Autor: Jorge Martin
A situação em Cuba é grave. No domingo, 11 de julho, houve protestos em diversas cidades e povoados de Cuba que tiveram, como não podia ser de outra forma, grande cobertura na mídia internacional. De onde vieram estes protestos? Qual o seu caráter? Como os revolucionários devem responder?
Os protestos começaram em San Antonio de los Baños, província de Artemisa, 26 km a sudoeste da capital, Havana. A motivação imediata dos protestos que lançaram centenas de pessoas às ruas em San Antonio de los Baños foram os prolongados e constantes cortes de eletricidade. Mas a este fator se soma a acumulação de problemas, particularmente graves, desde o início da pandemia há 16 meses: desabastecimento de produtos básicos, escassez de medicamentos, a queda do poder aquisitivo do salário. A tudo isto se une o agravamento da pandemia nos últimos dias, com a chegada de novas variantes muito mais contagiosas, em um momento em que a vacinação completa alcança somente entre 15 a 20% da população.
Claramente havia um componente genuíno nesse protesto em San Antonio (algo que foi reconhecido pelo próprio presidente Díaz-Canel posteriormente) que nascia das dificuldades reais enfrentadas pelo povo. As palavras de ordem que levaram às ruas centenas de pessoas em San Antonio eram “queremos vacinas” e a exigência de solução para seus problemas imediatos, que se faziam às autoridades locais.
Mas, além disso, estaríamos cegos se não víssemos que também havia outro fator. Há dias que há uma intensa campanha orquestrada nas redes sociais sob o lema #SOSCuba, que tem dois objetivos. O primeiro, tratar de criar uma explosão social, protestos nas ruas, mediante a difusão de informações exageradas, tendenciosas ou diretamente mentirosas (por exemplo, sobre a situação sanitária em Matanzas, a região mais atingida pela pandemia) e o apelo abstrato a protestar nas ruas. O segundo, com a desculpa da situação de emergência sanitária (em parte real, em parte exagerada) fomentar a ideia da necessidade de uma “intervenção humanitária” para “ajudar Cuba”.
A hipocrisia das pessoas que lançaram a campanha é incrível. Quando ocorreu uma campanha a favor de uma intervenção internacional no Brasil, no Peru, no Equador, todos estes países que sofreram taxas de mortalidade 10, 20 ou 50 vezes maiores que as de Cuba?
Esta campanha hipócrita é uma clara tentativa de justificar uma intervenção externa contra a revolução, sob a cobertura de ajuda humanitária. Já vimos isto antes, na Líbia, na Venezuela, no Iraque, e sabemos o que há realmente por trás destas supostas “intervenções humanitárias”: o imperialismo. É impossível ser mais cínicos. Os mesmos que aplicam o bloqueio a Cuba, que a impedem de comerciar no mercado mundial, comprar medicamentos e insumos, agora exigem do governo cubano que abra um “corredor humanitário”!
Situação séria
No protesto em San Antonio de los Baños, alguns lançaram o lema que agrupou a contrarrevolução nos últimos meses: “Patria y Vida” (em oposição ao lema da revolução de “Patria o Muerte – Venceremos”). Mas, segundo informes de companheiros de lá não eram a maioria:
“Desde ontem se fez uma convocação em um grupo de FB, no qual sua maioria é ariguanabense, com a finalidade de protestar contra os apagões de até 6 horas que a localidade sofre. O que começou como algo menor foi aumentando à medida que iam se trasladando pelas principais vias da comunidade. É uma massa muito heterogênea, com distintos pensamentos e ideologias. Constatamos que alguns lançam o lema ‘Patria y Vida’, mas que a maioria, como acredito, só está dentro da corrente e se deixa levar”.
Mas, obviamente, a informação do protesto em San Antonio de los Baños se espalhou pelas redes sociais, distorcida e amplificada por elementos contrarrevolucionários que estiveram apelando para que ocorressem protestos semelhantes em outras partes do país. Sobre isto há muitos rumores e, como pode acontecer, muitos deles são falsos, mas parece que houve protestos em número significativo de cidades e comunidades. Nestes casos, o componente contrarrevolucionário (nas palavras de ordem, as pessoas que as animavam etc.) era muito mais dominante que em San Antonio de los Baños. Além de “Patria y Vida”, gritava-se “Abaixo a ditadura”, “liberdade” etc.
