Amílcar Cabral foi um dos maiores revolucionários da história de África. Ele deu a sua vida pela libertação de Guiné-Bissau e Cabo-Verde. Porém, 51 anos após a sua morte e 50 anos após a revolução portuguesa e as independências das antigas colônias, a luta que Cabral iniciou permanece incumprida: o capitalismo continua a existir, e continua a pilhagem de África pelas grandes potências imperialistas, mas agora com a mediação das novas burguesias africanas. Em Portugal, apesar do derrube do fascismo, a exploração continua, agora sob a forma “amável” da democracia burguesa. E é que, como Cabral explicou:
“Só duas vias são possíveis para uma nação independente: voltar à dominação imperialista (neocolonialismo, capitalismo, capitalismo de Estado) ou adotar a via socialista”.
No centenário do nascimento de Amílcar Cabral, torna-se necessário estudar as ideias e o percurso deste grande revolucionário, tirar as lições da sua experiência e levar a luta que ele começou até o final, até a revolução socialista internacional.
O império português e a Guiné-Bissau
Amílcar Lopes da Costa Cabral nasceu no seio de uma família de classe média, a 24 de setembro de 1924, na vila de Bafatá, na pequena colónia portuguesa da Guiné-Bissau, na África Ocidental. Os seus pais eram cabo-verdianos que se tinham mudado para o continente, onde o seu pai, Juvenal Cabral, trabalhava como professor numa escola primária e a sua mãe como comerciante.
Quando Cabral nasceu, Portugal era a mais atrasada das potências imperiais europeias. Apesar de ter entrado num declínio prolongado após o século XVII e ter perdido o Brasil no século XIX, este pequeno país ainda detinha grandes extensões de terra em África e na Ásia. Mas Portugal não era uma potência imperial clássica como a Grã-Bretanha ou a França. Embora controlasse numerosas colónias em dois continentes, era simultaneamente dominado pelo imperialismo britânico, para quem Lisboa era um subalterno maleável que administrava as suas colónias no interesse do capital britânico. O império português, simultaneamente dominador e dominado, manteve-se assim unido com a inestimável ajuda de Londres. Como explicou Lenine:
“Portugal é um Estado independente, soberano, mas na realidade há mais de duzentos anos, desde a Guerra da Sucessão de Espanha (1701- 1714), que está sob o protetorado da Inglaterra. A Inglaterra defendeu-o, e defendeu as possessões coloniais portuguesas, para reforçar as suas próprias posições na luta contra os seus adversários: a Espanha e a França. A Inglaterra obteve em troca vantagens comerciais, melhores condições para a exportação de mercadorias e, sobretudo, para a exportação de capitais para Portugal e suas colônias, pôde utilizar os portos e as ilhas de Portugal, os seus cabos telegráficos, etc. etc. Este gênero de relações entre grandes e pequenos Estados sempre existiu, mas na época do imperialismo capitalista tornam-se sistema geral, entram, como um elemento entre tantos outros, na formação do conjunto de relações que regem a “partilha do mundo”, passam a ser elos da cadeia de operações do capital financeiro mundial.”
Em 1961, Cabral faria uma avaliação semelhante do império português:
“Perante o poderio das principais nações imperialistas, é forçoso perguntar como foi possível a Portugal, um país subdesenvolvido e atrasado, conservar as suas colónias apesar da redistribuição a que o mundo foi sujeito. O colonialismo português conseguiu sobreviver apesar da partilha de África feita pelas potências imperialistas no final do século XIX, porque a Inglaterra apoiou as ambições de Portugal que, desde o tratado de Metwen em 1703, se tornou uma semi-colónia da Inglaterra. A Inglaterra tinha todo o interesse em utilizar as colónias portuguesas, não só para explorar os seus recursos económicos, mas também para as ocupar como bases de apoio na rota do Oriente, e assim manter o domínio absoluto no Oceano Índico. Para contrariar a cobiça das outras potências colonialistas e defender os seus interesses nas colónias portuguesas, a Inglaterra encontrou a melhor solução: defendeu os ‘direitos’ da sua semi-colónia.”
A Guiné-Bissau era uma das possessões portuguesas mais subdesenvolvidas. Sem as matérias-primas de Angola e Moçambique e sem a importância estratégica e comercial de Cabo Verde, Macau, Timor ou Goa, era uma província periférica no decrépito império português. Posto avançado do tráfico de escravos até à sua abolição no século XIX, a província estava a definhar.
