O Revolution Festival é um evento de formação de marxistas revolucionários. O festival é organizado pelo partido RCP, que é o “Partido Comunista Revolucionário”, a secção britânica da ICR (Internacional Communista Revolucionária) Neste festival tive a oportunidade de assistir a várias formações, discussões políticas, tal como tive a oportunidade de discutir diretamente com vários camaradas de secções pelo mundo, tais como Itália, Dinamarca, França, Canadá, Suécia, Iugoslávia, e claro, do Reino Unido
Neste festival tive a oportunidade de assistir a várias formações, discussões políticas, tal como tive a oportunidade de discutir diretamente com vários camaradas de secções pelo mundo, tais como Itália, Dinamarca, França, Canadá, Suécia, Iugoslávia, e claro, do Reino Unido.
Como fui parar ao festival?
Sendo um membro novo do Coletivo Comunista Revolucionário em Lisboa, só tendo me juntado em setembro, não pensei que iria ter a oportunidade de participar no festival (especialmente por razões monetárias). Mas o coletivo cobriu parte dos custos da viagem. Ao que entendo isto é uma prática usual em partidos internacionais revolucionários, onde os militantes pagam uma quota para garantir a independência econômica da organização e para garantir que todos os camaradas possam formar-se como comunistas revolucionários indo, por exemplo, a eventos internacionais. Quando dei por mim estava com a mochila às costas no aeroporto à espera de embarcar no avião a caminho de Londres para ir ao festival.
Formações e discussões
O festival abriu na sexta feira dia 15 de novembro às 18:30 com a sessão sobre o Imperialismo com o título “Horror without end: Imperialism & world relations today”. Esta sessão foi introduzida por Ben Gliniecki, que é o secretário geral do RCP, e que teve muito a dizer sobre a importância e a escala das atividades do partido. Esta apresentação foi seguida por Alan Woods que é um escritor que tem os seus 80 anos e passou a grande maioria da sua vida a trabalhar no movimento comunista britânico e internacional ao lado do Ted Grant. Ele falou sobre a crise capitalista e a fricções entre os imperialistas dos diferentes países, que lutam pelo domínio do mercado mundial. A sua palestra foi seguida por camaradas de várias secções internacionais a apresentarem as suas organizações e a fazerem na maioria dos casos uma espécie de resumo da situação no seu país. O camarada irlandês na minha opinião teve uma contribuição fortíssima que levantou fogo dentro de todos os camaradas presentes.
No sábado dia 16 tive a oportunidade de assistir a quatro palestras nomeadamente: “How to smash the state: Lenin’s State and Revolution”, “Why is there a genocide in Gaza?”, “Communism and the fight for women’s emancipation” e por fim “Books Not Bombs: Rally & Collection”. Neles todos houve opiniões que achei importantes refletir sobre e dados muito bons de se saber.
No “How to smash the state: Lenin’s State and Revolution” foi referido por Grace Dowswell algo que viria a ser mencionado várias vezes durante o festival que foi a revolução anarquista de Espanha onde os anarquistas conseguiram resistir ao golpe de Estado fascista de Franco, iniciando-se assim um extraordinário processo revolucionário onde os trabalhadores se armaram e ocuparam as fábricas e os latifúndios. A velha república burguesa ficou por um fio, entre o martelo da revolução proletária e a bigorna da contra revolução fascista. Tendo toda a iniciativa nas mãos das suas milícias, porém, os dirigentes anarquistas devolveram o poder à velha república burguesa, que se reorganizou e acabou por esmagar o processo revolucionário, abrindo desse jeito o caminho para a vitória de Franco. Pessoalmente achei isto interessante pois tenho um gosto pela filosofia anarquista, e foi interessante aprender sobre as falhas para poder analisar com a dialética marxista científica. Recomendo ler “Estado e a revolução” de Lênin para saber mais sobre a teoria marxista do Estado.
https://marxist.com/lenin-in-a-year-state-and-revolution.htm
Depois tive a hipótese de participar na palestra com o título “communism and the fight for women’s emancipation” foi talvez a minha preferida de todas as que assisti. O camarada Fred Weston fez uma intervenção que me marcou profundamente, onde falou sobre a história do patriarcado e como ele veio a aparecer com a propriedade privada. Ele explicou que antes da propriedade privada o ser humano vivia em sociedades que praticavam o comunismo primitivo, que, embora diferente do comunismo moderno, se baseava numa igualdade elementar.
