Artigo de Jorge Martin
Ele foi talvez mais direto que muitos, mas esta mensagem tem sido transmitida claramente e em alta voz por parte dos assessores de Biden. Questionado sobre o que seria considerado um sucesso nesta guerra, Loyd Austin Secretario de Defesa americano declarou: “queremos ver a Rússia a enfraquecer”.
Desde o principio que o imperialismo americano considerou esta uma guerra por procuração. Primeiro pensaram que a Rússia conseguiria alcançar os seus objetivos rapidamente – daí a retirada do corpo diplomático americano de Kiev e os planos gizados para tirar Zelesnky do país.
Depois, quando a situação militar estabilizou – de alguma forma – e as forças ucranianas montaram uma resistência feroz (auxiliada pela “inteligência” e abastecimentos ocidentais), começaram a percecionar uma oportunidade de escalar a guerra de modo a desferirem um golpe na Rússia.
Nas últimas semanas os americanos têm sido mais cristalinos em relação a isto, no que tem sido acompanhado por uma escalada na ajuda militar á Ucrânia, de modo que a estes últimos lutem pelos objetivos dos primeiros.
A assinatura da lei “lease and Lend” permite a Washington abastecer o exército ucraniano, evitando a burocracia e o escrutínio. E agora estão a aprovar um Decreto que permite 40 biliões de dólares em “ajuda” à Ucrânia – ainda mais que os 33 que Biden tinha originalmente pedido ao Congresso. Isto, somando-se aos 13 biliões que já tinham sido dados nos últimos 2 meses, representa um passo massivamente em frente no esforço de guerra por parte dos Estado Unidos.
Para colocar todos estes números em perspetiva, o total dos gastos ucranianos em Defesa durante 2021 foi de 7 biliões e o conjunto de gastos orçamentais foi de 40 biliões. A maioria da “ajuda” do último pacote votado unanimemente pelos democratas (incluindo autoproclamados esquerdistas como Alexandria Ocasio-Cortez ou Bernie Sanders) vai diretamente para o fornecimento militar, com apenas 8,8 biliões de apoio económico e 900 milhões de ajuda aos refugiados nos Estados Unidos.
Não é apenas uma questão de aumento da quantidade de dinheiro, mas é também o aumento qualitativo do tipo de armas fornecidas, incluindo peças de artilharia mais poderosas e de maior alcance ou drones de última geração, alguns dos quais já estão no terreno. A reunião a 26 de Abril na base americana de Ramstein na Alemanha envolvendo 40 países, incluindo 14 que não fazem parte de NATO foi direcionada, precisamente, para estabelecer um coordenado e centralizado mecanismo de fornecimento de armas à Ucrânia.
O objetivo deste massivo envio de armas é minar as vantagens que a Rússia tem com base na sua Força Aérea, tanques e artilharia no campo de batalha. Contudo, não é claro o tipo de impacto que este tipo de material militar terá no curso da guerra. Este tipo de armamento requere o treino de soldados ucranianos de modo a poderem usá-lo e proceder à sua manutenção. Centenas de soldados ucranianos estão presentemente a ser treinados pelos Estados Unidos e Grã-Bretanha no uso destas armas.
Paralelamente, a Rússia está incrementalmente a atacar as linhas de abastecimento, de modo a tornar mais difícil que o novo equipamento chegue à linha de combate. Arestovych, assessor presidencial de Zelesnky, já declarou que a Ucrânia, não poderá (antes de finais de Junho) fazer uso completo desta ajuda de modo a “lançar uma ofensiva.
[entretanto, declarações recentes do Estado Maior Ucraniano, remetem o princípio da ofensiva vitoriosa para a segunda metade de Agosto – nota da tradução]
Já em meados de Abril, o Pentágono acolhia uma reunião com os oito maiores produtores de armamento do país, de modo a assegura-se que eles teriam a capacidade de responder à crescente procura de armamento por parte da Ucrânia. A produção de mísseis Stinger ou Javelins antitanques está a ser incrementada, por vezes duplicada. Como sempre, os produtores de armamento esfregam as mãos de contentamento.