Na altura do nascimento de Cabral, tinha uma população de cerca de meio milhão de habitantes, com a presença de cerca de 15 a 20 mil europeus, principalmente soldados portugueses. Um sistema brutal de racismo e apartheid imperava nas cidades, onde a minoria branca dominava e os negros se dividiam entre “assimilados” e “não assimilados”, enquanto no campo o poder português assentava em relações de opressão tribal.
A maior parte da Guiné-Bissau era constituída por planícies pantanosas onde o cultivo era difícil; as terras aráveis constituíam apenas 12,2% da província. Cerca de 99% da população indígena (segundo as estimativas de Cabral) era analfabeta. A educação disponível para a comunidade indígena era monopolizada pela igreja católica. A população rural era composta por dois grupos principais. Por um lado, os fula, muçulmanos, que Cabral classificou como “semi-feudais”, devido ao grau de diferenciação de classes existente nesta comunidade, dominada por uma camada de chefes abastados e estreitamente ligados aos imperialistas portugueses. Estes chefes dominavam os camponeses, que tinham de pagar um tributo em géneros, e possuíam também escravos. Havia uma camada intermédia de artesãos que estavam subordinados aos chefes. Os fulas também oprimiam outras tribos menos avançadas, uma relação de opressão que os portugueses exploraram. A outra etnia importante era a dos balantas, animistas, que Cabral definiu como comunistas primitivos, devido ao seu igualitarismo rudimentar. A situação nas ilhas de Cabo Verde não era muito melhor. A falta de investimentos por parte dos portugueses e a pobreza do solo resultaram em fomes devastadoras. Entre 1941 e 1948, cerca de 50.000 pessoas morreram de fome.
Na década de 1960, a província tinha apenas 14 licenciados nativos (incluindo Cabral). Sem qualquer indústria, a classe trabalhadora da província era praticamente inexistente, limitando-se a algumas centenas de assalariados nos sectores dos transportes e da construção. Estes trabalhadores tinham emigrado recentemente do campo e mantinham laços estreitos com as suas aldeias. Apesar da sua inexperiência política, esta incipiente classe operária desempenhou um papel importante no movimento revolucionário, em especial a juventude recentemente transferida para as cidades. Revelou-se “extremamente dinâmica na luta. Muitos deles aderiram à luta desde o início e foi neste grupo que encontrámos muitos dos quadros que formámos desde então”, comenta Cabral em 1964. Nas cidades havia também uma massa de elementos “lumpen” que viviam à margem da sociedade, sempre prontos a venderem-se a quem pagasse mais e que se tornaram “uma grande ajuda para a polícia portuguesa, fornecendo-lhe informações”.
No entanto, apesar do seu caráter periférico, a Guiné-Bissau estava exposta às convulsões revolucionárias que estavam a abalar o mundo. Começava a emergir um estrato de intelectuais e profissionais qualificados nativos, que integraram a administração colonial e o sector dos serviços, particularmente recetivos às ideias radicais. Enquanto uma camada da pequena burguesia era conservadora e apoiante dos imperialistas, outro sector era recetivo às ideias revolucionárias. Em si mesmos, os intelectuais pequeno-burgueses não podem tornar-se uma força motriz da revolução; a sua posição na sociedade como uma pequena camada média e o seu afastamento da produção impedem-lhes desempenhar um papel independente. A sua separação das relações sociais e económicas fundamentais também implica que, quando isolados, os intelectuais pequeno-burgueses tendem para a impaciência, o ecletismo e a vacilação.
No entanto, no contexto de um movimento de massas dos trabalhadores, dos camponeses e dos oprimidos, enquanto indivíduos, os intelectuais podem fornecer os elementos mais revolucionários como organizadores e ideólogos. Cabral reconheceu este facto e observou que a pequena burguesia dos países coloniais estava dividida entre a continuação da sujeição ao domínio imperialista, a sua aspiração a deslocar os colonialistas e a tornar-se uma “pseudo-burguesia” nacional, e a rejeição das inclinações burguesas e a organização da luta revolucionária das massas.
