Uma posição de princípio
Há precisamente 40 anos atrás, em plena guerra das Malvinas e sob intensa comoção chauvinista, o marxista britânico Ted Grant escrevia o seguinte:
A guerra ente a Argentina e a Grã-Bretanha é um sintoma da crise capitalista. A crise económica internacional inaugurou uma nova época de perturbações, que significarão poderosos confrontos entre as classes e entre os Estados nacionais. A luta de classes interagirá com os conflitos internacionais, com uns e outros agravando-se mutuamente.
A atitude dos marxistas perante a guerra não pode ser ditada pelos horrores da guerra, pelo sofrimento e pela morte, ou pelo pesadelo das condições de vida impostas tanto a civis como aos soldados rasos das forças combatentes. A guerra apenas leva os horrores do capitalismo até aos seus limites mais extremos.
A nossa postura perante a guerra é determinada pelos interesses de classe daqueles que conduzem a guerra. Na época moderna, as guerras são determinadas pelo poder, lucro e prestígio das classes dominantes.
A classe trabalhadora de todos os países nada tem a ganhar com o capitalismo e as suas políticas, tanto na paz como na guerra. A guerra é a continuação da política por outros meios e, hoje em dia, a paz é a continuação da guerra por outros meios.
A posição dos marxistas é determinada pela irreconciliável oposição a qualquer guerra travada pela classe capitalista governante. A nossa atitude perante a guerra entre a Argentina e a Grã-Bretanha é determinada pelas classes que travam essa guerra. Tanto num lado como no outro são potentados capitalistas envolvidos, e por isso nós opomo-nos à guerra tanto da Argentina como da Grã-Bretanha.
A posição dos marxistas não pode nunca ser determinada pela questão de quem começou a guerra. Os reformistas vivem obcecados com a definição do “agressor” com um meio para determinar o seu posicionamento. Com isso sempre acabam como atrelados políticos dos capitalistas que provocam e conduzem as guerras.
Na guerra a questão decisiva é: que classe conduz a guerra e com que interesses? O método de apurar quem começou, quem atacou primeiro, é completamente vazio. Há imensos casos ao longo da história em que a guerra foi provocada por um ou outro poder. A nossa atitude é determinada pelos interesses de classe dos potentados envolvidos na guerra.
Volvidos 40 anos estes parágrafos continuam a servir de verdadeira bússola!
Tanto a Ucrânia como a Rússia são dois países capitalistas governados por oligarquias corruptas e autocráticas. Tanto na Ucrânia como na Rússia, o nacionalismo e chauvinismo são elementos politicamente centrais que visam a divisão e alienação da classe trabalhadora. Tanto o governo da Ucrânia como o da Rússia oprimem os trabalhadores e as suas organizações de classe. Tanto na Ucrânia como na Rússia, a guerra acentuou uma deriva autoritária que servirá, hoje em tempo de guerra, e amanhã em tempo de paz, para reprimir a luta dos trabalhadores.
Mas a guerra na Ucrânia não é apenas uma guerra entre ucranianos e russos: é sobretudo uma guerra por procuração em que os ucranianos são a carne para canhão usada pelo Ocidente/NATO na disputa com a Rússia pelo controlo dos recursos, mercados e despojos da própria Ucrânia.
Um pouco de História
Durante anos os Estados Unidos e o Ocidente tentaram retirar a Ucrânia da esfera de influência russa. Um momento fulcral foi o golpe de Estado “Maidan” de 2014 que derrubou um presidente eleito e guindou ao poder forças nacionalistas ucranianas visceralmente antiarussas. É por demais conhecido o apoio financeiro, logístico, mediático e diplomático dos Estados Unidos a esse golpe: nunca aliás deixaram os americanos de se vangloriar pelo mesmo!
A Russofobia do novo governo nacionalista ucraniano levou à ocupação imediata pela Rússia da Crimeia de interesse estratégico vital para si, à repressão e marginalização da minoria russófona do país (quase um terço dos ucranianos são de cultura, língua e origem russa) e à consequente guerra civil entre o governo ucraniano e as populações russófonas do Donbass, num conflito que dura desde 2014 e tinha causado, até ao princípio deste ano, cerca de 15 mil mortes.