“A guerra é terrível, terrivelmente lucrativa” afirmou Lenine durante a Grande Guerra.
Como parte da mudança de estratégia, os Estados Unidos têm crescentemente vindo a revelar o grau do seu envolvimento neta guerra, gabando-se da partilha de informações que permitiram aos ucranianos atingir generais russos e até o cruzador Moskva há umas semanas atrás.
O que temos nesta guerra é que o imperialismo americano (com auxílio dos seus aliados europeus) providencia aconselhamento militar (provavelmente ao nível do Estado-maior ucraniano), informações, dinheiro, recursos, armas, treino… mas deixa para terceiros, isto é para os ucranianos, o papel de carne para canhão e para o país destes o cenário de destruição. O congressista Repúblicano Dan Crenshaw cruamente o confirmou quando, ao justificar o seu voto, cinicamente afirmou que “investir na destruição dum adversário militar, sem a perda dum único militar americano, parece-me ser uma boa ideia”.
O imperialismo americano está preparado para lutar contra Putin até à última gota de sangue… ucraniano! Desde o princípio que o imperialismo americano está profundamente envolvido na guerra, mas é claro que agora calculam que possa, através dela, decisivamente enfraquecer a Rússia, um poder rival que se atreveu a desafiá-los. Neste processo estão a exercer enormes pressões sobre os europeus para que se rearmam, de modo a poderem agir como o destacamento avançado dos Estados Unidos. Alguns estrategas calculam que rearmar a Europa e enfraquecer a Rússia colocaria Washington numa melhor posição para enfrentar o seu principal rival na arena internacional: a China.
Como parte deste novo capítulo da guerra, tem sido exercida enorme pressão sobre a Ucrânia para que rejeite qualquer negociação. Neste aspeto, o jornal ucraniano Ukrainska Pravda revelou o papel de Boris Johnson na visita a Kiev no início de Abril.
De acordo com o jornal: a delegação russa estava preparada para o encontro Zelensky-Putin, algo que Zelensky tinha demandado! Mas de Acordo com o UP, que citam “fontes próximas de Zelesnky”, o primeiro-ministro britânico chegou quase sem aviso com duas simples mensagens:
a primeira era que Vladimir Putin é um criminoso de guerra que temos de pressionar e não negociar; e a segunda era que ainda que a Ucrânia assinasse algum tipo de acordo com Putin, o Ocidente não fará.
Aqui a verdadeira situação é claramente revelada para que todos a vejam. É o imperialismo americano, neste caso com Boris Johnson com “enviado”, quem decide se podem ou não existir negociações de paz e caso estas fossem subscritas pelos ucranianos, as mesmas seriam sabotadas pelo Ocidente! E continuam a dizer-nos que esta guerra é travada pela defesa da soberania ucraniana!
Isto foi sublinhado no princípio de Maio quando Zelesnky sugeriu que, de modo a que se alcançasse um acordo de paz, ele não colocaria ênfase no tópico de Crimeia, mas no dia seguinte, o secretário-geral da NATO Stoltenberg fez questão de sublinhar que, embora as negociações fossem uma matéria ucraniana, “os membros da NATO nuca aceitarão a anexação ilegal da Crimeia”.
Claramente, os Estados Unidos serviram-se da invasão russa da Ucrânia para trazer sob mais rígido controlo os seus aliados europeus. A guerra foi usada para justificar o aumento de gastos militares na Alemanha – e noutros países – bem como o envio de armas para a Ucrânia (algo sobre o qual os alemães estavam relutantes) e também como desculpa de conveniência para a adesão da Suécia e Finlândia à NATO.
