Eleições na Nigéria Imagem: Samuel Alabi / AFP

Nigéria: Eleições Gerais de 2023

1.a Parte, escrita em vésperas das eleições – uma Declaração dos marxistas nigerianos

Nota: Bola Tinubu candidato do APC foi, entretanto, declarado vencedor das eleições com 8, 794 milhões de votos. Atiku Abubakar do PDP teve 6,984 milhões de votos e Peter Obi do Partido Trabalhista teve 6,101 milhões de votos.

As eleições gerais de 2023, que começam no sábado [25 de fevereiro], devem ser vistas no contexto do magnífico movimento da juventude em 2020, conhecido como “EndSARS” (referência ao infame Esquadrão Especial Anti-Roubo, ou unidade SARS da polícia nigeriana). Este foi um desenvolvimento altamente significativo na política nigeriana, que aterrorizou a elite governante e até hoje continua a assombrá-los. Foi incomparável na história recente, não apenas em sua escala, mas também na ferocidade da luta.

Assim, a classe dominante espera usar estas eleições como um meio de desviar a raiva da juventude para canais seguros; como foi feito em 2015, quando o Congresso de Todos os Progressistas (APC) liderado por Muhammadu Buhari foi eleito com uma mensagem de esperança e de mudança real. Esta eleição foi a resposta da classe dominante ao movimento de massas que eclodiu em 2012 contra o governo PDP de Goodluck Jonathan. Seu objetivo foi então alcançado: o movimento de massas passou por quase três anos de inatividade antes de começar a crescer novamente.

Ao contrário de 2015, a situação hoje caminha exatamente na direção oposta ao que a classe dominante desejava e planeava. A seção mais perspicaz adoraria ter um candidato presidencial “mais jovem”, que pudesse enganar a juventude fingindo articular suas queixas, especialmente a camada de classe média. Em vez disso, tudo o que eles têm a oferecer são velhos políticos de carreira (ambos com mais de 70 anos de idade) que são vistos com razão como parte integrante do odiado establishment.

O APC e o Partido Democrático do Povo (PDP) representam os dois pilares do establishment nigeriano. Ambos foram testados no governo e ambos atacaram as massas com políticas reacionárias. E nenhum deles poderia produzir um candidato que, mesmo superficialmente, fosse jovem, dinâmico ou atraente.

Em vez disso, o APC está defendendo Bola Tinubu, um multimilionário que foi governador do estado de Lagos por mais de uma década e enfrentou repetidas acusações de corrupção. Tendo influenciado, nos bastidores, vários governos anteriores, seu discurso presidencial não é mais inspirador do que a simples afirmação: “é a minha vez”.

Já o PDP está apoiando Atiku Abubakar, outro multimilionário com várias acusações de corrupção contra ele, que já concorreu à presidência cinco vezes sem sucesso e atuou como vice-presidente sob Olusegun Obasanjo. A sua campanha promete intensificar as próprias políticas de liberalização econômica que motivaram os movimentos de protesto de massas no passado.

Evidentemente, nenhum desses canalhas burgueses vai despertar muito entusiasmo. Infelizmente, para a classe dominante, os interesses das fações superaram seus interesses gerais de classe, como às vezes acontece, especialmente em países capitalistas atrasados ​​como a Nigéria, com sua burguesia especuladora.

Como resultado, em vez das próximas eleições gerais arrefecerem o movimento de massas, elas estão a lançar gasolina num incêndio já violento. Não apenas está a agudizar as divisões entre a classe dominante, mas também está a estimular as massas nas ruas, enquanto a intensa crise econômica da Nigéria continua a tornar a vida insuportável para as pessoas comuns. Poucos dias antes da eleição, tumultos eclodiram contra uma escassez crônica de dinheiro. Antes disso, houve protestos em Lagos contra apagões e altas contas de energia.

O Movimento entra no plano político: as massas constroem uma terceira força

A incapacidade da classe dominante governar como antigamente e a relutância das massas em tolerar o fardo insuportável colocado sobre seus ombros, finalmente produziram um resultado na frente política. O desacreditado establishment e os seus dois partidos estão sendo abandonados. Observámos que um slogan popular durante o protesto EndSARS foi “nem PDP, nem APC”. Agora estamos vendo uma alternativa política a desenvolver-se: uma terceira força política. O Partido Trabalhista acabou sendo o veículo através do qual esse processo se está expressando. Ao contrário do APC e do PDP, o Partido Trabalhista conquistou o apoio de uma camada significativa da juventude, particularmente elementos urbanos do Sul, que se autodenominam “Obi-dientes” (em homenagem ao líder do partido, Peter Obi).