Não obstante os “Acordos de Minsk”, que previam uma ampla autonomia para as regiões do país, nunca o governo ucraniano esteve na disposição de os cumprir, nunca o governo ucraniano desistiu de retomar – e retomar necessariamente pela força – o controle das regiões separatistas e da Crimeia ocupada.
Desde então e durante anos, o exército ucraniano foi armado, treinado, financiado e encorajado pela NATO, não apenas para se defender dos russos, mas também para os enfrentar num horizonte futuro. Antes que fosse “tarde demais”, no princípio de 2022 os russos decidiram invadir a Ucrânia e acabar com o que consideravam ser uma ameaça latente.
Aqui chegados não podemos ter dúvidas sobre a condenação da invasão russa que visa fortalecer a segurança do regime e ampliar a sua influência e os lucros dos seus capitalistas, aka “oligarcas”. Esta guerra apenas trará desgraças para os povos ucraniano e russo, cavando uma divisão e hostilidade que poderá levar gerações a ser superada.
Contudo, a expansão da NATO para Leste e o paulatino “cerco” à Rússia – que continua a ser caracterizada pela Aliança Atlântica como a sua maior ameaça -, as conspirações e ingerências do Ocidente, o seu desejo de se apropriar da Ucrânia jogaram igualmente um papel central e criminoso no início desta guerra que os Estados Unidos nunca quiseram verdadeiramente evitar, negociando com os russos as exigências de segurança mútua que estes apresentaram antes da invasão. Porquê? Porque depois do debacle no Afeganistão e por uma questão de prestígio internacional, os americanos não podiam exibir nova demonstração de fraqueza.
Estados Unidos e Rússia… o Dupond e o Dupont desta tragédia alimentada pelas ambições imperialistas de uns e outros. E repetimos: esta não é apenas uma guerra entre a Ucrânia e a Rússia! Pela quantidade avassaladora de apoio militar, logístico, financeiro, diplomático e propagandístico que o Ocidente tem proporcionado à Ucrânia (apoio esse sem precedentes), esta guerra apenas pode ser entendida verdadeiramente como uma Guerra por procuração que a NATO trava contra a Rússia, servindo-se da Ucrânia.
A guerra começou e agora?
A avalanche de propaganda de guerra regurgitada pelos meios de comunicação social tem sido bastante eficaz em arregimentar as opiniões publicas do Ocidente atrás da retórica belicista dos respetivos governos.
Ao fim de 20 anos, Putin deixou de ser um respeitável estadista com quem se fizeram inúmeros acordos e tão bons negócios, para se revelar o novo Hitler que, se não for travado a tempo, conquistará hoje a Ucrânia e amanhã toda a Europa.
Os russos, todos os russos, tornaram-se na encarnação de todo o mal, capazes dos maiores crimes. E como tal têm todos de ser castigados, desde o círculo dirigente máximo ao comum cidadão, passando por atletas, músicos e até gatos de competição! Sanções, inibições, proibições. As bailarinas russas pintadas há mais de cem anos por Degas deixaram de ser russas: a Nacional Gallery em Londres atendeu a uma petição online e as bailarinas na tela passaram a ser ucranianas. Deixando de lado o anedótico, inúmeros e preocupantes ataques xenófobos têm vitimado as comunidades imigrantes russas no Ocidente.
À russofobia soma-se a glorificação da guerra travada pelo exército ucraniano. Uma luta sem baixas, sem perdas de material, sem derrotas… ou sem crimes de guerra! Na televisão, nos jornais, nas redes sociais, sucedem-se as histórias e imagens de emboscadas bem-sucedidas, as barragens de artilharia implacáveis e a eficácia assombrosa dos drones ucranianos. Já do lado russo avolumam-se as perdas, os erros, a incompetência e os crimes. E tudo isto alimentado pela propaganda militar ucraniana e acriticamente difundido pela imprensa. E da versão russa dos factos? Pouco se sabe porque a EU fez questão que assim fosse, proibindo os media russos no espaço europeu.
