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A hipocrisia imperialista e a invasão da Ucrânia

Autor: Alan Woods

E assim começou! Forças russas lançaram um ataque massivo à Ucrânia. Nas primeiras horas do dia 24, num curto discurso transmitido pela televisão, o presidente russo Vladimir Putin anunciou uma “operação militar especial” para essa mesma madrugada. Em poucos minutos após a emissão, pelas 5 da manhã (hora de Kiev), explosões foram escutadas nas principais cidades, incluindo a capital.

Nas semanas precedentes, Putin acumulou umas estimadas 190 mil tropas junto às fronteiras ucranianas, enquanto os líderes europeus viajavam entre Kiev e Moscovo, procurando uma solução diplomática. Mas ninguém mobilizaria um tão grande número de topas, tanques e armamento apenas para um diplomático chá dançante.

Na imediata confusão do início da guerra, com apenas alguns fios de informação ao nosso dispor, é impossível providenciar uma precisa avaliação da situação militar. Mas o raio do ataque russo parece ser massivo.

Citando algumas fontes:

O ministro do Interior da Ucrânia relatou que o país estava sob ataque de mísseis balísticos, com a Rússia focando-se em infraestruturas próximas de cidades como Kiev, Kharkiv, Mairupol ou Dnipro.”

“Um conselheiro especial do ministro disse que as tropas russas parecem dirigir-se para Kharkiv, a cerca de 20 quilómetros da fronteira. Habitantes de Kiev procuraram proteção em abrigos enquanto explosões eram escutadas nos arrabaldes da cidade.”

Ou “algumas das primeiras explosões após o anúncio de Putin foram sentidas junto a Kramatosk, quartel-general de operações do exército ucraniano, próximo dos territórios ocupados pelos separatistas.”

Há também relatos de desembarques anfíbios junto ao porto estratégico de Mariupol e de forças terrestres deslocando-se da Bielorrússia, Rússia e Crimeia. 

Os militares russos reclamaram não ter alvejado centros populacionais. O ministro da Defesa russo afirmou à agência estatal Ria Novosti que “Armas de alta precisão estão a inutilizar infraestruturas militares, instalações de defesa antiaérea, aeródromos militares e a aviação do exército ucraniano.”

O DISCURSO DE PUTIN

O palco para a ofensiva doi lançado na quarta-feira á noite, depois dos líderes dos dois territórios controlados pelos russos no Leste da Ucrânia terem solicitado ajuda militar para “repelir a agressão das forças armadas ucranianas, de modo a evitar vítimas civis e uma catástrofe humanitária no Donbass”.

Um exame ao discurso desta manhã (24 Fevereiro) de Putin diz-nos algumas coisas sobre os seus objetivos e intenções. Toda a guerra tem de ter uma justificação qualquer e, neste caso, Putin afirmou: “uma hostil guerra anti-russa está a ser criada nas nossas terras históricas.”

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O discurso de Putin foi realmente uma declaração de guerra, mas ele evitou cuidadosamente mencioná-la / Imagem: kremlin.ru

Esta pretensão é constantemente descartada pelo Ocidente como mera propaganda. “Como pode a pobre e pequena Ucrânia tornar-se numa ameaça à Rússia?” – suspiram! Esta é uma pergunta que é suposta responder-se a si própria: por si só a Ucrânia não representa uma grande ameaça. Mas como parte dum bloco militar imperialista liderado pelos Estados Unidos instalado na soleira da Rússia, certamente que o seria!

No centro da atual disputa, encontra-se, portanto, a futura adesão da Ucrânia à Nato. Obter garantias que tal jamais aconteceria era uma reivindicação central dos russos e que foi repetidamente recusada por Washington – uma recusa tanto ou mais absurda quanto o próprio Ocidente reconhece que a Ucrânia não dispõe dos mínimos requisitos para aderir à NATO nesta altura dos acontecimentos

Não é de todo claro se a aceitação desta exigência russa teria, por si só, evitado a invasão. Mas a sua persistente rejeição tornou-a inevitável.