Primeiros passos como revolucionário
Cabral pertencia a este estrato radicalizado de intelectuais pequeno-burgueses. Como ele disse, “éramos apenas um grupo de pequeno-burgueses que foram levados pela realidade da vida na Guiné, pelos sofrimentos que tínhamos de suportar, e também pela influência que os acontecimentos em África e noutros lugares tinham sobre nós, em particular as experiências que alguns de nós adquiriram em Portugal e noutros países da Europa, a tentar fazer alguma coisa”.
Cabral estudou numa escola secundária em Cabo Verde e, na década de 1940, foi estudar agronomia em Lisboa, onde conviveu com estudantes africanos nacionalistas e com círculos de antifascistas portugueses. Envolveu-se nas atividades da ala juvenil do Movimento de Unidade Democrática (MUD), onde o Partido Comunista tinha uma forte presença. Cabral começou a ser influenciado pelo marxismo neste período, quando começou a ler os clássicos de Marx, Engels e Lenine que eram publicados pela imprensa clandestina. É de notar, e voltaremos a este assunto mais tarde, que o tipo de marxismo a que Cabral esteve exposto enquanto esteve em Portugal foi, infelizmente, o marxismo rígido e mecânico dos partidos estalinistas. O Partido Comunista Português, seguindo a linha do seu homólogo francês em relação à Argélia, não apoiou (e de forma tíbia) a independência das colónias até ao final dos anos cinquenta. Por estas razões, Cabral não se sentiria muito à vontade com o comunismo oficial, embora tenha conseguido compreender os fundamentos do marxismo e tenha começado a absorver a visão materialista e dialética do mundo que influenciará os seus escritos.
Em Lisboa, Cabral fez amizade com Eduardo Mondlane e Agostinho Neto, que viriam a liderar a luta anti-imperialista em Moçambique e Angola. Simultaneamente, começou a destacar como poeta e escritor, sempre consciente da importância da cultura na revolução. A tese de Cabral foi sobre a erosão dos solos na pobre província rural do Alentejo, noonde um punhado de ricos proprietários de terras possuía enormes latifúndios enquanto os camponeses sofriam na miséria e na fome. Esta experiência convenceu Cabral do potencial revolucionário da sociedade portuguesa e do interesse da classe operária e do campesinato português em derrubar a ditadura do Estado Novo.
Em 1951, regressou à Guiné-Bissau, onde trabalhou como agrónomo, elaborando longos estudos sobre a economia, a sociedade e a geografia locais. Também se deslocou a Angola em missões de investigação. Estas viagens familiarizaram-no com os problemas da sociedade colonial e com a incapacidade do imperialismo para desenvolver verdadeiramente estes países. Radicaliza-se cada vez mais ao testemunhar a pobreza e o atraso das zonas rurais, mas também a tenacidade e a criatividade dos camponeses. O seu interesse pela teoria revolucionária começou a tomar forma neste período de trabalho agrónomo.
Os abalos que se alastraram pelo mundo colonial após a Segunda Guerra Mundial, com a eclosão de movimentos revolucionários e guerras de libertação na China, Coreia, Cuba, Argélia, Vietname, etc., teve um efeito catalisador nas colónias portuguesas e influenciou a postura cada vez mais combativa de Cabral. A desilusão após a primeira vaga de descolonização, no rescaldo da Segunda Guerra Mundial, em que as administrações coloniais de uma série de países foram substituídas por governos burgueses pró-imperialistas, empurrou o movimento anticolonial mais para a esquerda, sublinhando que a independência formal não era sinónimo de verdadeira emancipação.
Alguns líderes africanos, como Nkrumah, do Gana; Touré, da Guiné Francesa; e Lumumba, do Congo, viraram-se fortemente para a esquerda. A União Soviética, apesar da sua deformação burocrática e estalinista e do papel pernicioso que desempenhava no movimento comunista internacional, continuava a ser vista como um modelo para muitos nas colónias, que viam como a economia planificada tinha transformado o antigo império czarista, um país agrícola atrasado, numa superpotência avançada, que em 1961 lançou a primeira expedição ao espaço. Influenciado por tudo isto, Cabral começou a envolver-se na oposição à ditadura salazarista, na metrópole e nas colónias.