Neste contexto, poucas têm sido as vozes que destoam da cartilha propagandística. Quem não seguir o guião é logo rotulado de “putinista”, de branquear a barbárie russa, de ser um admirador de ditaduras, de não ter coração e não se condoer com o sofrimento do povo ucraniano.
Sejamos inequivocamente claros: os marxistas são totalmente solidários com o povo ucraniano e é por isso que não concedemos o mínimo apoio ao seu governo… ou ao nosso próprio governo!
Infelizmente muitos líderes da Esquerda, capitularam diante da pressão da burguesia e da máquina de propaganda de guerra. Tal como a NATO o faz, explicam-nos que a defesa da paz exige a derrota dos russos que invadiram um inocente país soberano, que bombardeiam cidades e civis indefesos e porque Putin é um louco sádico e genocida que ameaça o mundo e etc., etc., etc.
E por isso temos de aplicar sanções à Rússia, cada vez mais sanções e assim “parar de financiar a máquina de guerra de Putin” e “penalizar os oligarcas”, ao mesmo tempo que temos de enviar armas, cada vez mais a armas para a Ucrânia resistir e vencer os russos, ou pelo menos não se render incondicionalmente a tão bárbara invasão e poder negociar a paz numa situação favorável.
Mas será mesmo assim?
Comecemos pelas sanções. Se as sanções aplicadas ao Irão, à Coreia do Norte ou à Venezuela não vergaram os respetivos governos, porque haveriam agora de resultar com a Rússia? Caramba! Se há mais de 60 anos que os Estados Unidos mantêm um cruel bloqueio económico a Cuba e não foram até hoje capazes de derrotar a revolução, como é que é possível pensar que as sanções poderão, em tempo útil, “parar a máquina de guerra de Putin”?
Quererão mesmo os defensores das sanções assistir durante meses, durante anos, à destruição da Ucrânia até que finalmente as ditas sanções incapacitassem o exército russo de fazer a guerra ou até que o povo russo, esgotado, se revoltasse contra Putin fazendo cair o regime?
Mas se há alguma coisa que as sanções demonstraram noutras latitudes foi que elas sempre acabam por agregar os povos em redor dos respetivos governos que as usam como álibi para todas as dificuldades e erros; e como prova do ódio que o Ocidente, os Estados Unidos, têm contra os seus respetivos países. Isso mesmo tem-se verificado nos sinais aparentes de crescente aumento do apoio à guerra pelo povo russo e pelos altos índices de aprovação de Putin mantém.
As sanções, portanto, apenas acabam por ter como efeito tangível a degradação das condições de vida dos mais pobres e fragilizados. Isto por si só deveria soar campainhas de alarme na consciência dos líderes de Esquerda que defendem as sanções, cada vez mais sanções à Rússia. Mas os ecos da propaganda da guerra parecem abafar qualquer rasgo de consciência…
Nem mesmo quando notoriamente as sanções à Rússia começam a ter um efeito dramático… deste lado na Europa! Muitos “opinion makers” têm desfilando pelos media explicando-nos que a Rússia é uma economia relativamente pequena e que não poderá suportar o impacto deste bloqueio. Na verdade, a importância económica da Rússia ultrapassa em muito o seu 11* lugar do ranking das economias mundiais.
A Rússia pode não inundar os mercados com telemóveis de última geração ou plasmas gigantes, daí resultando produtos com grandes mais-valias incorporadas, mas é um grande exportador de matérias-primas. E não é só de gás e petróleo dos quais depende o funcionamento e a competitividade das economias europeias; mas é também um dos maiores exportadores de cereais e outros produtos agrícolas, de fertilizantes, de madeira e derivados, de ferro, cobre, alumínio e duma miríade de metais e ligas raras essenciais ao fabrico de condutores, chips, aviões ou carros elétricos.
Não é possível fazer da Rússia uma “Coreia do Norte” da Europa. Ou melhor: até é, mas só à custa do descalabro económico. A economia mundial que já antes da pandemia dava sinais preocupantes, que ainda não recuperara sequer do impacto da Covid 19, é agora convulsionada pelos efeitos da guerra, efeitos multiplicados pelas sanções e que agudizam os já preocupantes indicadores.