A propósito, Erdogan lançou um grão de areia na engrenagem ao opor-se às candidaturas da Suécia e Finlândia, sob desculpa destas abrigarem “organizações terroristas” – nomeadamente a resistência curda. Dado que a NATO, tal como a EU, toma decisões por “unanimidade”, Erdogan está a servir-se deste assunto para alcançar vantagens e cedências do Ocidente, ao mesmo tempo que, provavelmente, demonstra a Putin que pode ser um interlocutor válido para conseguir um maior protagonismo no conflito ucraniano. Quaisquer que sejam as suas motivações, parece claro que a adesão da Suécia e Finlândia não será tão suave e pacífica como antecipado. Orban, na Hungria, também poderá de levantar alguma objeção de modo a regatear algum tipo de vantagem.
Divisões na UE
O quadro está longe se ser claro. A guerra trouxe à superfície as tensões entre os poderes centrais na Europa (Alemanha e França) e entre estes e o imperialismo americano e os seus agentes diretos (particularmente a Grã-Bretanha e Polónia). Este é especialmente o caso do boicote ao gás e petróleo russo. As tentativas da EU de introduzirem estes boicotes trouxeram estas contradições a lume.
De modo a introduzirem estas medias, seria necessário o voto unânime dos 27 Estados-membros, e alguns deles tornaram público o seu desagrado, nomeadamente Hungria, Eslováquia, República Checa ou Croácia: tudo países que dependem fortemente do petróleo russo, como o caso da Croácia, por exemplo, que depende a 90%. No grupo de países que dependem a mais de 50% do fornecimento de petróleo russo, estão a Bulgária, Polónia, lituânia, Letónia ou Finlândia. Um boicote completo ao petróleo russo ainda afetaria gravemente a indústria naval grega, que transporta metade do petróleo russo para a EU.
Até aqui te sido a Hungria a segurar o veto à proposta. Os burocratas da EU andam freneticamente a tentar contornar este veto, oferecendo dinheiro, concessões, adiamentos, exceções aos países mais afetados. Isto revela um problema mais fundo dentro da própria União Europeia: a política externa e os interesses económicos dos diferentes países não coincidem e, portanto, uma união económica sem uma união política não pode ser sustida a longo prazo.
Agora, tanto o presidente francês Emmanuel Macron como a Presidente da Comissão Ursual Vande Der Lyen, passaram a sugerir a reforma da Constituição da EU, de modo a abolir o direito de veto e a tomada de posições unânimes em matérias-chave. Se a França e a Alemanha insistirem neste caminho, arriscam-se a partir da União Europeia.
De facto, as divergências da EU sobre futuras sanções à Rússia demonstram mais desunião que unidade por parte dos aliados de Washington no continente. E se este é o debate do sobre as sanções ao petróleo, imagine-se ao gás russo do qual a dependência ainda é maior, em particular da Alemanha, cuja classe dirigente realmente diz a ultima palavra na Europa…!
E quanto à muito prometida adesão da Ucrânia à EU… encontra-se tão distante como sempre. Após ter comentado que o processo poderia levar “décadas”, Macron propôs que a Ucrânia pudesse juntar-se a uma espécie de “União Europeia paralela”. Contudo, esta farsa foi prontamente rejeitada por Zelesnky.
Ao decidir-se pela guerra, Putin calculou que a Europa estaria demasiado dependente do gás e do petróleo russos para abdicar completamente dos mesmos e que isso o ajudaria a superar a vaga de sanções. A guerra na Ucrânia já teve um efeito visível nos preços de energia, à escala mundial, bem como no preço dos cerais e de outros produtos agrícolas. É provável que Putin agora calcule estar em melhor posição para travar uma guerra de atrito e de longa duração e que, a dada altura, os danos da mesma forcem a Europa a procurar um acordo de paz. E não nos esqueçamos que os originais acordos de Minsk foram quebrados com o patrocínio da França e Alemanha.
No seu discurso do “Dia da Vitória” Macron disse: “a Europa não está em guerra com a Rússia”. Numa conferência conjunta com o chanceler alemão acrescentou: “o que pretendemos é um cessar-fogo que permita o fim das negociações iniciadas entre as delegações russas e ucranianas, de modo a conseguir-se a paz e a retirada das tropas russas. Este é o nosso objetivo”. Isto está claramente em contradição com os fins proclamados pelos Estados Unidos que querem servir-se da guerra para enfraquecer decisivamente a Rússia.