A criação do PAIGC
O Partido Africano para a Independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde (PAIGC) foi fundado em setembro de 1956 sob a liderança de Amílcar Cabral e do seu irmão, Luiz. Inicialmente, tentaram mobilizar a classe trabalhadora da Guiné-Bissau e de Cabo Verde e desafiar a ditadura através de protestos de massas. O PAIGC obteve alguns êxitos e ganhou o apoio dos trabalhadores urbanos da colónia. Nos anos 1950 um movimento embrionário de trabalhadores tinha começado a cristalizar-se na Guiné, e o PAIGC conseguiu inicialmente aproveitar esta agitação, liderando várias greves e manifestações por melhores condições de trabalho e direitos democráticos. Como explicou Cabral:
“E assim começou este pequeno grupo [o PAIGC]. Começámos por pensar num movimento geral de libertação nacional, mas isso revelou-se imediatamente inviável. Decidimos alargar a nossa atividade aos trabalhadores das cidades, e tivemos algum sucesso com isso; lançámos movimentos por salários mais altos, melhores condições de trabalho, etc. Não quero entrar aqui em pormenores, a única coisa que quero dizer é que, obviamente, não tínhamos um proletariado. Faltavam-nos claramente intelectuais revolucionários, pelo que tivemos de começar a procurar, uma vez que – com razão – não acreditávamos na capacidade revolucionária do campesinato. Um grupo importante nas cidades era o dos estivadores; outro grupo importante era o das pessoas que trabalhavam nos barcos de transporte de mercadorias, que na sua maioria viviam em Bisau e viajavam rio acima e rio abaixo. Estas pessoas mostraram- se muito conscientes da sua posição e da sua importância económica e tomaram a iniciativa de lançar greves sem qualquer liderança sindical. Por isso, decidimos concentrar todo o nosso trabalho neste grupo. Este grupo deu excelentes resultados e rapidamente se transformou numa espécie de núcleo que influenciou as atitudes de outros grupos assalariados das cidades – os trabalhadores propriamente ditos e os motoristas, que constituem dois outros grupos importantes. Se me permitem a expressão, encontrámos o nosso pequeno proletariado.”
No entanto, a orientação para o movimento operário foi contestada após o “massacre de Pijiguiti”, a 3 de agosto de 1959, em que 50 estivadores que faziam greve sob a direção do PAIGC foram mortos pela polícia colonial.
O programa do PAIGC
O programa do PAIGC, aprovado em 1962, tinha um caráter híbrido, que combinava caraterísticas socialistas e burguesas e nacionalistas. Não se tratava de um acaso, mas refletia os problemas da revolução num país como a Guiné-Bissau, como explicaremos mais adiante. A tónica principal do programa era a unificação e modernização nacional: unir o país social e economicamente através da educação, cultura, língua e literatura; com o desenvolvimento da indústria, comunicações e infraestruturas; com uma reforma agrária para modernizar o campo; e através da criação de um Estado democrático forte e moderno. Em suma, o objetivo era criar uma república democrática avançada, secular e soberana. O PAIGC previa igualmente uma cooperação cada vez maior do país com outros Estados africanos e com o bloco socialista, bem como a unificação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Num país como a Guiné-Bissau, povoado por comunidades camponesas isoladas e atrasadas, dominado por sentimentos tribais e localistas, violentado por um império racista e opressor, este programa de unificação e independência nacional era progressista.Correspondia às tarefas nacional-democráticas da revolução que tinham sido cumpridas pela burguesia no Ocidente.
No entanto, o programa também incluía elementos socialistas, embora de uma forma confusa e vaga. Como explicaremos mais adiante, uma verdadeira revolução democrático-burguesa no mundo colonial não podia ser levada a cabo com base no capitalismo, no domínio da burguesia. Exigia a transformação socialista da sociedade e a combinação de reformas nacional-democráticas com medidas socialistas.
O PAIGC advogava pela nacionalização de todas as grandes empresas e a instauração de uma economia planificada. As pequenas empresas privadas seriam permitidas e a criação de cooperativas seria encorajada. O objetivo final do PAIGC era o comunismo (embora nunca se tenha referido explicitamente como um partido marxista): a “liquidação progressiva da exploração do homem pelo homem, de todas as formas de subordinação do ser humano a interesses degradantes para o lucro de indivíduos, grupos ou classes”. A economia planeada seria “dirigida de acordo com os princípios do centralismo democrático”, dizia o programa. Esta é uma utilização estranha do termo centralismo democrático, que foi desenvolvido pelos bolcheviques para se referir ao trabalho unificado do partido revolucionário. O uso confuso do termo aqui na realidade prevê a gestão da economia por uma burocracia ilustrada que gere a riqueza do país no interesse do povo, o que resume em poucas palavras os problemas da revolução na Guiné-Bissau: a necessidade de fazer uma revolução socialista sem um verdadeiro movimento operário e sob uma direção pequeno-burguesa. Voltaremos a esta questão mais adiante.