A inflação está já disparar ao mesmo tempo que o crescimento económico desacelera e a globalização económica se encontra ameaçada pelas fricções dos novos blocos político-militares em formação. Estamos à beira duma crise económica que terá efeitos dramáticos no emprego, rendimentos e apoios sociais para as classes trabalhadoras. E tudo isto com a alegre anuência de alguma Esquerda que reclama por mais sanções ao mesmo tempo que fica em silêncio senão mesmo abençoa a anunciada espiral de gastos armamentistas na Europa, gastos que (para mais em plena crise económica!) só poderão vir a ser feitos à custa do da transição energética, do investimento produtivo, da investigação científica, da produção cultural, da diminuição dos apoios sociais. Em suma: à custa do povo trabalhador que terá de pagar a guerra contra os russos.
Lembram-se do slogan “1% para a Cultura”? Nunca o alcançámos, mas o nosso governo já se comprometeu a gastar pelo menos 2% do PIB para a Defesa.
Com ou sem guerra, com ou sem sanções, a crise económica já batia à porta no final de 2021 como a crescente inflação o demonstrava, fruto da expansão monetária e do endividamento sem precedentes dos últimos anos, primeiro para salvar bancos e fundos de investimento e depois para manter os grandes negócios e respetivos lucros em altas durante a Covid 19. Porém, a guerra e as sanções irão agudizar e acelerar a crise. Pior! Politicamente a burguesia não deixará de culpar os russos e a guerra pela crise. A guerra será no futuro usada até à exaustão para justificar a crise, a queda dos padrões de vida e os ataques constantes aos trabalhadores. Que exercício de contorcionismo os dirigentes de Esquerda, que hoje defendem o caminho para o abismo económico, farão no futuro…? Bom… é provável que nem eles próprios o saibam!
A pobre e indefesa Ucrânia
Não poderá haver dúvidas sobre o quão pobre é a Ucrânia. Com uma população mais de 4 vezes o número da população portuguesa, possuí um PIB que é apenas dois terços do PIB português. Ou possuía, porque a guerra está a destruir o país. Apesar da dimensão e das riquezas naturais do país, a Ucrânia é um país a saque pelo carácter parasitário e corrupto dos seus oligarcas e, nos últimos anos, pelas oligarquias ocidentais a reboque das sucessivas reestruturações, liberalizações e privatizações ordenadas pelo FMI.
Mandaria a prudência que um país com tantas fragilidades tentasse, de algum modo, encontrar um modo de convivência pacífica com o seu muito mais poderoso vizinho. Contudo, o governo ucraniano pós “Maidan” foi, não apenas animado por um sentimento de revanche pela ocupação da Crimeia e pelo separatismo do Donbass, mas sobretudo armado, treinado e financiado pelo Ocidente para fazer face aos russos.
E se Moscovo (já em 2008!) tinha tentado explicar que a expansão Nato para a Ucrânia era para a Rússia uma ameaça existencial à sua segurança nacional, que fez a NATO? O mesmo que já fizera aos juramentos prévios de nunca expandir a NATO para Leste aquando da dissolução do Pacto de Varsóvia, isto é: ignorou e desprezou a Rússia! E que fez Kiev? Insistiu na sua adesão, tendo-se tornado no único país no mundo a inscrever na sua Constituição, na sua Lei Fundamental, o desígnio nacional de pertencer à NATO! Se isto não é uma provocação no plano das relações internacionais, não sabemos o que possa ser.
Num exercício hipotético nem precisaríamos de nos perguntar qual seria a reação dos Estado Unidos se o México anunciasse a sua adesão a uma coligação militar hostil a Washington, convidando os chineses a instalar bases, tropas e material de guerra em seu território? Basta recordar a crise dos mísseis de Cuba em 1962, para percebermos que os Estados Unidos entrariam imediatamente em guerra e não hesitariam em arrastar o mundo consigo para evitar tal cenário! É por isso que todas as lamentações e todas as condenações da NATO contra a invasão Russa da Ucrânia tresandam ao mais absoluto cinismo!
