem efeitos concretos na sua emancipação.
E mesmo assumindo que a Palestina fosse independente hoje, o que muito queríamos que acontecesse, não a podemos remover do seu contexto geográfico e da sua crónica dependência do Estado de Israel para coisas tão básicas como o fornecimento de energia elétrica, transporte de passageiros (não existem portos nem aeroportos na Faixa de Gaza nem na Cisjordânia) ou fornecimento de bens alimentares. Cerca de 72% das trocas comerciais da Palestina dá-se com Israel, que até para construir casas tem de pedir autorização a este. Sem moeda própria, com déficit comercial crónico, onde até as importações têm de ter o aval israelita, e sem acesso a bens essenciais, como pode a Palestina existir como país verdadeiramente independente?
Com o reacender do conflito em outubro de 2023 os israelitas têm sistematicamente destruído infraestruturas essenciais, como universidades, hospitais, mesquitas, escolas e, até, edifícios governamentais; na Cisjordânia, como só 1% dos pedidos de licenciamento à construção são aprovados, Israel destrói infraestruturas básicas, como cisternas, armazéns e casas a quem não conseguir provar uma “ligação à terra”. Ou pensam os pacifistas da JCP que os países quando se emancipam passam a existir num plano idealizado sem relação à realidade, especialmente longe do contexto geopolítico? Como um país, nas condições em que se encontra a Palestina, hoje, poder-se-ia desenvolver? Acaso quer a JCP que a Palestina seja independente formalmente, mas na prática viva como se de uma colónia se tratasse?
Intifada, sim. E até à vitória!
A JCP, organização da juventude comunista do PCP, prefere a paz por não ter como enfrentar potências imperialistas. Os realistas da JCP deveriam analisar um pouco do legado dos movimentos de libertação nacional, onde a correlação de forças era tão assimétrica, que mesmo assim não demoveram a vontade de saírem do jugo dos colonialistas e, pasmem-se, saíram vencedores.
Se fosse no presente, provavelmente, a JCP não defenderia uma luta armada pela libertação na Argélia ou na Indochina contra a França; talvez desaconselhasse o Vietname a combater os norte-americanos, superpotência nascida da Segunda Guerra Mundial. E são estes mesmos norte-americanos, a potência com o maior “complexo militar-industrial”, que foram apanhados em Cabul pelos talibãs numa retirada desorganizada e totalmente caótica? Aparentemente, uma das forças menos armada e sofisticada em armamento, conseguiu o seu objetivo final contra a hegemonia militar norte-americana: manter-se no poder (infelizmente com todos os retrocessos que isso implicou para o povo afegão).
Se há algo que podemos aprender com o legado das lutas de libertação nacional, mas também com outras guerras, é que até a potência mais forte pode sair humilhada. No passado o Vietname demonstrou bem que só a potência das armas não é condição de vitória. É preciso ter o povo, seja do lado dos resistentes, como também no plano interno da potência agressora. Certamente, que a JCP se recordará das consequências políticas da mobilização popular nos EUA contra a guerra no Vietname. Ou seja, uma luta de libertação nacional com o apoio da classe trabalhadora (internacional) mobilizada é fator de força contra a mais poderosa das armas e um comunista não deve nunca esquecer isso por mais forte que seja a burguesia.
A tragédia por que passa o povo palestiniano é um exemplo de que o pacifismo, apesar das boas intenções, revela-se ineficaz pelo simples motivo de que não é possível paz no capitalismo. Aliás, no capitalismo, paz só o é na medida em que representa uma guerra adiada entre potências que não olharão a vidas humanas para acederem a novos mercados.
Por isso defendemos abertamente, que só um levantamento ou uma revolta popular e revolucionária podem trazer ganhos objetivos para a Causa Palestiniana. É evidente que não temos fetiche com a palavra intifada, porque este instrumento de luta insere-se num objetivo geral que é a construção de uma nova entidade política onde possam coexistir os dois povos no que é historicamente a Palestina, regida pelos princípios do socialismo, com uma economia planificada onde os dois povos possam prosperar e fruir da terra.
Desde o início que o Coletivo Marxista é claro na sua análise: só um levantamento generalizado dos povos da região pode conduzir ao desmantelamento do apartheid israelita e à criação de uma federação socialista, que ofereça uma vida digna e livre a todos os grupos étnicos e religiosos.