O segundo requisito em qualquer guerra é o de obter o elemento de surpresa e colocar as culpas no opositor. Neste caso foi o bombardeamento do Donbass. Mas isso tem sucedido ininterruptamente durante anos. Contudo, a desculpa imediata é, de facto, de importância secundária, pois desde que a guerra se torna necessária, qualquer pretexto pode ser encontrado. E quanto ao elemento de surpresa, esse foi alcançado de modo muito eficiente com as ativas colaborações de Biden e Boris Johnson. Os dois comportaram-se como aquela criança da história infantil que  tantas vezes grita “aí vem o lobo, aí vem o lobo” que, quando o lobo finalmente aparece, ninguém acredita.

O discurso de Putin foi uma declaração de guerra, mas ele conscientemente evitou usar a expressão. Este homem, que é a coisa mais parecida que conheço duma esfinge egípcia, gosta   de manter toda a gente a tentar adivinhar-lhe as intenções.

“tomámos a decisão de conduzir uma operação militar especial” – disse, sem sequer deixar indiciar o quão “especial” essa operação seria.

E qual seria o objetivo dessa “operação militar especial”? Putin afirmou que seria a “desmilitarização e desnazificação” da Ucrânia. “Nós não pretendemos ocupar a Ucrânia – disse. Mas ao mesmo tempo tinha um aviso para as nações que pudessem estar tentadas a envolver-se:

“A quem no exterior possa considerar interferir: se o fizerem, terão de enfrentar consequências maiores do que alguma vez enfrentaram na história. Todas as decisões relevantes foram tomadas. Espero que me escutem”. Uma clara mensagem, parece-me.

PODE A UCRÂNIA RESISTIR?

A imediata reação do governo e Kiev foram palavras desafiadoras:

“Putin acabou de lançar uma invasão total da Ucrânia.” – disse ministro dos Negócios Estrangeiros ucraniano – “Pacíficas cidades ucranianas estão sob ataque. Esta é uma guerra de agressão. A Ucrânia irá defender-se e irá vencer. O mundo pode e irá travar Putin. O tempo de agir é agora.”

O Presidente Zelensky gravou em vídeo um apelo para que o povo russo o ajudasse após uma infrutífera tentativa de conferenciar com Putin, tendo questionado: “Quererão os russos uma guerra? Eu gostaria muito de responder a essa questão, mas a resposta é convosco.”

Jurou igualmente defender o país, afirmando: “Se alguém tentar tirar-nos a nossa terra, a nossa liberdade, as nossas vidas e as vidas das nossas crianças, nós nos defenderemos. Se nos atacarem irão ver-nos os rostos, não as nossas costas, mas os nossos rostos.”

Em seguida anunciou o estabelecimento da lei marcial opor todo o país: “Não entrem em pânico. Somos fortes. Estamos preparados para qualquer coisa. Derrotaremos seja quem for, porque somos a Ucrânia.” Finalmente e numa derradeira tentativa de evitar a guerra, avisou que a Rússia poderia começar uma guerra à escala europeia e exortou os cidadãos russos a oporem-se.

Palavras fortes! Mas isto é apenas uma bravata vazia. O exército ucraniano encontra-se em desordem, tendo sido irremediavelmente apanhado desprevenido por este súbito e massivo ataque. De qualquer modo, nunca esteve em posição de poder resistir ao poderoso exército russo. No momento em que o Ocidente anunciou que não tinha intenções de enviar tropas para defender a Ucrânia, o assunto estava antecipadamente resolvido…

A assunção de que não haveria pânico na capital foi prontamente desmentido por imagens televisivas mostrando enormes filas de carros fugindo de Kiev. Desde o princípio o governo ucraniano foi o acabado exemplo de impotência. Ao ter teimosamente insistido no seu direito e ambição de integrar a NATO – uma clara provocação a Moscovo – lançou-se nos braços do Ocidente como única hipótese de sobrevivência. Esse foi um erro muito estúpido.

Malgrado todas as manifestações grandiloquentes, os imperialistas não têm o menor interesse na sorte do povo ucraniano. Este é visto como um mero peão no jogo da grande geopolítica.

Os militares russos reivindicaram que todas as bases aéreas da Ucrânia foram tornadas inoperacionais com as vagas de mísseis com que começou a invasão russa. Colunas de fumo foram avistadas a partir dos principais aeródromos nas cercanias das grandes cidadãs de Kharkiv no Leste até Ivano-Frankivsk junto à fronteira polaca.