Nesta intervenção ele falou sobre como nessa etapa de desenvolvimento havia uma divisão de trabalho entre homens e mulheres, mas era muito elementar. Fred depois explicou como o ser humano há aproximadamente 12 mil anos passou de viver em sociedade de caçador-coletor para viver em sociedade agrícola onde aumenta consideravelmente a produtividade do trabalho. Com isto veio a criação da propriedade privada, pois agora os agricultores eram donos de terra onde era produzida a comida e havia um estímulo para a acumular. Desse jeito, a importância da família como unidade econômica também aumentou. Com isto veio a necessidade de passar em lineagem os bens materiais, e por isso começou a desenvolver-se o patriarcado e o domínio masculino sobre a sexualidade da mulher que continua até hoje. As sociedades comunistas primitivas eram geralmente matrilineares, mas agora isso mudou, pois os homens queriam saber quem eram os seus descendentes para legar a sua propriedade. Para saber mais sobre o tópico recomendo ler o livro “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” de Friedrich Engels e o livro “Women family and the russian revolution” de Fred Weston.
https://communist.red/women-family-and-the-russian-revolution
No dia 17 houve duas palestras que gostei. A discussão “Fascism: What it is and how to fight it” contou com a introdução de Joe Russell, na qual se deu o contexto histórico relativo ao ascenso do fascismo nos anos 1920 e 1930. Joe falou depois de como o fascismo aparece quando a classe operária tenta tomar repetidamente mas fracassa, como aconteceu na Itália em 1918-1922 ou na Alemanha em 1918-1932. O fascismo então mobiliza a pequena burguesia desesperada pela crise do capitalismo para esmagar fisicamente a esquerda e o movimento operário através da violência e da repressão brutal. Mas após a consolidação da ditadura fascista a pequena burguesia é depois traída, desmoralizada e reprimida pelo próprio fascismo que ela apoiou. São referidos três erros quando se luta contra o fascismo
- A aposta reformista pela democracia burguesa
- Categorização errada do fascismo
- Colaboração de classes
Existem várias formas de ver o reformismo como um erro, mas a mais perigosa é quando os partidos de esquerda vão virando para a direita e acabam a lutar por concessões mínimas para os trabalhadores no quadro do sistema em vez de se focarem na luta contra o capitalismo. Isto por norma vem com os privilégios de estar no parlamento e a corrupção destes partidos pelo Estado burguês, mas também com a falta de confiança dos reformistas na classe trabalhadora e no programa revolucionário. A minha análise acaba por ser que faz sentido haver partidos de esquerda reformistas no contexto em que estamos inseridos mas acaba também por ter um efeito negativo pois não só dá um falso nome ao marxismo e comunismo genuíno como Fred Weston lhe chama, mas também pode ser visto como algo que atrasa todo o processo revolucionário, dando pequenos confortos em vez de uma verdadeira vitória com a direção de uma luta a um paraíso. De facto, o problema com os reformistas e o seu método de melhorias graduais através da ação parlamentar é que não conquista reformas, enquanto os métodos combativos de organização por baixo e de luta de massas são a melhor forma de obter concessões da burguesia.
Categorizar de forma errada algo que não é fascismo como fascismo pode ser bastante perigoso, mais especificamente porque não se usa o mesmo método de combate para um ou para outro. Muitos camaradas e pessoas de esquerda usam a palavra “facho” para descrever partidos Liberais conservadores como o PSD em Portugal, mas isto não é correto. Apesar de o PSD neste caso também ter elementos reacionários, não é fascista. E é errado chamá-lo de tal. Um partido fascista faz coisas como ilegalizar sindicatos, partidos de oposição e encher as prisões de todos os que não são a favor do governo fascista. No caso portugues temos um partido que quer rebaixar as pessoas marginalizadas, racializadas para na teoria deles elevar o capitalista também como privatizar o máximo possível do funcionamento público do governo.
Um partido frequentemente chamado de fascista em Portugal é o Chega, mas o Chega ainda não é um partido fascista embora haja algumas indicações que o possa vir a ser. A verdade é que ainda não tentou organizar a pequena burguesia em moldes paramilitares para esmagar o movimento operário e acabar com a democracia burguesa em prol dum estado ditatorial. Chamar um partido como este fascista acaba por ser uma forma de descredibilizar o movimento e alimentar a retórica de que os partidos liberais são quem para o fascismo que por si tem efeitos perigosos para o movimento comunista revolucionário.
