Para além do pacifismo: Socialismo ou barbárie

Introdução

Uma realidade a que já nos acostumámos é a de haver constantemente guerras. Diariamente recebemos resumos da ofensiva da guerra na Ucrânia e da possibilidade de se prolongar até 2025 ou 2026; sabemos que frequentemente a Palestina é alvo de bombardeios “seletivos” ou dos sucessivos golpes de Estado em países africanos.

Os comentadores, aparentemente muito versados na arte da guerra, analisam exaustivamente todos os movimentos, ilustrando com mapas e imagens dos conflitos. Uma conclusão se afigura: a guerra é parte do nosso quotidiano e não há como evitar, porque foram os outros que a começaram.

Há, contudo, algumas vozes dissonantes neste coro bélico, que preconiza a prioridade da paz. Ou seja, algumas posições assumem, e bem, que a guerra é um flagelo à humanidade e que é preciso cessá-la. Os meios para o fazer é que nos apresentam algumas dúvidas sobre a sua eficácia, nomeadamente, pela crença de que apoiando outras potências capitalistas seja possível atingir este estágio de paz, aproximando-se muito do que é preconizado pelo pacifismo.

Pacifismo

O pacifismo, uma das teorias explicativas das relações internacionais, apresenta-se em diversas fases com objetivos diferentes. Assim, numa primeira fase o principal objetivo a alcançar é a vontade de evitar o conflito armado, recorrendo a negociações que procurem um equilíbrio. Ou seja, a guerra é a última opção possível e pensável em caso de legítima defesa e nega a máxima de Clausewitz de que a guerra é a continuação da política por outros meios. Numa segunda fase, o que se pretende é atingir a paz mais douradora possível, tendo como elemento orientador as regras e leis do direito internacional. A terceira fase, assenta numa recusa categórica da participação ou suporte da guerra, independentemente das circunstâncias. No essencial não reconhece os problemas de classe, prolongando as mesmas estruturas económicas e políticas.

A via diplomática para a resolução dos conflitos, tida em alta conta pelos pacifistas, tem se demonstrado muito aquém do que se propõe atingir. A Organização das Nações Unidas, apesar de preconizar nos seus considerandos “preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra” e no primeiro ponto do art.º 1 afirmar que tem como objetivo “manter a paz e a segurança internacionais”, tem sido incapaz de resolver problemas como o apartheid israelita na Palestina ou prevenir guerras, como são exemplo o Vietname, Iraque, Líbano, Síria e tantas outras que vão manchando o capitalismo. Mais: a sua condenação da Guerra da Ucrânia ainda não conseguiu estabelecer a paz, como o não conseguiu no Iémen.

A voz da ONU, enquanto assembleia internacional, só é ouvida na medida em que canta no mesmo tom que os Estados Unidos da América. De outro modo, a suas resoluções de condenações de guerras de nada valem, como se viu com o Iraque em 2003.

Enquanto ideal o pacifismo parece atrativo, aludindo a uma comunidade de iguais que vivem em harmonia, mas nas condições materiais onde existimos não resolve o problema da guerra ou da opressão de classe.

Marxismo

Os comunistas analisam todos os fenómenos sociais pelas lentes do materialismo-histórico, o que nos permite ver o mundo como ele é realmente, sem o polimento do idealismo. O fenómeno da guerra deve, assim, ser entendido e analisado à luz deste método se queremos realmente chegar ao âmago do problema e apresentar uma solução, sob pena de cairmos em armadilhas desnecessárias.

Na elite dirigente comunista existe alguma confusão sobre a questão da paz, como se verifica pelas posições que o PCP, repetidas pela JCP, têm revelado. Manifestações pela paz e a ênfase pela promoção da paz têm sido o mote orientador do discurso do PCP e que dispensa apresentações de tão conhecidas. Aliás, num dos debates do Avante! (2023), fora destacado que a “prioridade é a paz”.

Concordamos com o PCP, no entanto, quando defende que “a guerra não serve os povos, não serve os trabalhadores”. Porém, é necessário ter em conta que a luta revolucionária também se dá no plano ideológico e, sem o devido conhecimento da teoria marxista, é possível cair no engano já preparado pela propaganda burguesa. Lenine já nos tinha advertido para este perigo quando escreveu: “Um fim às guerras, a paz entre as nações, o cessar da pilhagem e da violência – tal é o nosso ideal, mas apenas sofistas burgueses podem seduzir as massas com este ideal, se este estiver divorciado de um apelo direto e imediato à ação revolucionária”. A paz pela paz, não serve os interesses do povo, pois perpetua as condições de poder já existentes, onde a classe trabalhadora continua na mesma situação em que já estava, ou pior. Por isso, o caminho para a verdadeira paz é feito através da revolução.