A situação no campo de Batalha
No terreno de Guerra é claro que nenhuma negociação de paz será retomada enquanto qualquer um dos beligerantes considerar que poderá obter no campo de batalha vantagens para as mesas de negociações. Nesta fase da guerra, a Rússia está a concentrar todas as suas forças na tomada do Donbass.
Nesta altura, a resistência ucraniana em Mariupol ficou reduzida a um punhado de neonazis encurralados [que, entretanto, renderam-se – nota da tradução] e que apesar de completamente cercados e sem possibilidade de reforços ou reabastecimento se recusam a render, pois tal significaria um golpe severo na moral da resistência ucraniana. Por outro lado, é provável que, com a sua rendição, as repúblicas separatistas do Donbass abrissem contra eles processos judiciais por crimes de guerra – cometidos ao longo dos últimos 8 anos.
A situação em Mariupol e a retirada de Kiev e do Norte do país permitiram deslocar forças russas adicionais para o Donbass, agora encarado como o principal teatro de operações. Ao contrário do falhanço em cercar Kiev, aqui as linhas de abastecimento são mais curtas e mais fáceis de defender. É verdade que os ucranianos construíram fortificações ao longo de 8 anos, mas agora arriscam-se a ser cercados. Os russos avançam a “passo de caracol”, mas malgrado o ritmo, avançam.
Entretanto a artilharia, aviação e mísseis russos continuam a atacar as infraestruturas ucranianas, linhas de abastecimento, depósitos de combustíveis, paióis e rotas de transporte de ajuda Ocidental. Também têm fortificado as suas posições na Ilha da Serpente, o que lhes permite controlar e cortar o acesso marítimo dos ucranianos a partir de Odessa.
O moral das tropas e a opinião pública
Outro importante facto é o moral tanto das tropas que combatem como da opinião pública na retaguarda.
Na Ucrânia já se apresentam sinais de cansaço da guerra, que se expressam nas divergências entre o governo e o Estado-maior. Já a 17 de Março o jornal israelita Haaretz (dificilmente uma fonte pró-russa) fornecia um quadro interessante sobre a atitude da população ucraniana perante a guerra. Um jornalista fez a viagem de carro entre Kiev e a fronteira polaca contactando aleatoriamente com a população ao longo do caminho. Não se trata dum inquérito científico, mas não deixa de ser interessante que muitos dos seus interlocutores, malgrado inicialmente manifestarem apoio a Zelesnky, mais tarde nas conversas tidas com o jornalista iam confessando entenderem as motivações de Putin e culpando a causa da guerra às provocações governamentais.
Claramente a invasão russa terá criado um sentimento patriótico entre grandes camadas da população ucraniana e muitos terão sido os voluntários para as Defesa Territorial. Mas à medida que a guerra se prolonga, muito irão começar a questionar-se. Se a guerra terminar mal, com a Ucrânia a ser forçada a fazer concessões territoriais à Rússia (o Donbass, Kherson, etc.), comprometendo-se a não entrar para NATO, mais ainda se interrogarão se todo o sacrifício e destruição valeram a pena e se não teria sido melhor ter chegado a um acordo antes da guerra.
Nos últimos dias apareceram protestos dos familiares e até dos próprios soldados sobre o envio de recrutas para a frente de batalha sem o treino ou equipamento necessários.
Vários vídeos têm sido publicados e partilhados pela internet em que várias companhias e brigadas do exército ucraniano explicam que não podem cumprir as ordens recebidas por exaustão, falta de armamento, munições, abastecimentos e reforços enquanto continuam a ser impiedosa e diariamente bombardeadas.
Isto revela sintomas significativos de cansaço e desmoralização entre as tropas ucranianas. O ressentimento também se acumula pela corrupção e pela perceção que essa corrupção é responsável pelo mau abastecimento e armamento das tropas na frente de batalha. Veem-se, por exemplo, na retaguarda muitos oficiais de recrutamento a conduzirem automóveis de luxo; ao mesmo tempo que não se vê na linha da frente a assistência militar do Ocidente e, pelo contrário, os soldados são muitas vezes chamados a custear o seu equipamento.