Por essas razões, apesar das peculiaridades da situação, os marxistas orientaram-se claramente para essa terceira força. No entanto, não abandonamos por um momento as nossas críticas à liderança do partido, que está podre até o âmago.

Como já escrevemos em várias ocasiões no passado, o Partido Trabalhista foi registado e financiado por sindicatos nigerianos, mas depois abandonou completamente a classe trabalhadora e se tornou num lar de charlatães e todas as variantes de políticos burgueses renegados. Não fosse pela falta de apoio da direção dos sindicatos a este potencial partido de massas dos trabalhadores e pela atitude sectária da fraca esquerda nigeriana, esse processo teria prosseguido por um caminho muito mais saudável do que aquele que estamos enfrentando. Isso daria início, pela primeira vez, à tarefa de construir um verdadeiro partido nigeriano de massas da classe trabalhadora.

Mas, infelizmente, o homem que acidentalmente se encontrou à frente desse movimento político não tem nada em comum com as genuínas aspirações da classe trabalhadora. Como comentamos antes, Obi é um burguês fantoche, ex-banqueiro e governador do estado de Anambra, que apoiou privatizações e ataques aos trabalhadores.

O papel principal do Obi nestes eventos históricos é atuar como um freio ao movimento. A sua tarefa é moderar a raiva da juventude e das massas em geral e desviar essa raiva para canais mais seguros e complacentes. Isso explica por que uma seção minoritária da classe dominante o apoia totalmente. Se ele tem autoridade suficiente para atingir esse objetivo ou não, veremos num futuro próximo. Mas, no entanto, existe agora a perspetiva de se desenvolver uma luta para conquistar os trabalhadores e jovens que estão olhando para o Partido Trabalhista, afastando-os da influência dos gângsteres burgueses que o dirigem hoje, e transformando essas forças num verdadeiro veículo de massas da classe trabalhadora.

Quem ganhará e o que esperar?

A classe dominante nigeriana foi completamente exposta perante as massas por aquilo que são. A experiência de 24 anos de “democracia” burguesa provou ser suficiente para as massas perscrutarem através das mentiras e manipulações das elites. Portanto, à classe dominante restou a tática de colocar as divisões étnicas e religiosas em primeiro plano nestas eleições. Por exemplo, enquanto Tinubu e Abubakar são muçulmanos (das etnias iorubá e fulani, respetivamente), o primeiro escolheu outro muçulmano como candidato a vice-presidente, o que é visto como uma provocação aos cristãos, porque rompe com a tradição do “bilhete eleitoral” contemplando as duas religiões predominantes no país.

No entanto, esta eleição não é como as que ocorreram no passado, onde sempre houve uma disputa clara entre dois partidos (ambos representando interesses burgueses) e a escolha poderia mais facilmente recair no sectarismo em torno da etnia e da religião. Agora temos um terceiro partido político, representando um sério desafio ao monopólio anterior dos dois principais partidos.

Ainda é provável que um dos principais partidos (APC ou PDP) acabe por sair por cima nestas eleições. No entanto, passados ​​24 anos desta República, temos finalmente um terceiro partido que vai dividir significativamente o voto das bases tradicionais da APC e do PDP. Não é impossível que nenhum dos partidos consiga votos suficientes para ser declarado vencedor. Um candidato presidencial deve obter pelo menos um terço dos votos em dois terços dos estados da federação para vencer, o que pode ser muito difícil de conseguir nesta eleição. Em parte, devido ao uso extremo de fatores étnicos e religiosos, e também em parte devido ao surgimento do desafio representado pela Terceira Força.

Malgrado o resultado que a eleição eventualmente produza, o que está muito claro é que o regime sairá extremamente enfraquecido e assolado por tumultos. Podemos ver isso claramente na atual crise de escassez de dinheiro e nas terríveis dificuldades que está provocando.

A profundidade da crise do capitalismo nigeriano significa que o país não pode evitar a recessão no período imediato. Apesar da luta destrutiva de setores da classe dominante e das lágrimas de crocodilo que eles derramaram pelo sofrimento das massas, ambos os principais partidos supervisionaram este desastre.

O PDP chegou ao poder em 1999, quando o preço internacional do petróleo estava um pouco acima de US$ 17 o barril, mas subiu para mais de US$ 100 durante seu governo. Isso resultou numa receita significativa, por meio da qual o PDP, em seus primeiros dias, conseguiu uma certa estabilização dando migalhas às massas. Até pagou as chamadas dívidas do país com o FMI. Quando o preço do petróleo caiu, as migalhas desapareceram e cortes e austeridade estiveram na ordem do dia.

A APC ascendeu ao poder em 2015 e serviu-se de empréstimos para temporariamente sair da recessão: resolvendo assim um problema apenas para mergulhar num outro: o aumento maciço do endividamento da Nigéria.