Mas é precisamente de braço dado com a NATO que alguma Esquerda exige o “envio de armas para a Ucrânia”. Como se a Ucrânia não tivesse recebido ao longo dos anos de armas um extraordinário fluxo de armamento; e como se todo esse armamento recebido não tivesse sido uma das causas para que o governo de Kiev evitasse resolver politicamente a questão do Donbass e para que os russos invadissem agora “preventivamente” o país!
Diante das imagens da destruição, do fluxo de refugiados que já ultrapassa os 4 milhões, das mortes e do sofrimento, diante do insofismável facto que um país invadiu outro, é impossível não querer ajudar o povo ucraniano! É até bastante saudável e humanitário querer fazê-lo! Mas uma coisa é proporcionar ajuda humanitária aos refugiados, aos deslocados e a todas as vítimas da guerra. Outra é querer ajudar o esforço de guerra que o governo desse país trava, enviando armas. E enviar armas significa ajudar o povo ucraniano?
Mais uma vez teremos de voltar ao básico: para quem serão enviadas essas armas e para que fins?
Enviar armas para a Ucrânia significa enviar armas para um governo burguês assente numa ideologia nacionalista cuja ascensão ao poder provocou uma guerra civil que dura há 8 anos e cuja ação imprudente foi um dos fatores da guerra atual com a Rússia. Ponto. Falamos dum governo burguês que incorporou milícias nazi-fascistas na sua estrutura militar regular – outra originalidade ucraniana sem paralelo no mundo inteiro! – e que que tem recebido milhares de “voluntários”/mercenários de extrema-direita para combater em seu nome.
Que garantias teremos que essas armas não acabem nas mãos de extremistas, tal como aconteceu com as armas que foram enviadas para resistência afegã nos anos 80, donde emergiu a Al-Qaeda? E que garantias temos, sequer! Que os envios dessas armas possam derrotar os russos ao invés de servirem apenas para arrastar a guerra, aumentando o sofrimento do povo ucraniano? Ou que possam escalar o conflito, arrastando outros países para a guerra? E que garantias temos que uma hipotética vitória ucraniana traria a paz e a concórdia entre ucranianos e russos e, sobretudo, entre os cidadãos da Ucrânia de língua e cultura ucraniana e os cidadãos ucranianos de língua, cultura e origem russa?
Simplesmente são garantias que ninguém em consciência as pode dar. Mas pelo contrário, nós marxistas podemos garantir que tanto uma vitória do chauvinismo grã-russo como do nacionalismo ucraniano seriam um pesadelo para os trabalhadores de ambos os países.
Que soluções para o conflito?
Uma vitória russa significaria o fortalecimento (pelo menos temporariamente) do regime autocrático de Putin, a anexação de largos territórios ucranianos e o previsível deslocamento de populações desses territórios que seriam governados pelo Kremlin com mão de ferro. As sanções não iriam desaparecer no dia seguinte (ainda que paulatinamente…), a guerra teria de ser custeada e os mesmos de sempre /os trabalhadores e o povo seriam chamados a pagar os custos das aventuras militares.
Mas se isto parece autoevidente o que significaria uma vitória do nacionalismo ucraniano? Uma vitória para o qual certa Esquerda contribui ao clamar por mais sanções e mais envio de armas? Significaria a continuação e aumento da discriminação da minoria russa do país. Significaria a repressão e a exploração agravada do conjunto da classe trabalhadora ucraniana!
Se ainda antes desta invasão, a Ucrânia conheceu uma guerra civil entre as duas comunidades com cerca de 15 mil mortos; e se agora com a guerra e as suas vítimas e o seu lastro de destruição, foram encerradas estações de televisão, suspensos partidos políticos, detidos de ativistas de esquerda ou implementada a censura militar com a simples justificação duma putativa 5ª coluna “pró-russa” … que tipo de “concórdia” ou “paz” poderemos imaginar que poderia vir a existir, sobre bases capitalistas, sob um nacionalismo chauvinista vitorioso numa Ucrânia devastada e etnicamente dividida?