O ataque de quinta-feira foi precedido por um contínuo cyber-ataque que atingiu ministérios e bancos ucranianos, numa guerra híbrida gerada para semear confusão.

Também há relatos indicando que as forças russas entraram na Ucrânia sem que tenham encontrado grande resistência.

De acordo com a opinião expressa por Dmitri Kovalevich, um comentador em Kiev:

“Informações não confirmadas em páginas web ucranianas sugerem que 70% dos recentes abastecimentos militares provindos do ocidente foram destruídos nos próprios depósitos de munições. Altas patentes militares lamentam que esses paióis fossem dirigidos por oficiais que se revelaram agentes russos e simplesmente os destruíram.”

“Atualização: drones turcos foram destruídos nos aeródromos”

“Rebeldes do Donbass entraram em Mairupol sem resistência

Mísseis que atingiram as bases em Odessa foram lançados por submarinos”

“Postos fronteiriços capturados”

“Fuzileiros russos desembarcaram em Odessa”

“Espaço aéreo ucraniano completamente encerrado”

É claro que estes relatos baseados em confusa e parcial informação têm de ser tratados com alguma cautela. Mas se apenas metade disto for factual, então é claro que os russos fizeram questão de destruir ou severamente limitar as defesas ucranianas, como passo prévio à invasão.

Também retratam a desmoralização de parte das forças ucranianas, o que contradiz a imagem que vinha sendo encenada pela propaganda Ocidental. A Rússia tem agora todo o incentivo para se mover rapidamente e tomar a capital.

Analistas militares dizem esperar que Putin envie as suas tropas para tomar ou cercar Kiev. “Forças russas aerotransportadas estão a tentar tomar o aeroporto de Kiev, de modo a poderem depois aí aterrar as forças que tomarão a cidade” – afirmou Marco Rubio, senador americano.

Médias russos relatam que o aeroporto em Boryspil, próximo da capital, tinha já sido capturado. Se esses relatos são verídicos ou não, é, contudo, uma questão de tempo antes da capital ucraniana ser tomada. A guerra nessa altura, para todos os efeitos, terá acabado.

CHOQUE E HORROR

Os líderes ocidentais acotovelaram-se na sua pressa para condenar a invasão que, se acreditarmos neles, acabará em qualquer coisa muito próxima dum Armageddon, com milhões de mortos, uma  guerra generalizada na europa e a humanidade ameaçada na sua própria existência, tal como a conhecemos.

Joe Biden afirmou:

“As orações de todo o mundo estão esta noite com o povo da Ucrânia, enquanto sofrem uma não provocado e não justificado ataque militar da Rússia. O presidente Putin escolheu premeditadamente uma guerra catastrófica com perdas de vida e sofrimento humano. Apenas a Rússia é culpada e os Estados Unidos e os seus aliados responderão de forma unida e decisiva. O mundo irá responsabilizar a Rússia.”

Ursula von der Leyen, líder da Comissão Europeia afirmou que “iremos responsabilizar o Kremlin” – já depois de terem disso anunciadas novas sanções à Rússia.

biden Image Gage Skidmore Flickr
Biden nunca teve a menor intenção de fornecer apoio militar a Kiev. Sua única contribuição para a crise atual foi uma série interminável de declarações belicosas / Imagem: Gage Skidmore, Flickr

Todas estas belas e desafiadora palavras contrastam com o facto que Biden e companhia nunca tiveram a menor intenção de providenciar efetivo apoio militar a Kiev.

A sua única contribuição para a crise atual foi um sem fim de declarações belicosas acompanhadas de ameaças de severas consequências (embora nunca especificadas) que alegadamente se seguiriam ao ataque russo. Este rol de declarações acompanhadas da obstinada recusa em considerar sequer as reivindicações russas, ajudaram a tornar a invasão inevitável.

Em resumo, todos estes senhores e senhoras estão preparados para lutar até a última gota de sangue pela “liberdade” da Ucrânia – desde que o sangue derramado seja o dos ucranianos!

Infelizmente, a história demonstra que as guerras nunca foram vencidas com “palavras”. Putin deve até dar boas gargalhadas com este circo, se lhe prestasse grande atenção: coisa que duvidamos!