O próximo regime governará um povo fortemente dividido e extremamente zangado. Ele supervisionará uma economia altamente endividada que usa mais de 80% da sua receita apenas para pagar o serviço da dívida. Em janeiro de 2023, a taxa de inflação nominal subiu para 21,82%. O Nigerian Economic Summit Group (NESG) projetou que a taxa de desemprego do país atingirá 37 por cento em 2023. O seu relatório Macroeconomic Outlook 2023 disse que o índice de pobreza do país também aumentará para 45 por cento.

Portanto, não importa quem saia vitorioso no sábado, a classe dominante e os seus representantes políticos terão uma margem de manobra limitada. A raiva crescente não será facilmente aplacada e haverá luta de classes prolongada.

Que fazer?

O Congresso Trabalhista da Nigéria (NLC) – a maior Confederação Sindical do país, acaba de eleger uma nova liderança, que reivindicou publicamente a propriedade do Partido Trabalhista da Nigéria. Nós concordamos completamente com esta posição. Mas não basta possuir algo, é importante também ter um controle firme.

A tarefa de recuperar o partido dos carreiristas e políticos burgueses, que atualmente o dominam, é uma luta importante que deve ser travada. A classe trabalhadora tem a capacidade de construir este partido como uma ferramenta de luta para arrancar o poder da classe dominante ladra e inepta.

O próximo período testemunhará confrontos prolongados entre a classe dominante e as massas, e a liderança deve ser fornecida pela classe trabalhadora. Para fornecer efetivamente essa liderança, um partido de massas da classe trabalhadora é uma necessidade.

Para transformar este partido numa organização de luta com sucesso, precisamos reconquistar nossos sindicatos dos carreiristas de direita que neles encontraram um lar neles. Os eventos não seguirão em linha reta, e haverá uma série de derrotas, mas estas virão lado a lado com as vitórias. Estamos confiantes que, no final, a classe trabalhadora e os marxistas triunfarão porque não representamos o passado imundo, mas um futuro decente e justo.

2.a Parte, escrita no imediato pós-eleitoral – Eleições nigerianas: o panorama mudou

Alternativa Marxista – Nigéria

3 de Março

Com 8.794.726 votos, representando 36,61 por cento do total de votos expressos; Bola Hammed Tinubu, candidato do governante APC, venceu uma eleição geral altamente contestada e contenciosa. O ex-vice-presidente Atiku Abubakar, candidato do PDP, ficou em segundo lugar com um total de 6.984.520 votos, representando 29,07 por cento do total. Mas, a maior surpresa nesta eleição em particular, foi o desempenho do candidato do Partido Trabalhista, Peter Obi, que obteve um total de votos de 6.101.533 (25,40 por cento), ficando em terceiro, mas com uma estrutura partidária quase inexistente. Esta é uma indicação clara de que as massas nigerianas estão procurando uma alternativa na frente política.

Obi venceu o Bola Tinubu no estado de Lagos, estado que seria a tradicional base do Tinubu, do qual foi governador por oito anos, e onde continua sendo um “velho estadista”, um político, com muito reconhecimento público. Ninguém nos últimos 24 anos desta república venceu o Tinubu em Lagos. Acreditava-se geralmente, antes do último sábado, que seria necessária uma guerra civil ou uma revolução para derrubar o APC de Tinubu e sua máquina política em Lagos. Mas, em vez disso, uma “revolução política” relativamente pacífica desafiou com sucesso seu domínio. Como podemos explicar este terremoto?

O que está realmente acontecendo?

Tendo desperdiçado o seu “estado de graça” alicerçado numa “boa vontade” manipuladora e enganosa (com a qual chegou ao poder em 2015), por meio da aplicação de políticas capitalistas privatizadoras de tudo o que “mexesse”, o APC perdeu completamente sua base social, assim como o PDP antes dele. As suas promessas não são mais confiáveis ​​para as massas, porque todas as suas promessas de mudança foram expostas como uma mudança de mal para pior.

Portanto, o APC tinha muito pouco em termos de programa para fazer campanha nesta eleição. Eventualmente, isso redundou em demagogia étnica e religiosa. Ao apresentar uma chapa muçulmana incomum (com o presidente e o vice-presidente sendo muçulmanos, numa sociedade quase igualmente dividida em muçulmanos/cristãos), o APC de Tinubu colocou a questão “À queima-roupa” para os eleitores muçulmanos do norte: “ O seu irmão étnico [Atiku do PDP] ou o profeta Maomé?