A viragem para o campo
A repressão contra os trabalhadores nas cidades obrigou o PAIGC a voltar-se para uma luta de guerrilha baseada no campo. Este facto foi estimulado também pelo sucesso da Revolução cubana, o que aumentou o apelo da guerrilha como meio de tomada do poder (poucos se lembram da importância das mobilizações e greves de massas da classe operária cubana e das insurreições que abalaram as cidades cubanas no final dos anos 1950 e que foram vitais para o derrube de Batista).
Cabral e os seus homens criaram uma escola de quadros em Conacri, na vizinha Guiné, que se tinha tornado independente de França em 1958. Os militantes operários e intelectuais que se tinham consolidado nos primeiros anos de luta nas cidades foram enviados para Conacri para receberem formação política e depois transferidos para o interior da Guiné-Bissau para organizarem a guerrilha. O PAIGC instalou-se rapidamente nas florestas a sul do rio Geba e inicia uma guerra de desgaste bem-sucedida contra os imperialistas.
O caminho para a revolução difere de acordo com a composição económica e social de cada país. Os marxistas em geral rejeitam a luta guerrilheira e baseiam-se no movimento de massas dos trabalhadores nas cidades. No entanto, esta é uma premissa geral que pouco diz sobre as lutas concretas. A essência do bolchevismo é a flexibilidade das suas táticas e a sua adaptação às necessidades reais e à marcha real do processo revolucionário. Como disse Lenine:
“Absolutamente hostil a todas as fórmulas abstractas, a todas as receitas doutrinárias, o marxismo exige uma atitude atenta em relação à luta de massas em curso, a qual, com o desenvolvimento do movimento, com o crescimento da consciência das massas, com a agudização das crises económicas e políticas, gera métodos sempre novos e cada vez mais diversos de defesa e de ataque. Por isso o marxismo não renuncia absolutamente a nenhumas formas de luta. O marxismo não se limita em nenhum caso às formas de luta possíveis e existentes apenas num dado momento, reconhecendo a inevitabilidade de novas formas de luta, desconhecidas dos participantes do período dado, com a modificação da conjuntura social dada. O marxismo neste aspecto aprende, se assim nos podemos exprimir, com a prática das massas, está longe da pretensão de ensinar às massas formas de luta inventadas por «sistematizadores» de gabinete.”
Numa sociedade esmagadoramente agrária como a Guiné-Bissau, controlada militarmente por um opressor estrangeiro, o campesinato não podia deixar de desempenhar um papel central no movimento, sendo indispensável a utilização de táticas de guerrilha. Os camponeses da Guiné-Bissau, nomeadamente os balantas, tinham uma longa tradição de luta contra o imperialismo português, que não tinha conseguido “pacificar” totalmente as zonas rurais. Lisboa tinha lançado uma série de campanhas no interior do país para esmagar os nativos rebeldes, a última das quais em 1936. O problema destas formas de resistência camponesa primitiva é que se tratava de revoltas contra o opressor sem programa e sem estratégia para derrubar os imperialistas e transformar a sociedade. Era correto que o PAIGC tentasse dar uma expressão consciente à rebeldia incipiente dos camponeses, trazendo um programa socialista e anti-imperialista e organizando e unificando as revoltas espontâneas dos camponeses num movimento de âmbito nacional.
Como Lenine explicou, mesmo que as táticas de guerrilha possam, em determinadas condições, tornar-se um auxiliar útil para o movimento socialista, este deve dar prioridade ao movimento dos trabalhadores nas cidades e subordinar sempre a luta militar a considerações políticas. Não deve ceder aos preconceitos das massas, em particular dos camponeses, mas esforçar-se sempre por elevar o nível político e incutir uma visão global e geral da luta, afastando dos revolucionários o egoísmo, a estreiteza de espírito e o localismo. Nas condições em que a guerrilha se torne um meio de luta necessário, disse Lenine, deve ser “enobrecido pela influência esclarecedora e organizadora do socialismo“. Sob a direção de Cabral, o PAIGC tentou fazer isso, e com algum sucesso.