Sobretudo, uma vitória militar dos nacionalistas ucranianos nunca poderá deixar de ser alcançada senão mediante uma guerra prolongada, o sacrifício do país, a debandada de milhões dos seus cidadãos, a destruição do essencial das suas infraestruturas, a desorganização da sua vida económica e social, mediante um massivo endividamento para pagar a guerra de hoje e a reconstrução de amanhã. Sob o peso da catástrofe dentro de portas e da crise capitalista internacional não tenhamos qualquer dúvida: a vitória do governo nacionalista ucraniano que serve os interesses dos oligarcas do país e não passa duma marioneta das potencias Ocidentais significaria o empobrecimento, a opressão e a divisão acicatada em linhas “étnicas” da classe trabalhadora ucraniana para melhor poderem aplicar o imperialismo e a classe dirigente nacional uma austeridade e repressão infinitas sobre os trabalhadores.
Em simultâneo, uma vitória do nacionalismo ucraniano usado e apoiado pelo imperialismo Ocidental constituiria uma vitória dos nossos próprios imperialistas cuja autoridade política sairia reforçada com um inaudito “branqueamento” da imagem da NATO e com uma acrescida força para cobrar aos trabalhadores dos seus (nossos) países o preço da guerra e da escalada militar, da crise económica e da desregulação do comércio global.
E isto é o que significaria o triunfo dos nacionalistas ucranianos promovido pelo “envio de armas para a Ucrânia” que certa Esquerda defende! Mas é caso de perguntar que tipo de “Esquerda” defende políticas que promovem a continuação dum conflito entre imperialismos e que apenas beneficiará as elites oligárquicas do campo vencedor?
Nós marxistas recusamo-nos escolher entre um inferno ou outro. Não tomamos o partido dum nacionalismo ou um campo imperialista em detrimento de outro; não sacrificamos os interesses da classe operária internacional. E não se trata dum chavão: os trabalhadores da Ucrânia, da Rússia ou do conjunto da Europa e do mundo nada têm a ganhar com o exacerbamento dos nacionalismos e a corrida armamentista. Nada têm a ganhar com a vitória de um ou de outro campo imperialista. Absolutamente nada!
Derrotismo Revolucionário?
Perguntar-nos-ão agora: “mas estaremos nós condenados a assistir passivamente aos horrores da guerra, à destruição da Ucrânia, à sua rendição incondicional, ao multiplicar de atrocidades e à vitória do agressor, de Putin”?
Muito pelo contrário, cabe-nos lutar pelo fim da matança e por uma paz duradoura. Mas cabe-nos fazê-lo de modo independente dos nossos imperialistas, com as consignas, com os métodos, com os objetivos e fins da nossa classe, da classe trabalhadora.
A guerra só terá fim ou com a completa derrota militar de um dos lados (que pode levar meses ou anos e muito mais vítimas e destruição) ou com negociações de paz entre ambos os contendores. Queremos a paz imediata? Então teremos de forçar os nossos governos à mesa das negociações, e isso é válido tanto para os governos da Europa, Estados Unidos, Rússia ou da Ucrânia. Têm de ser os trabalhadores, dentro de cada país, a tratar dos seus inimigos internos.
Mas a paz e a negociação não surgirão de ingénuos apelos ao bom-senso, ao diálogo, ao Direito ou às instancias internacionais. Ao longo de 70 anos de existência quantas guerras evitou a ONU? Nenhuma! Pelo contrário, já participou numas quantas. Quantas vezes a “soberania nacional”, a “inviolabilidade das fronteiras” ou o “Direito Internacional”, foram respeitadas? Apenas e só quando foram do interesse das grande potenciais internacionais.