Em Camaguey, os manifestantes enfrentaram uma patrulha da polícia e terminaram por virar seu veículo. Em Manzanillo, um companheiro informa que alguns jovens protestavam na rua Maceo, a principal artéria até a zona alta de Manzanillo, que está sem água há sete dias. Chegou o presidente do governo da cidade para tratar de dialogar. Houve impropérios e insultos, mas também houve finalmente troca de pedradas entre revolucionários e os que protestavam.
Outro companheiro descreve os acontecimentos em Santa Clara, onde dois grupos de não mais de 200 pessoas trataram de tomar uma delegacia de polícia e a sede do PCC. Outro grupo de umas 400 pessoas se organizou para repeli-los. Segundo este informe, a composição do protesto era principalmente de gente muito jovem, adolescentes, muitos elementos marginais. Os lemas eram “abaixo o comunismo”, contra Díaz-Canel, mas muitos só faziam ato de presença, sem gritar lemas.
Por seu lado, Luis Manuel Otero Alcántara, uma das figuras mais destacadas da contrarrevolução, apelou por uma concentração no Malecón de Havana. O apelo foi replicado por todos os meios reacionários de Miami e suas redes sociais. No transcurso da tarde, um grupo de menos de 100 pessoas se concentrou no Malecón. Posteriormente, mais pessoas se uniram, formando um grupo de várias centenas, no qual era difícil de se distinguir quem protestava e quem estava somente observando para ver o que se passava. O protesto seguiu por várias partes da cidade, o Capitólio, a Praça da Revolução etc., e chegou a agrupar cerca de mil pessoas. Um companheiro descreve a composição social como “muito diversa”: “havia setores do povo e aburguesados, muitos marginais, lúmpens urbanos e jovens”.
Também houve incidentes de enfrentamentos e pedradas por parte dos contrarrevolucionários. Um companheiro que esteve em uma das concentrações em defesa da revolução relata: “Fui agredido. Agora também sei o que é ver uma massa enfurecida caminhar em tua direção. Senti medo. Quase me lincham, me lançaram água, rum e me lançaram duas pedras que não me alcançaram. Vivi várias cenas de violência perto de mim”. Houve intervenções policiais e detenções seletivas.
O presidente Díaz-Canel se fez presente em San Antonio de los Baños, onde deu declarações e, posteriormente, se dirigiu ao país em discurso televisionado, no qual chamou os revolucionários a sair às ruas para defender a revolução. Este apelo teve resposta em várias partes do país, inclusive em Havana. Isto obviamente não é mostrado na mídia internacional, porque não encaixa com a ideia que eles querem transmitir.
Para dar alguns exemplos, assim marcharam por Belascoain.
Esta foi a concentração de revolucionários diante do Museu da Revolução:
Mais tarde, em 10 de outubro:
Poderíamos oferecer muitos mais exemplos.
Está claro que mesmo em uma situação muito difícil de penúria e escassez, a revolução cubana tem ainda uma ampla base social de apoio que, vendo-a ameaçada, sai às ruas para defendê-la. Os que saíram também sofrem as mesmas condições, e possivelmente muitos têm também críticas à gestão do governo, a algumas decisões que foram tomadas e à burocracia. Mas na hora da verdade sabem que devem sair para defender a revolução.
Que representam estes acontecimentos?
Há que se dizer que os protestos de ontem (10/7) são significativos. Apesar do exagero dos meios de comunicação imperialistas, estas são as maiores expressões de protesto desde o maleconazo de 1994, e se produzem em um momento de profunda crise econômica e no qual a liderança da revolução não tem a mesma autoridade que tinha naquele momento.
Quais são as causas da situação de crise econômica e social em que hoje vive Cuba? Em primeiro lugar, combinam-se uma série de problemas históricos com outros mais conjunturais. Entre os primeiros: o bloqueio, o isolamento da revolução em um país atrasado, a burocracia.