No entanto, é preciso salientar que, embora os esforços do PAIGC para mobilizar o campesinato fossem corretos, a sua viragem para o campo após o massacre de Pijiguiti foi demasiado categórica. A viragem tinha elementos de impaciência e de impressionismo após a derrota dos estivadores. O PAIGC apoia a guerrilha com todo o seu peso, voltando as costas às cidades, onde, como ele admitiu, “a organização do partido permanece na clandestinidade, em geral sob a direção de um número muito reduzido de indivíduos”. A abordagem correta deveria ter sido a de combinar as duas táticas, a luta urbana e a luta rural, e dar prioridade à luta clandestina nas cidades. Uma greve geral dos estivadores como a de 1959, por exemplo, era muito mais prejudicial para os imperialistas e um sucesso propagandístico maior e menos dispendioso para o movimento do que uma série de incursões armadas. Como o próprio Cabral admitiu, a pequena classe operária da província era muito mais recetiva às ideias radicais do que o campesinato e era mais consistente e corajosa no seu empenhamento na revolução. Além disso, como veremos mais adiante, devido à posição que ocupa na sociedade capitalista, a classe operária é a única força que pode desenvolver uma consciência socialista coerente.
Guerra revolucionária
Os revolucionários da Guiné-Bissau enfrentavam diferentes condições difíceis: “o subdesenvolvimento econômico, com consequente atraso social e cultural das massas populares, o tribalismo e outras contradições menore”. O PAIGC propôs-se lutar contra estes problemas. A organização criou escolas para alfabetizar as massas populares, ensinou português, promoveu a cultura e a literatura de base. Em 1968, 127 escolas primárias estavam a ser geridas pelo PAIGC nas zonas libertadas. Os homens de Cabral criaram clínicas médicas e tentaram melhorar a higiene das aldeias; em 1968, estavam em funcionamento quatro hospitais. Os médicos desertores do exército português e os voluntários de outros países africanos e de Cuba equipavam os hospitais e as clínicas. Criaram-se “armazéns do povo” como centros de comércio para substituir os antigos mercados portugueses.
O PAIGC formou escolas de quadros, trazendo ativistas operários e intelectuais das cidades às bases na floresta. Os combatentes, apesar do atraso da província e da sua origem social heterogénea, foram inculcando uma mentalidade socialista:
“Deparámo-nos com um outro problema difícil: apercebemo-nos de que precisávamos de ter pessoas com uma mentalidade que pudesse transcender o contexto da luta de libertação nacional e, por isso, preparámos um certo número de quadros do grupo que acabei de mencionar, alguns do pessoal empregado no comércio e outros assalariados, e até alguns camponeses. Para que pudessem adquirir aquilo a que se pode chamar uma mentalidade de classe operária. Poderão pensar que isto é absurdo – em todo o caso, é muito difícil; para que haja uma mentalidade de classe operária, devem existir as condições materiais da classe operária, deve existir uma classe operária. De facto, conseguimos inculcar estas ideias num grande número de pessoas – o tipo de ideias que existiria se houvesse uma classe trabalhadora.”
Propunha-se uma igualdade rigorosa entre homens e mulheres. O machismo foi constantemente combatido através de uma propaganda e da disciplina: “No começo”, explica Cabral, “os homens não queriam reuniões com as mulheres. Passo a passo, não forçámos, enquanto noutras áreas as mulheres entraram logo nas reuniões, sem problemas.” No decurso da luta, os preconceitos machistas foram gradualmente ultrapassados e as mulheres começaram a desempenhar um papel de destaque no movimento. Dizia Cabral: “Ǫueremos sublinhar, em particular, que as mulheres do nosso país estão a conquistar uma independência pela qual tantas lutaram sem sucesso. Viram, certamente, como havia mulheres à frente dos comités de tabanca [aldeia] e das zonas e até dos comités inter-regionais”.