De facto, todas estas afirmações tresandam a hipocrisia. Onde esteve o coro de condenações quando os americanos e os seus “aliados” (quer dizer: lacaios) lançaram uma criminosa e sangrenta guerra no Iraque? E acerca das mentiras e da propaganda sobre as nunca existentes “armas de destruição massiva”, supostamente comprovadas com documentos falsos e que serviram de cínica cobertura para um ato de direta agressão a um estado soberano?

Essa encenação repulsiva – tal como a igualmente invasão do Afeganistão ou a violação imperialista da Síria – conduziu à morte de, pelo menos um milhão de pessoas. Mas para quê estragar uma boa “narrativa” com os factos da realidade?

Pousando nas televisões para que mundo os veja, nos seus fatos feitos áàmedia e nos seus sorrisos polidos, todos estes líderes ocidentais esforçam-se por parecer a voz da razão e do humanismo. Mas se rasparmos o verniz, encontraremos apenas podridão. Não há força no planeta tão reacionária e afogada em sangue como o imperialismo americano e as suas marionetas ocidentais.

AS “NAÇÕES UNIDAS”

Como sempre, quando a guerra rebenta, os nossos ouvidos são assaltados por um estranho barulho. Ressoa em nós fortemente o balido dum cordeiro assustado, mas que na verdade é a voz da sanidade, a verdadeira voz da humanidade – ou pelo menos é aquilo em que somos convidados a acreditar.

Refiro-me é claro aos balidos dos pacifistas: essas almas amáveis e bem-intencionadas que nos dizem que a paz é boa e a guerra é má. Mas as guerras nunca foram paradas por sentimentos de apaziguamento ou senso comum. Pelo contrário, o senso comum diz-nos que ao longo da história todos os assuntos verdadeiramente sérios foram resolvidos pelo uso das armas.

Uma das mais incríveis características dos pacifistas é a sua aparentemente infinita capacidade para a autoilusão.  Eles agarram-se fervorosamente a cada palavra ou juramento de um líder político declarando o seu amor pela paz. Ou por esta ou aquela piedosa resolução aprovada por um governo ou instituição repetindo as essas mesmas banalidades.

A crença naïf neste tipo de declarações ou intenções torna os pacifistas, na verdade, em idiotas úteis dos falcões de guerra, uma vez que contribuem para uma falsa sensação de segurança.

Tais discursos ou resoluções apenas servem para uma conveniente cortina de fumo que esconde as reais e agressivas intenções que se escondem por detrás delas. E maior das fraudes é a comicamente e mal designada “Nações Unidas”.

Esta organização foi criada logo após o fim da segunda guerra mundial com o suposto propósito de impedir novas guerras no futuro. E sempre que há o perigo duma guerra, os pacifistas e os reformistas de esquerda pedem a intervenção da ONU. Isso é uma ilusão estúpida e um engano para o povo.

Esta não é a altura de relembrar toda a triste história desta instituição. Apenas é suficiente dizer que a ONU nunca impediu qualquer guerra e, na realidade, até esteve envolvida em mais do que uma – como no caso da Coreia.

Entre 1945 e 1989 tivemos mais do que 300 guerras internacionais. Desde a 2º Guerra Mundial até aos dias de hoje, os Estados Unidos (apenas!) estiveram envolvidos em mais de 30 grandes intervenções militares. As Nações unidas não tiveram qualquer influência, qualquer impacto, em nada disto.

E, nos dias de hoje, não é diferente. Ao mesmo tempo que Putin fazia o seu discurso justificativo, o conselho das Nações Unidas reunia em sessão de emergência, liderados pela própria Rússia que está agora na sua presidência rotativa.

Essa sessão começou até com as declarações piedosas de António Guterres: “Presidente Putin impeça as suas tropas de atacar a Ucrânia. Dê uma chance à paz. Demasiados seres humanos já morreram.”