Entre os segundos: as medidas tomadas por Trump para aumentar a asfixia econômica da revolução (que não foram revertidas por Biden), mas, sobretudo, o impacto da pandemia (e seu impacto sobre o turismo que é uma das principais fontes de renda em divisas). Discutimos tudo isto em um artigo de outubro do ano passado.
A isto se soma o impacto das medidas tomadas pelo governo cubano em janeiro para responder a esta crise econômica tão forte e, além disso, desde alguns dias, a forte subida de casos de Covid-19 com a entrada de novas variantes do vírus.
Os problemas são graves. Muito graves. Mas, para pensar em como resolvê-los, há que se entender quais são as causas. Em primeiro lugar, o bloqueio. Em segundo lugar, a inserção totalmente desigual da economia planificada cubana na economia capitalista mundial. Em terceiro lugar, a pandemia e seu impacto econômico e sanitário. Finalmente, o impacto da gestão burocrática da economia em termos de desperdício, ineficiência e desinteresse.
Diante desta situação, que posição devemos adotar os revolucionários? Em primeiro lugar, há que se explicar claramente que os protestos convocados por LMOA e outros elementos afins são abertamente contrarrevolucionários, embora tratem de capitalizar um mal-estar que surge de condições objetivas muito difíceis. O mal-estar é real e genuíno. Mas os protestos sob o lema “Patria y Vida” e “Abaixo a ditadura” são contrarrevolucionários. Há elementos confusos, sem dúvida. Mas, dada a confusão, é inevitável que os que dominam estes protestos de um ponto de vista político sejam os elementos contrarrevolucionários, que estão organizados, motivados e com objetivos claros. Portanto, há que se opor aos mesmos e defender a revolução. Se os que animam esses protestos (e seus mentores em Washington) logram seu objetivo, derrubar a revolução, os problemas econômicos e sanitários que a classe trabalhadora cubana padece não serão resolvidos, pelo contrário. Basta dar uma olhada no que acontece no Brasil de Bolsonaro ou no vizinho Haiti.
Na luta que se abre em Cuba nos encontramos, de forma incondicional, na defesa da revolução cubana. No momento, toda a escória que vive na Flórida está exigindo uma intervenção militar em Cuba. Em uma entrevista de imprensa conjunta, o prefeito de Miami, a prefeita do condado de Miami-Dade, o comissário Joe Carollo (ex-prefeito de Miami), pediram a Biden uma intervenção em Cuba “no marco da doutrina Monroe”.
Mas esta defesa incondicional da revolução cubana não quer dizer que seja de forma acrítica. No debate sobre a forma mais eficaz de defender a revolução cubana nós defendemos claramente um ponto de vista de classe, internacionalista e de democracia operária.
Em segundo lugar, há que se dizer, também de forma clara, que os métodos que a burocracia utiliza para tratar de afrontar os problemas enfrentados pela revolução, não são adequados e, em muitos casos, são contraproducentes (veja-se, por exemplo, o Ordenamento Econômico). As medidas pró-capitalistas debilitam a planificação e a propriedade estatal, além de aumentar a diferenciação social e de fortalecer os elementos capitalistas na ilha. Esse é o caldo de cultivo desses protestos contrarrevolucionários. A ausência de democracia operária, além de desorganizar a economia, é fonte de indolência, desinteresse e ineficiência.
Os métodos que a burocracia utiliza para responder às provocações contrarrevolucionárias também são, em muitos casos, contraproducentes. A censura, as restrições burocráticas, a arbitrariedade não servem para defender a revolução quando o que se necessita é discussão política, rearmamento ideológico revolucionário, prestação de contas e democracia operária.
Nossas palavras de ordem devem ser:
- Defender a revolução cubana!
- Abaixo o bloqueio imperialista – Mãos fora de Cuba!
- Não à restauração capitalista – mais socialismo!
- Não à burocracia – democracia operária e controle operário!
TRADUÇÃO DE FABIANO LEITE.
PUBLICADO EM MARXIST.COM
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