Tinubu foi depois para o sudoeste dominado pelos iorubás, de onde ele próprio vem, e introduziu políticas étnicas especialmente tóxicas para consolidar seu domínio sobre a região. De seu slogan pouco inspirador “Emi lokan (‘é a minha vez’)” para “Olule” (‘ele caiu’, referindo-se ao regime anterior do PDP), ele mudou para “A ma dibo, a ma wole” (‘ Votaremos e venceremos’), levantando deliberadamente slogans na língua iorubá para manter sua base étnica na disputa, enquanto mantinha o seu foco no Norte dominado pelos muçulmanos.

Suas táticas foram suficientes para conquistar a presidência, mas ele também deve estar ciente de que se prepara para governar um país fortemente dividido em linhas étnicas e religiosas. O APC de Tinubu conseguiu “safar-se” principalmente com essas táticas, porque os seus supostos oponentes também careciam de qualquer programa.

Obi, o candidato do Partido Trabalhista, foi um ex-governador do estado de Anambra e um obediente servidor dos interesses capitalistas. A sua campanha não foi claramente diferenciada das demais, apesar de se situar na plataforma do Trabalhismo, com a sua filiação às grandes Centrais Sindicais.

Também na mesma linha, Atiku era o presidente do Comitê de Privatização e Comercialização (sim, esse era o nome real!) quando era vice-presidente. Dezasseis anos de sofrimento sob o governo do PDP já haviam causado danos irreparáveis ​​à imagem do partido. O partido estava terrivelmente dividido, quase ao meio, Norte e Sul, e a única coisa que o salvou da humilhação total foi que ele veio do Norte, e um número considerável de eleitorado do Norte votou pela etnia e não pela religião. Ele ficou em segundo lugar às custas de finalmente reduzir o PDP a um partido regional, tendo vencido um total de nove estados no Norte (por uma estreita margem) e três estados no Sul. Um antigo partido nacional parece ter sido finalmente relegado ao estatuto dum partido do Norte.

Como já observado, a maior surpresa nesta eleição foi o bom desempenho de Obi e do Partido Trabalhista. Um partido quase inexistente há alguns meses quase ultrapassou o PDP, e venceu na capital comercial e industrial do país. O partido também conquistou seis cadeiras no Senado ao derrotar três governadores em exercício e muitas cadeiras na Câmara dos Deputados, principalmente no Sudeste e Lagos.

O estado de Lagos foi o epicentro desse magnífico movimento EndSARS de 2020, e a juventude nigeriana foi muito clara em sua posição política durante esse movimento: “Nem APC, nem PDP!” O brutal ataque do estado a este movimento e a cumplicidade de Tinubu, nunca foi esquecido pela juventude, que garantiu uma derrota (relativamente pacífica) a Tinubu. Apesar da intimidação, violência e do mais alto nível de banditismo exibido pelos capangas da APC durante a eleição, a juventude de Lagos e as massas pobres conseguiram humilhar Tinubu em Lagos.

A liderança recém-empossada do Congresso Trabalhista da Nigéria (central sindical) saiu no último minuto com uma declaração à imprensa pedindo apoio ao Partido Trabalhista nesta eleição. No entanto, esse apelo da liderança do NLC não conseguiu explorar todo o potencial que havia. Isso porque Obi, embora tenha sido candidato ao Partido Trabalhista, nada tem em comum com os desejos e aspirações da classe trabalhadora. Não basta ser dono do partido, o NLC também precisa controlá-lo e garantir que seja realmente um partido que defenda os reais interesses dos trabalhadores da Nigéria.

Que fazer?

Agora Tinubu foi declarado vencedor, mas ele terá que governar um país terrivelmente dividido e que passa por uma crise histórica, enquanto os trabalhadores e os jovens estão em marcha. O regime de Tinubu não terá período de lua-de-mel, enquanto todas as tentativas que fizer para estabilizar a economia acabarão consistentemente por desestabilizar a situação política.

O Partido Trabalhista, apesar de todas as suas deficiências flagrantes, no entanto, foi usado pelas massas como um veículo para desafiar a hegemonia da elite dirigente em crise que domina o país. As principais Centrais Sindicais, o NLC e o TUC, já não podem mais fingir que este partido não foi fundado por eles, com os recursos dos seus militantes da classe trabalhadora.

Não é suficiente apenas de vez em quando anunciar a propriedade do partido: ele precisa ser conscientemente assumido e colocado sob o controle firme da classe trabalhadora. É somente nesta base que um verdadeiro partido de oposição, um partido nacional dos trabalhadores, pode ser construído. Este será o melhor instrumento para enfrentar a série de ataques que estão sendo planejados contra a classe trabalhadora no próximo período.

A hora de reivindicar o Partido Trabalhista como uma arma genuína do e para o trabalho é agora!

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