Isto está a preocupar seriamente as autoridades ucranianas. E divisões no topo da cadeia de comando vieram já a superfície. Por exemplo, correm rumores que o Alto-comando pediu a retirada das tropas de Severodonetsk para posições mais facilmente defendidas, de modo a prevenir um cerco das mesmas. Os rumores dizem que Zelensky recusou a proposta. Agora as tropas estão à beira de serem cercadas. Tensões entre Kiev e o batalhão Azov encurralado na siderurgia de Azovstal também têm aflorado. Por outro lado, ainda a 8 de Maio, o assessor presidencial Arestovych sugeriu que a queda do Sul da Ucrânia em mãos russas, logo no início da guerra, terá sido se não por traição aberta, pelo menos por pura incompetência militar – numa tentativa de desviar do presidente a barragem de críticas à condução da guerra.
De qualquer modo, enquanto Zelesnky puder vender a ideia duma guerra vitoriosa, permanecerá popular. Contudo, se a guerra se prolongar ou se os russos tomarem o Donbass, a fachada de unidade nacional poderá rapidamente colapsar por entre mútuas recriminações.
Entretanto, na Rússia, a guerra de Putin continua vastamente popular. Tem havido alguns incidentes isolados de sabotagem contra centros de recrutamento e outras instalações militares. Isto reflete um sentimento de ira entre camadas da juventude, o sector da sociedade onde a guerra é menos popular, ainda que a maioria a continue a apoiar. Claro que, nas condições de forte censura e repressão de visões dissidentes, é difícil tomar o pulso à situação real.
Certo é que a aberta ingerência e participação do imperialismo americano na guerra é um brinde à propaganda de Putin que tem afirmado que esta “operação militar especial” é uma ação preventiva contra agressão da NATO. Contudo, também aqui se a guerra se arrastar, se as tropas russas ficarem atoladas no campo de batalha, com as baixas a acumularem-se; também aqui poderá crescer exponencialmente a raiva e o descontentamento.
Esta guerra é uma matéria existencial para Putin. Todo o seu regime depende do seu resultado e, por esta razão, ele usará todos os recursos à sua disposição para assegurar-se dum resultado que lhe permita apresentar uma vitória.
Da Guerra para a luta de classes
À medida que a guerra se arrastar e a economia se dirigir para uma recessão mundial, haverá um impacto na luta de classes. Claramente esta será uma coagitação crucial por detrás das declarações públicas de Macron apelando a negociações, o que representa uma divergência com Biden. Ele é um fraco presidente reeleito enfrentando o descontentamento do povo francês e decerto agradeceria um alívio na frente dos custos energéticos. E não é o único chefe de Estado a temer os futuros desenvolvimentos nos próximos meses.
As consequências económicas da guerra e o aprofundamento da crise do capitalismo terão também, eventualmente, um impacto na opinião pública americana. Quando o Congresso tenta passar uma ajuda de 40 biliões de dólares à Ucrânia, o país atravessa uma crise de abastecimento de “baby formula” (leite em pó para bebés). À medida que o impacto da guerra se fizer sentir no agravamento das condições de vida, os trabalhadores americanos (e em toda a parte) irão corretamente interrogar-se porque se pode gastar biliões de dólares numa guerra distante e num país estranho, para lucro das industrias de armamento, enquanto não se consegue alimentar o próprio povo? Isto é uma receita para a luta de classes e oposição às políticas imperialistas por todo o Ocidente.
Em tudo isto a posição de certa Esquerda, em muito países, tem siso abjeta. Governos social-democratas por toda a parte têm-se atrelado ao imperialismo americano nesta guerra. Tanto na suécia como na Finlândia, primeiros-ministros “social-democratas” têm liderado os processos de adesão à NATO. Na Inglaterra o líder trabalhista tenta apresentar-se ainda mais belicoso que os conservadores, ameaçando de expulsão quem quer que questione o papel da NATO. Nada que surpreenda se nos lembramos do papel de Tony Blair na invasão do Iraque. Os reformistas de direita sempre defendem os interesses da sua própria classe dominante imperialista quando é preciso.