Colaboração de classe é quando a classe trabalhadora se junta a ala “democrática” da classe dominante, normalmente com o intuito de desmantelar o fascismo, mas isto não funciona. Por um lado, obriga a classe trabalhadora a abandonar as suas reivindicações no nome da “unidade antifascista”, desmoralizando-a. Por outro lado, a burguesia “liberal” sempre olhará para o movimento operário como uma ameaça maior do que o fascismo, traindo-o nos momentos críticos.
https://communist.red/communist-tactics-in-the-struggle-against-fascism-and-racism
A camarada Lorena teve isto a dizer sobre a sua experiência:
No domingo, tive a oportunidade de ir à sessão “Fires, Floods and Finance: how capitalism is killing the planet”, apresentada pela camarada Sarah Vedrovich. Ela falou sobre como estamos vivenciando um período desesperador de catástrofes ambientais e eventos climáticos extremos, e enquanto a burguesia tenta jogar as verdadeiras causas para debaixo do tapete, está mais que provado que isso é uma consequência direta do sistema de produção e exploração capitalista. Enquanto comunistas, nosso interesse é construir uma sociedade em que todas as pessoas possam ter uma vida digna e conviver em harmonia com a natureza, e isso envolve transformações radicais nas nossas relações socioeconômicas e ambientais. E não se pode esperar que o sistema que causou e que continua lucrando com a crise climática vá resolvê-la. O capitalismo verde é uma farsa, e propostas como mercado de compensação de carbono apenas beneficiam a classe dominante sem efeito significativo algum para o planeta. A única solução possível para mitigar e tentar reverter o colapso climático é uma revolução comunista.
Os camaradas Internacionais
Conhecer os camaradas internacionais foi uma experiência que me encheu muito de fogo e esperança para a nossa luta. Foi quase um sentimento utópico aperceber-me que todos os que me rodeavam no festival eram pessoas que geralmente pensavam como eu e que tinham objetivos parecidos aos meus. Reencontrei-me com dois camaradas os quais tinha conhecido em Lisboa quando eles tinham visitado, o camarada Parson e o camarada Callum, foi excelente revê-los e tive pena de não ter mais tempo para estar com eles. Isto foi algo que vinha a notar com quase todos os camaradas com os quais tive oportunidade de falar, havia sempre uma vontade de falar e discutir mas com o horário apertado e pouco tempo entre palestras tornava-se difícil manter as conversas.
Houve alguns camaradas que adorei conhecer e espero que os continue a conhecer para o resto da vida. Em ordem de quem conheci primeiro o camarada do núcleo de South East London Sean H. que nos fez de guia no passeio de Marx, o camarada mostrou-nos onde Marx haveria ter vivido nos seus últimos 30 anos de vida. Depois tive a oportunidade de conversar sobre vários tópicos com o camarada, desde música à forma de organizar o crescimento de uma secção. Depois conheci o camarada romano chamado Leonardo da secção de Trieste, que achei uma pessoa impecável e tive muitas conversas interessantes sobre o estado dos nossos países entre outras coisas. Conheci vários camaradas suecos e dinamarqueses com os quais falei sobre Portugal e eles me contaram como a “utopia” social-democrata dos países nórdicos realmente não existe. Conheci ainda nesse mesmo primeiro contacto o camarada Jean-Luc da célula do norte de Paris. Nos dias seguintes tive muitas pequenas conversas com outros camaradas mas gostei especialmente de conhecer os camaradas portugueses Rui e Miguel e a camarada inglesa Rima; todos fazem parte da secção londrina. Tive a hipótese de ter muitas conversas com eles sobre a realidade de viver em Londres e perceber como é estar numa organização daquela escala, para poder também perceber como é que será a nossa no futuro. Fiquei ainda impressionado com a idade dos camaradas, pelos dados que obtive rondam a volta dos 20 e poucos em média.
A escala do Revolution Festival
Quanto a escala do festival eu tinha ouvido falar ainda em Lisboa de terem vendido 750 ingressos que para um festival que se baseia a volta da formação de comunistas não me pareceu um número elevado nem baixo relativo ao tamanho do RCP e a localização em que o festival se iria passar, sendo que Londres acaba por limitar de alguma forma a possibilidade de tamanho por ter custos superiores a outras cidades. Mas no final a participação foi de um milhar de camaradas. Achei muito importante o foco dado aos camaradas internacionais e às trocas entre camaradas de diferentes países Gostaria de conhecer mais camaradas mas também gostaria de poder ter muito mais tempo para conversar com as pessoas, pois achei que foi igualmente útil para o meu crescimento conversar com camaradas. Pelo que ouvi de experiências de outros camaradas as conferências mundiais ainda são maiores e preocupa-me a parte de logística depois de ter visto a dificuldade de equilibrar tudo neste festival.
Conclusão
Quero voltar para o ano, ir ao próximo… O QUE VIER PRIMEIRO!
Adorei a experiência foi muito motivadora para ajudar a crescer os comunistas revolucionários em Portugal. O festival respondeu a muitas das minhas perguntas. Recomendo a quem não sabe bem o que é o comunismo tanto como recomendo àqueles camaradas que tiverem a hipótese de ir aprender mais.