As zonas libertadas eram administradas por comités de aldeia, onde a população local elegia novos representantes. Embora os quadros do PAIGC desempenhassem frequentemente um papel ativo nos comités, a escolha dos camponeses era geralmente respeitada. Como acontece em todas as revoluções, os jovens e as mulheres assumiram um papel muito ativo. Os comités organizam o esforço de guerra, as atividades de propaganda e a gestão dos novos serviços sociais criados pela guerrilha. Em 1970, existiam cerca de 400 comités de aldeia nas zonas libertadas. Como observou o historiador britânico Patrick Chabal (Amílcar Cabral: Revolutionary Leadership and People’s War, 1983):
“Não há dúvida de que, ao nível da aldeia, o sistema concebido pelo PAIGC funcionou de forma satisfatória e com o apoio da população. Isto deveu-se em grande parte à forma como o partido, as forças guerrilheiras e os comités de aldeia foram capazes de trabalhar em conjunto. Os escritos e discursos de Cabral enfatizavam constantemente a necessidade de desenvolver e manter esta harmonia. O controlo político do partido sobre as forças armadas e a política do PAIGC de “respeitar” os camponeses e de procurar melhorar as suas condições de vida contribuíram muito para assegurar a cooperação entre a população e o partido.”
Embora a liberdade religiosa fosse consagrada pelo PAIGC, todas as formas de discriminação religiosa eram proibidas e a superstição e o atraso eram combatidos com uma educação científica e laica. Explica Cabral: “Evitamos qualquer hostilidade para com estas religiões, para com o tipo de relações que o nosso povo ainda mantém com a natureza devido ao seu subdesenvolvimento económico. Mas opusemo-nos resolutamente a tudo o que fosse contrário à dignidade humana”.
A rejeição do tribalismo era um elemento importante na linha do PAIGC: a política tribal era vista como um elemento de atraso que tinha sido utilizado pelos portugueses para dividir o povo. “Eles [os imperialistas portugueses] exploraram as contradições tribais. Exploraram mesmo o racismo com base em pessoas mais claras e mais escuras. Exploraram a questão dos civilizados e dos incivilizados, etc., bem como a posição privilegiada dos chefes tradicionais”. O domínio dos chefes tribais, nomeadamente entre os fula, mais desenvolvidos economicamente, era uma forma rudimentar de exploração de classe que se tinha interligado ao sistema colonialista. A luta contra os imperialistas era, portanto, também uma luta contra os chefes tribais: “mesmo durante a luta temos de começar a explorar a contradição entre o povo fula e os seus chefes, que são muito próximos dos portugueses”. No entanto, o PAIGC tinha o cuidado de respeitar os costumes e as línguas locais, desde que não dividissem o povo ou contribuíssem para a sua exploração: “não impúnhamos aos balantes os costumes dos fulas ou dos mandingas. Defendemos com todas as nossas forças essas diferenças culturais, mas também combatemos com todas as nossas forças todas as divisões a nível político”. A linha geral de Cabral em relação à cultura era equilibrada e flexível. Apoiou-se nos aspetos mais dinâmicos e progressistas da cultura local e combateu os seus elementos opressivos e retrógrados, ao mesmo tempo que procurou inspirar-se e adaptar-se à cultura e à ciência ocidentais. Orgulhoso da cultura guineense e africana, nunca a fetichizou, abordando-a de um ponto de vista dialético e materialista. Vale a pena citar Cabral longamente sobre esta questão:
“Devemos pensar bem na nossa cultura: ela é ditada pela nossa condição econômica, pela nossa situação de subdesenvolvimento econômico. Temos que gostar muito da nossa cultura africana, nós queremo – la muito, as nossas danças, as nossas cantigas, a nossa maneira de fazer estátuas, canoas, os nossos panos, tudo isso é magnífico, mas se esperarmos só pelos nossos panos para vestirmos a nossa gente toda, estamos mal. Temos que ser realistas. A nossa terra é muito linda, mas se não lutamos para mudar a nossa terra, estamos mal. […] Temos que ter coragem para dizer isso claramente. Ninguém pense que a cultura de África, o que é verdadeiramente africano e que, portanto, temos de conservar para toda a vida, para sermos africanos, é a sua fraqueza diante da natureza. Qualquer povo do Mundo, em qualquer estado que esteja, já passou por essas fraquezas, ou há- de passar. […] Não podemos acreditar que ser africano é pensar que o homem não pode dominar as cheias dos rios. Quem dirige uma luta como a nossa, quem tem a responsabilidade duma luta como a nossa, tem que entender, pouco a pouco, que a realidade concreta é essa. […] O nosso Partido, no plano cultural, procurou tirar o maior efeito possível, o maior rendimento possível da nossa realidade cultural. Quer não proibindo aquilo que é possível não proibir sem prejudicar a luta, quer criando no espírito dos camaradas novas idéias, nova maneira de ver a realidade. E quer ainda, aproveitando o melhor possível todos aqueles que já tinham um pouco mais de instrução, tanto para dirigir a própria luta como para os mandar estudar para preparar quadros para o futuro. Pode parecer que tudo isso é muito simples, mas é difícil, é muito complicado chegar a uma solução como essa.”