Mas estas palavras mal tinham saído dos seus lábios e já as primeiras bombas deflagravam na Ucrânia. O Epitáfio final das ONU poderiam ser citado da Bíblia “E curam superficialmente a ferida da filha do meu povo, dizendo: Paz, paz; quando não há paz. (Jeremias 6:14)

Lenine uma vez disse que o capitalismo era um horror sem fim. É um sistema em que a guerra e o mais reacionário chauvinismo estão-lhe entranhados até ao tutano, como parte da competição internacional por mercados e esferas de influência. Quantos milhões de trabalhadores e pobres marcharam já para os campos de batalha e se sacrificaram em nome da “nação”, que é apenas um eufemismo para mascarar os interesses da classe capitalista?

Enquanto o capitalismo permanecer, a guerra permanecerá permanentemente e não poderá haver qualquer tipo de conversa sobre “nações unidas” quanto mais sobre “unidade nacional”! A única unidade possível é a unidade internacionalista da classe trabalhadora.

É tarefa dos marxistas desmascarar a ilusão que os interesses dos pobres e dos trabalhadores se podem reconciliar com os interesses da classe dominante. O único caminho para combater   guerra é combater o sistema que a produz.

E AGORA?

Se por enquanto é demasiado cedo para afirmar que a guerra acabou, ninguém pode verdadeiramente duvidar que a Rússia irá alcançar os seus objetivos em pouco tempo. Não é possível medir com segurança o estado de espírito da população ucraniana. Em qualquer caso, será diferente no Leste do país com a preponderância russa e do Oeste sempre mais inclinado para o nacionalismo autóctone.

Mas os sentimentos predominantes serão o desespero, o pessimismo e, acima de tudo, o cansaço da guerra. Isto poderá providenciar a Putin a possibilidade de instalar um regime pró-russo em Kiev.

Parece-me que um homem como Poroshenko poderá tornar-se num simpático substituto de Zelensky. É verdade que ele teve os seus zig zags ultimamente. E outra coisa não seria de esperar, mas por detrás das cortinas, as negociações estão a tomar lugar e as suas conclusões poderão anda surpreender muita gente. Mas isto, claro, é só um palpite…

russian military Image Igor Rudenko Wikimedia Commons
Embora seja muito cedo para dizer que a guerra acabou, ninguém pode duvidar que os russos alcançarão todos os seus objetivos declarados em pouco tempo / Imagem: Igor Rudenko, Wikimedia Commons

Obviamente a adesão da Ucrânia à Nato será adiada para as calendas gregas. Sob a declarada desnazificação da Ucrânia as organizações fascistas e ultranacionalistas ucranianas serão desmanteladas.

É óbvio que as forças de ocupação russas quererão livrar-se dos seus potenciais inimigos e essas milícias estarão na lista.

Quando Putin diz que não quer ocupar a Ucrânia, não há razões para duvidar do que diz. Ou para ser mais preciso: ele não a irá ocupar por demasiado tempo. Isso seria demasiado difícil e oneroso.

Não. Ele sairá uma vez provado os seus pontos de vista: mostrar tanto aos ucranianos como ao resto do mundo que a Rússia não deve ser menosprezada, que a Nato deve terminar a sua expansão para  Leste, que a Geórgia e a Ucrânia nunca poderão pertencer à NATO e que esta organização militar não poderá concentrar grandes forças junto às fronteiras da Rússia ou organizar manobras provocadoras nas suas vizinhanças.

Putin insiste e repete que está aberto à negociação. Mas ele irá agora negociar numa posição de força muito maior do que no passado. Ele reforçará a exigência da remoção de armas nucleares de médio-alcance do Leste da Europa e a efetiva reintrodução do Tratado de Forças Nucleares de Médio Alcance – o qual, lembremo-nos, foi unilateralmente rasgado por Trump.

Antes de retirada e apenas para tornar claras as coisas a todos, Putin poderá muito bem meter no bolso algumas províncias da Ucrânia, nomeadamente expandindo as Repúblicas de Donetsk e Luhansk.

Isso, já agora, seria uma mera manobra defensiva, garantido uma zona-tampão na fronteira Sul da Rússia, sublinhando a impotência do governo de Kiev e removendo a Ucrânia, de todo, de qualquer lista de potenciais ameaças à segurança russa – o que precisamente Putin fez no caso da Geórgia.