Mas ainda mais escandalosa é a posição dos “reformistas de esquerda” por toda a parte. No passado teriam tido uma posição pacifista (“respeitem as leis internacionais”, “chamem a intermediação da ONU”). Esta sempre foi uma posição sem esperança, dado que questões fundamentais como a guerra e o imperialismo não podem ser resolvidos com apelos a “instituições internacionais”, mas apenas com uma decisiva e anti-imperialista luta de classes. De qualquer modo, ainda oferecia uma ilusão de alternativa. Agora, até o pacifismo foi deitado borda fora.
Nos Estados Unidos, os “esquerdistas” do Partido Democrata votaram todos a favor do pacote multimilionário de apoio militar à Ucrânia. O Senador Bernie Sanders votou e falou a favor do imperialismo americano: “Eu penso que todos os dias contam e eu penso que temos de dar uma resposta tão forte e vigorosa quanto pudermos!” Na Espanha, a ministra do PC Espanhol Yolanda Díaz apoiou a decisão governamental de enviar as armas para a Ucrânia, muitas das quais acabaram já nas mãos de combatentes da extrema-direita. Na Inglaterra, sob ameaça de expulsão, os deputados trabalhistas da “Campanha Socialista” retiraram as suas assinaturas dum protesto contra a NATO. Na Finlândia, a Aliança de Esquerda, que faz parte da coligação governamental, está dividida sobre a adesão à NATO. Mas aconteça o que acontecer, já fez saber que não sairá da coligação.
Esta situação é obviamente espelhada do outro lado da guerra, com o Partido Comunista da Federação Russa, que esteve sob ataque do regime pela sua semi-oposição à guerra, mas que já firmemente veio apoiar a aventura imperialista de Putin.
A posição de alguns grupos de extrema-esquerda não é muito melhor. Na Grã-Bretanha algumas centenas de sectários marcharam sob o slogan “armem a Ucrânia”! Como se não fosse precisamente isso que Boris Johnson e a NATO andassem a fazer! Esta é a posição da pseudo “Quarta Internacional” que reclama “sanções para a Rússia e armas para a Ucrânia” acrescentando, em relação à questão de oposição à NATO que “essa não é a questão do momento”. Levando essa posição pró-imperialista até às suas óbvias conclusões, o esquerdista Murray Smith declarou o seguinte: “falar da dissolução da NATO como um objetivo imediato, tal como o defende parte da esquerda Ocidental, não faz sentido e é até irresponsável porque deixaria os países do Leste e da Escandinávia indefesos… na ausência duma alternativa credível, temos de aceitar o status quo.”
Ora aí está! De acordo com o camarada Smith, os revolucionários devem apoiar a NATO! Que farsa! O apoio por ação ou omissão da esquerda-reformista aos seus imperialistas é um verdadeiro escândalo, precisamente numa altura que se exige uma firme oposição. No presente, vivemos uma situação em que, nalguns países, é a direita demagoga que se apresenta como única opositora da guerra, ainda que pelas suas reacionárias razões!
A tarefa dos revolucionários é expor as verdadeiras razões por detrás dos objetivos da classe imperialista, cortando o nevoeiro de mentiras e propaganda com que a guerra é justificada. A questão da guerra deve ser associada à questão das condições de vida. Numa altura em que o custo de vida aumenta, os governos queimam biliões em gastos militares, mostrando claramente onde se encontram as suas prioridades.
Tal posição pode não ser muito popular de início, mas cedo ou tarde, o nevoeiro da guerra irá dissipar-se. Aqueles que, desde o começo, mantiverem uma posição de princípio, estarão melhor colocados assim que se desenvolver uma oposição de massas à guerra e aos governos capitalistas que a promovem.
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