Dum ponto de vista político, a situação vivida atualmente está condicionada pela vitória absoluta alcançada pelo Partido Socialista em janeiro de 2022.
Essa vitória foi alcançada graças às “credenciais de esquerda” que Bloco de Esquerda e Partido Comunista Português proporcionaram ao PS durante os anos da Geringonça em que apoiaram e sustiveram o seu governo minoritário, pela inépcia com que fizeram o executivo cair, pelo medo da ascensão da extrema-direita ao governo, que reforçou o voto útil (à semelhança do recentemente ocorrido em Espanha), e pela avaliação positiva que a maioria da população, na época, fazia tanto de algumas (ainda que escassas) melhorias nas condições de vida no pós-troika, como da gestão da pandemia pelo governo.
Os partidos à esquerda do PS, sofreram uma profunda erosão eleitoral, perdendo metade do dos votos e cerca de dois terços dos mandatos. BE e PCP tiveram os seus piores resultados. Tal como em Espanha (Podemos/Unidas) ou Grécia (Syriza), também em Portugal aqueles partidos de esquerda que os trabalhadores tinham feito crescer nos anos das crises da dívida soberana e da luta e resistência à austeridade, foram agora penalizado após terem canalizado essa força para soluções parlamentares, de conciliação de classes, acabando por frustrar expetativas e aspirações.
Quanto ao campo da direita, este saiu bastante fragmentado destas eleições e essa divisão persiste embora, no dia em que “cheire a poder”, facilmente farão tábua rasa de princípios pela partilha de gamelas.
Contudo, tal hipotético governo refém duma extrema-direita revanchista irá despoletar rápidamemte a raiva e a luta da classe trabalhadora.
Por tudo isto, à época da vitória do PS por maioria absoluta, esse triunfo foi efusiva e publicamente saudado pelos banqueiros. E os banqueiros sabiam o que saudavam! Num período de crise inflacionária e acentuada queda dos rendimentos dos trabalhadores, a banca em Portugal lucrou 2 mil milhões de euros no ano passado e 1,9 mil milhões já neste primeiro semestre. Já as grandes empresas que compõem o índice bolsista PSI-20 apresentaram lucros de 4,7 mil milhões de euros em 2022!
O próprio Estado não se pode queixar: estima-se que neste ano de 2023 irá arrecado, apenas devido ao impacto da inflação, mais de 4 mil milhões de euros. Malgrado todo esse encaixe financeiro, assiste-se à contínua degradação dos serviços públicos e das funções sociais do Estado – este canaliza o dinheiro dos impostos para o apoio aos grandes grupos económicos e o pagamento dos juros agiotas da dívida pública. Para os trabalhadores sobram migalhas, bolsos vazios e um contínuo apertar do cinto.
Ora, apesar do governo exultar com o crescimento do PIB, a verdade é que os dados do último trimestre apresentam uma nota preocupante: ainda quem o pib tenha crescido 2,3% em termos homólogos com o mesmo trimestre do ano passado, a variação do PIB do segundo para o primeiro trimestre de 2023… foi nula! Vem aí a estagnação económica?
O principal motor da economia portuguesa tem sido o sector das exportações. Com a Zona Euro (principal mercado exportador do país) em recessão técnica que expectativas podemos guardar para a evolução das exportações?
O próprio turismo já apresenta algum desgaste: assim, vieram recentemente a público que haverá menos portugueses e espanhóis a ir passar as férias de verão ao Algarve. Razão apontada? A subida de preços que, em alguns casos, chegou aos 20%.
Já o sector do imobiliário (outra das molas de crescimento económico) parece estar a chegar a um certo limite: depois do preço da habitação ter subido 7,7% no ano passado, em 2023 prevê-se uma quebra de 4,4%. Também as rendas caíram 2,5% nos primeiros meses deste ano após terem subido… 20% em 2022! Não será caso, portanto, de lamentar a sorte de proprietários e senhorios, mas se isto indicar um abrandamento no imobiliário e construção que empregam muitos milhares… haverá sérias consequências, não apenas no PIB, mas também na taxa de desemprego que até aqui se tem mantido relativamente estável entre os 6 e os 7% – um valor que nem é tão baixo assim…
Dum ponto de vista económico, a situação atual evoca o ano de 1993. Nessa altura, enquanto recessão se aproximava da Europa, o governo português desenvolvia a “teoria do Oásis”, isto é: o crescimento económico estaria imune a crises externas. Apesar das expectativas de crescimento em torno dos 3%, na verdade Portugal encerraria o ano de 93 com uma contração económica de 0,7%. 30 anos volvidos o governo acena com um crescimento de 2,7%, aparentemente julgando-nos imunes à evolução da conjuntura económica europeia…
Nos dias de hoje será mais provável encontrar um astrólogo que acerte nas previsões do que um economista, mas o ponto que queremos frisar é o seguinte: “ninguém come PIB”!
No último ano assistiu-se à maior quebra do poder de compra da classe trabalhadora muma década devido à espiral inflacionária. Para quebrar essa espiral de preços a única solução dos astrólogos – perdão – dos economistas burgueses, foi aumentar as taxas de juro que agora asfixiam a classe trabalhadora a par da alta de preços que se verificou, verifica ainda e cuja evolução não sabemos como será. A título de exemplo, tomemos os preços da alimentação: caíram 2% em maio, já com o desconto do IVA zero? Isso não apaga a subida brutal de 20% registada só em janeiro deste ano. E como desde o anúncio do fim “acordo do grão” entre os beligerantes na guerra da Ucrânia, o preço dos cerais subiu quase 10% nos mercados… ninguém realisticamente tem como garantir a futura evolução dos preços seja da alimentação, energia ou outros.