Enquanto a invasão da Ucrânia, monopoliza o espaço mediático, rege todo o debate político e assalta as boas consciências, a guerra no Iémen prossegue com as suas mais de 350 mil vítimas mortais às mãos duma criminosa “intervenção militar especial” que a Arábia Saudita lançou. Mas aqui não há lugar a sanções ou reprimendas: pelo contrário, alegremente o Ocidente vai comprando o petróleo saudita e vendendo armas a um dos países do mundo mais militarizados e com mais gasto militares, que se serve de tal aparato para reprimir selvaticamente os seus cidadãos e massacrar os seus vizinhos. Não é “whataboutism”, é o aqui e o agora em 2022 com a anuência e para rentabilidade do Ocidente. A Jugoslávia, Sudão, Somália, Afeganistão, Iraque, Líbia ou a Síria, para falar nos últimos anos e nos casos mais flagrantes, dão extenso testemunho do que o “direito internacional” ou os “direitos humanos” significam para o big business e os seus agentes políticos!
Repetimos: O inimigo principal está dentro da nossa própria casa e nós somos chamados a combater e derrotar os nossos próprios imperialistas.
Mas enquanto continuarmos todos a marchar ao som do rufar dos tambores de guerra, enquanto as opiniões públicas dos diversos países beligerantes (e nós somos cobeligerantes!) continuarem atreladas aos mantras das respetivas “oligarquias” aka burguesias, intoxicadas com a sua propaganda, reféns da exploração mediática e emocional da guerra, jamais seremos capazes de pôr um fim à guerra, aos ódios nacionais, à rapina imperialista.
E é por tudo isto que os marxistas não acompanham o coro que pede mais sanções para a Rússia e mais armas para a Ucrânia. É por tudo isto que os marxistas de recusam a capitular perante as políticas dos imperialistas “democráticos” do Ocidente, para quem a democracia ou o povo ucraniano apenas lhes interessará enquanto com eles lucrarem. É por tudo isto que os marxistas não tomam a defesa dum ou doutro nacionalismo, dum ou doutro imperialismo.
O marxismo não é um movimento político que existe para defender “soberanias nacionais” à custa dos interesses da classe trabalhadora. Um Donbass sob tutela russa ou uma Crimeia recuperada pela Ucrânia serão sempre um pesadelo para as populações e uma fonte interminável de conflitos. Os trabalhadores precisam é de manteiga no pão, não é de canhões! Os trabalhadores não precisam de um ou outro jugo “nacional”, dum patrão russo ou dum empreendedor ucraniano, dum político corrupto em Kiev ou dum político vendido em Moscovo. Os trabalhadores precisam é de alcançar a sua emancipação!
Só a unidade dos trabalhadores russo e ucranianos, de todo o mundo, mediante um programa de transição socialista que desenvolva as forças produtivas, que redistribua os proveitos e frutos do trabalho e que garanta às nacionalidades o direito à autodeterminação será garantia de paz e de progresso.
Dirão os céticos e os cínicos que isto é uma utopia. Pois nós responderemos que há pouco mais de cem anos a matança da primeira guerra mundial terminou não devido a “mais sanções, não devido ao “envio de mais armas”, não graças ao “direito internacional”. Malgrado a propaganda e a retórica belicista da época ou os apelos à “unidade nacional”, a matança de milhões de jovens trabalhadores nas trincheiras da Grande Guerra terminou quando começou a revolução alemã!
Que os céticos, os cínicos, os realistas e reformistas de todos os matizes formas e feitios o releiam: a primeira guerra mundial terminou quando os soldados e trabalhadores alemães se lançaram numa revolução que exilou o kaiser, derrubou o governo militar, desorganizou a retaguarda e parou a capacidade de combate do exército através de sucessivos levantamentos e motins.
Ontem como hoje, podereis estar todos certos de que só uma classe é verdadeiramente democrática e anti-imperialista: a classe trabalhadora.
Mas ontem como hoje, para podermos triunfar e nos desembaraçarmos de vez dos horrores do capitalismo e do seu cortejo infindável de guerras e conflitos, de exploração laboral, de destruição ambiental e de preconceitos institucionalizados, teremos de difundir as ideias vivas do marxismo revolucionário, criando, transformando e reforçando as nossas organizações de classe nas ferramentas da nossa emancipação.
Fim da Invasão da Ucrânia! Fim da NATO!
Abaixo as autocracias e as oligarquias do capitalismo!
Viva o Internacionalismo proletário!
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