Curiosamente, relendo o que escrevi na altura da invasão russa Geórgia, creio que encaixa muito bem na situação presente:

“Sim, nós reconhecemos o direito do povo da Geórgia à autodeterminação, mas não incondicionalmente. Não defendemos o direto de oprimirem outras pequenas nações, como a Ossétia ou a Abkazia. Defendemos nós o direito dos ossetianos e abhekázios à autodeterminação? Sim, claro que sim. Mas que tipo de autodeterminação existe quando se depende inteiramente dos subsídios de Moscovo e se aceita ser-se moeda de troca nas intrigas diplomáticas da Rússia para subverter e oprimir a Geórgia? Em que sentido isto fortalece a causa da classe operária? Em sentido nenhum! Este tipo de “autodeterminação” é uma fraude e uma mentira. É uma mera e conveniente cortina de fumo para mascarar as ambições e ganância duma potência maior, nomeadamente a Rússia, que quer tomar de volta as suas antigas possessões no Cáucaso. A absorção destas povoações na Rússia dar-lhes à o mesmo grau de “autodeterminação” usufruídos por chechenos – ou seja: nenhum. Tal como não há real autodeterminação na Ossétia do Norte, Dagestão ou qualquer outra região da Rússia.

Na base do capitalismo nenhuma solução duradoura poderá ser encontrada para a “questão nacional”, seja no Cáucaso, nos Balcãs ou no Médio Oriente. Qualquer tentativa para tentar resolver a questão nacional dentro do quadro do capitalismo apenas poderá conduzir a novas guerras., terrorismo e limpezas étnicas, numa espiral de violência e opressão.A questão do direito ao regresso total dos refugiados, por exemplo, nunca poderá ser resolvida pelo capitalismo. Inevitavelmente criaria uma desmesurada competição pelos escassos recursos, empregos, casas, assistência médica, educação e outros serviços. Não havendo empregos e casas para todos, inevitavelmente ir-se-iam atear e atiçar as chamas das tensões nacionais e/ou religiosas. Reformas parciais não resolverão o problema. Não se cura um cancro com uma aspirina!

Se substituirmos Geórgia por Ucrânia e os russófonos de Donetsk e Luhansk pelos ossetianos e abhkazios, esta citação encaixa que nem uma luva! Não há, na verdade, muito mais a dizer.

Os Estados Unidos anunciarão novas sanções, usando ferramentas financeiras para punir os bancos russos e o seu sistema financeiro. Essas sanções não irão demover a Rússia, dado que Putin reduziu drasticamente a dependência do país do Ocidente. É verdade que, como consequência da invasão, a cotação do rublo caiu a pique e as transações tiveram de ser suspensas na bolsa russa. Mas isso terá um efeito temporário. Por outro lado, se as sanções conduzirem ao corte do suprimento gás russo a Europa, isso teria um efeito catastrófico e um aumento vertiginoso no preço dos alimentos e dos combustíveis.

QUE FAZER?

A presente situação foi inevitavelmente recebida com uma intensificada barragem de propaganda da imprensa prostituída. O objetivo de tudo isto não a promoção dos interesses ou do bem-estar do povo ucraniano. Pelo contrário, os ucranianos foram já sacrificados no altar do capitalismo.

É imperioso manter uma firme posição de classe e não nos permitirmos ser arrastados pela propaganda da máquina imperialista.

Apoiamos Vladimir Putin e a oligarquia russa cujos interesses ele defende? NÃO! Putin não é um aliado da classe trabalhadora na Rússia, na Ucrânia, ou seja lá onde for. A invasão da Ucrânia é a simples prossecução da sua cínica e reacionária agenda.

Mas essa não é a questão que nos deve atormentar neste momento. A questão é: podemos nós de algum modo ou feitio parecer e aparentar que nos associamos direta ou indiretamente com os Estados Unidos, a NATO e os seus aliados?

É tarefa dos trabalhadores russos derrubar Putin. A nossa luta é contra o imperialismo Ocidental, a NATO e os nossos próprios governos reacionários e os dirigentes reformistas cúmplices do crime em curso. Como Lenine sempre sublinhou: o inimigo principal está no nosso país. É urgente que nos lembremos desse facto.

Londres, 24 de fevereiro de 2022

PUBLICADO EM MARXIST.COM

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