Como comunistas estamos frontalmente contra os conflitos criados por quem está numa confortável sala, enquanto é a classe trabalhadora quem suporta os horrores da guerra; somos contra a opressão de um povo por outro, da mesma forma que nos opomos à opressão de classe na mesma sociedade.

O nosso olhar, porém, vai além do horizonte da paz burguesa quando procuramos criar condições para criar uma sociedade socialista. Vejamos, ainda, o que é, em essência, a paz no capitalismo: Lenine nos recorda que a “guerra é a continuação, por meios coercivos, da política seguida pelas classes dominantes das Potências (…). A paz é a continuação exata dessa mesma política, com o registo das alterações ocorridas na relação de forças dos antagonistas como resultado das operações militares”. A paz no capitalismo não é uma rutura com a política que conduziu à guerra, mas uma fase onde os poderes se realinham e procuram formas de alterar a hierarquia de poderes estabelecida, condicionada aos resultados dos conflitos armados. Por isso a prioridade nunca pode ser a paz nos moldes da burguesa e o nosso apoio nunca pode ser para uma potência imperialista emergente que desafia o status quo da potência dominante.

Sabemos que o motor da História é a luta de classes e que em cada modo de produção existente sempre tivemos uma classe dominante e uma classe dominada; sabemos que a burguesia conseguiu criar um sistema capitalista, assente na apropriação da mais-valia produzida pelos proletários e sabemos, também, que a única forma de o capitalismo conseguir sobreviver às crises é criar e entrar em mercados cada vez maiores à custa da contínua opressão. Este desenvolvimento conduziu-nos à fase mais desenvolvida do capitalismo: o imperialismo. No imperialismo a constante rivalidade entre potências capitalistas tem criado guerras diretas ou por procuração, porque uma das suas facetas é a divisão do mundo entre potências, que vai acirrando a rivalidade entre elas.

O antagonismo de classe também é transposto para o plano das relações internacionais, com as potências imperialistas e as colónias, ou usando o vernáculo burguês, esferas de influência. Vemos isso quando os recursos naturais do Congo são “exportados” com base na exploração da população local e uso de mão de obra infantil que tem servido para alimentar o capitalismo “verde” de que tanto se orgulham os líderes políticos; conseguimos ver como países ainda precisam da sua antiga metrópole para cunhagem de moeda (que ainda respeita a mesma designação de franco) e de como a França ameaça invadir uma antiga colónia quando o seu lacaio é deposto.

A essência do capitalismo conduz inevitavelmente à guerra. Num plano interno pela luta de classes e no plano externo pela manutenção das estruturas de poder que submetem à servidão países para benefícios de uns poucos. Há que ir além das promessas idílicas do pacifismo e, munidos da teoria revolucionária, criar as condições para o movimento revolucionário.

Conclusão

Não há paz possível no capitalismo! A guerra é intrínseca ao sistema capitalista, sendo uma manifestação das contradições que surgem das relações de classe. O pacifismo, embora desejável em teoria, tem se mostrado insuficiente para alcançar uma paz duradoura dentro das estruturas do capitalismo.

A solução para o problema da guerra não é o pacifismo, mas a revolução! O objetivo de qualquer comunista é criar as condições necessárias para que esta revolução, onde o povo assuma o poder, orientado pela vanguarda da classe trabalhadora, elimine os vestígios do parasitismo capitalista. Só com a revolução, podemos aspirar à verdadeira igualdade, democracia e desenvolvimento sem que a opressão seja uma realidade.

A resposta não está na coexistência pacífica entre potências capitalistas, ou apoiar a próxima potência capitalista rival, mas orientar as nossas ações para estabelecer o comunismo. A História mostra-nos que o pacifismo ou qualquer outro “ismo” que não seja o comunismo, não oferecem soluções para as contradições do capitalismo. A revolução é a chave e é hora de trabalharmos incansavelmente para alcançá-la, para finalmente superar a sombra da guerra e da exploração capitalista.

Davide Morais Pires

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