Há demasiada instabilidade e incerteza, mas sabemos que a “cura” ameaça “matar o paciente: Num empréstimo bancário a 150 mil euros por 30 anos para aquisição de casa própria, os recentes aumentos anunciados pelo Banco Central europeu irão aumentar as prestações mensais para os 763€ (mais 50€) para a taxa euribor a 3 meses. O salário mínimo são 760€. 1 em cada 5 trabalhadores recebe o salário mínimo em Portugal.Mais de 1 milhão de famílias tem crédito à habitação!
Naturalmente, o aumento da taxa de juros não se resume apenas aos empréstimos para aquisição de casa, também fazem pesar os chamados empréstimos ao consumo. Ora apesar da subida dos juros tem, paradoxalmente, aumentado o crédito ao consumo: mais 76 milhões de euros emprestados em junho em relação aos valores de maio. É possível que não poucos trabalhadores estejam a pedir novos empréstimos para pagar dívidas antigas e fazer esticar o salário até ao fim do mês…
Neste contexto de austeridade acentuada os trabalhadores não se têm resignado: professores, enfermeiros, médicos, funcionários judiciais, trabalhadores dos transportes… enfim! Toda uma maré de lutas nas empresas se levantou nos últimos meses. Até ao final de maio de 2023 os pré-avisos de greve já correspondiam a 70% do total do ano transato.
Esta vaga grevista foi também acompanhada por várias manifestações de massas, desde os protestos pela “vida justa”, à celebração do Dia Internacional da Mulher à luta pelo direito à Habitação, passando por sucessivas manifestações de professores ou o protesto nacional de março da CGTP que reuniu dezenas de milhar de trabalhadores tanto do privado como do setor público, ou até as tradicionais manifestações do 25 de Abril e do 1º de Maio.
O problema destas lutas é que têm sido travadas de modo isolado, atomizadas, na ausência dum programa reivindicativo comum e dum plano de luta que conscientemente reúna e agregue todos os setores da classe trabalhadora em luta, todos os setores da sociedade portuguesa oprimidos e esmagados pela inflação, pela subida dos juros, pela austeridade. Atente-se que apesar de assistirmos à maior queda de rendimentos dos trabalhadores na última década, desde o tempo da troika e das crises das dívidas soberanas, nunca o espectro da Greve Geral foi, sequer, agitado!
Há, porém, toda uma raiva social cujo potencial está ainda por se expressar. Toda a repercussão sentida por uma série de pequenos escândalos, em que o governo se tem visto envolvido, é de algum modo, sintoma disso mesmo. O que num passado recente todo um conjunto de pequenas trocas de favores, toda uma teia de sinecuras e de portas-giratórias, seria vista como “normal”, perante a a atual crise social latente, ganha foros de indignação nacional e já conduziu à demissão duma dúzia de governantes em pouco mais de 1 ano.
Contudo, não guardamos ilusões: neste momento, para a burguesia portuguesa, o governo PS é o que mais garantias lhe dá de estabilidade, relativa paz social e lucros astronómicos. O governo não irá cair pela simples sucessão de pequenos escândalos de corrupção ou “más práticas”. Só a luta social o poderá fazer. Mas não basta derrubar o governo apenas para escancarar a porta do poder à direita. Os partidos de esquerda, à esquerda do PS, têm de construir uma alternativa de classe ao atual crise! Infelizmente, não se têm mostrado à altura da situação.
A imagem destes partidos continua afetada por anos de colaboração de classes em torno dos governos da Geringonça e do apoio ao PS. Por isso mesmo são responsabilizados (por importantes franjas sociais) pela situação difícil em que o país se encontra. E, embora tenham passado à oposição, nunca fizeram uma verdadeira autocrítica e exame do que foi a “Geringonça”, das suas cedências e das suas responsabilidades. As perdas e ataques ocorridos durante a crise das dívidas soberanas nunca foram totalmente revertidos. E agora os trabalhadores constatam como até os pequenos ganhos da Geringonça foram obliterados pela crise atual.
Que tanto o PCP como o BE nada tenham aprendido da natureza do capitalismo e do período de crise geral que vivemos se constata pelas alternativas que não são capazes de apresentar.
A título de exemplos gritantes: perante lucros obscenos acumulados pelos setores da energia, do comércio retalhista ou da Banca não são capazes de defender a sua gestão pública; perante a gestão, sob uma lógica “empresarial”, “privada”, duma empresa pública como a TAP, nunca foram capazes de defender a gestão da companhia pelos próprios trabalhadores ao invés de CEOs nomeados pelo governo e pagos a peso de ouro que, dispondo dum financiamento público de 3 mil milhões de euros, conduziram uma política de cortes salariais, despedimento de milhares, redução de voos e atividades da empresa, com vista à sua futura privatização, sem que algum dia o dinheiro público investido na empresa possa ser recuperado.
Todo o “realismo” destes dirigentes, realisticamente, apenas nos podem conduzir a sucessivas derrotas. O sistema está esgotado, mas sempre será capaz de superar as suas crises à custa dos trabalhadores se estes não o derrubarem. É por isso que é tão urgente a difusão das genuínas ideias e praxis do marxismo revolucionário.
Mesmo um pequeno grupo como o Colectivo Marxista poderá começar a conquistar a atenção duma camada de ativistas que procurem uma alternativa revolucionária, desde que saibamos ter uma ação ousada, mas não sectária, dirigida à base militante da esquerda com uma firmeza de princípios e flexibilidade tárica. agitando uma bandeira imaculada erguida sobre uma compreensão política clara do programa e das ideias do marxismo, bem como das tradições da luta internacionalista da nossa classe.
Saibamos derrubar o Capitalismo e cumprir Abril!
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