O PAIGC tentou dar prioridade às considerações políticas sobre as questões militares; como disse Cabral, “a direção política e militar da luta é uma só: a direção política. Na nossa luta evitámos a criação de qualquer coisa militar. Somos um povo político e o nosso Partido, uma organização política, dirige a luta nos domínios civil, político, administrativo, técnico e, portanto, também militar. Os nossos combatentes são definidos como ativistas armados”. Os comissários políticos do partido supervisionavam o funcionamento dos diferentes destacamentos armados. Como se verá adiante, o partido também se empenhava numa luta constante contra o carreirismo, o oportunismo e o isolacionismo e para elevar o nível dos quadros. Cabral resumiu assim as tarefas e táticas do movimento em 1968:
a) melhorar e desenvolver constantemente o trabalho político entre as massas populares e as forças armadas, e preservar a todo o custo a nossa unidade nacional;
b) reforçar ainda mais a organização, a disciplina e a democracia no seio do nosso Partido, adaptando-o continuamente à evolução da luta, corrigindo os erros e exigindo dos dirigentes e militantes a aplicação rigorosa dos princípios que norteiam a nossa ação;
c) melhorar a organização das forças armadas, intensificar a nossa ação em todas as frentes e desenvolver a coordenação das nossas atividades militares;
d) aumentar o isolamento das forças inimigas, submetê-las a golpes decisivos e destruir os restos de tranquilidade de que ainda gozam em certos centros urbanos;
e) defender as nossas zonas libertadas contra os ataques terroristas do inimigo, garantir ao nosso povo a tranquilidade indispensável ao trabalho produtivo;
f) Estudar e encontrar as melhores soluções para os problemas económicos, administrativos, sociais e culturais das zonas libertadas, aumentar a produção industrial, ainda que rudimentar, e melhorar continuamente os serviços de saúde e de educação;
g) acelerar a formação de quadros;
h) lutar e eliminar as tendências para o oportunismo, o parasitismo, o carreirismo e o desvio da nossa ação em relação à linha geral definida pelo nosso Partido, ao serviço do nosso povo;
i) Reforçar e desenvolver as nossas relações com os povos, Estados e organizações de África e estreitar os laços de fraternidade que nos unem aos países vizinhos e aos povos das outras colónias portuguesas;
j) reforçar as nossas relações de colaboração sincera com as forças anti-colonialistas e anti-imperialistas, para uma cooperação útil na luta comum contra o colonialismo, o imperialismo e o racismo.
Com estas táticas, o PAIGC conquistou a simpatia de dezenas de milhares de camponeses e de habitantes das cidades. “As nossas montanhas”, disse Cabral, referindo-se às dificuldades de fazer uma guerrilha nas terras baixas da Guiné-Bissau, “são o povo”. É uma abordagem correta desta forma de luta que a distingue do aventureirismo, onde minorias impacientes se lançam em expedições armadas sem ter em conta o estado de espírito das massas e a situação histórica concreta. Noutros locais da África lusófona, o movimento de libertação nacional agiu de forma mais precipitada: em Moçambique, a FRELIMO, por exemplo, na crença de que as massas se juntariam atrás dela, lançou-se em várias ofensivas imprudentes em 1961, das quais só recuperou no início da década de 1970.
Com esta base, o PAIGC ganhou rapidamente terreno e, no início dos anos 70, controlava 60% do país, deixando os ocupantes encurralados nos seus complexos e nas principais cidades. E isto apesar dos métodos brutais utilizadas pelos portugueses, que dispunham do armamento mais avançado e mortífero dos americanos. “As zonas de controlo dos rebeldes”, comenta com preocupação o embaixador dos Estados Unidos em Dakar, “são como manchas de tinta, espalhadas pelo país e cada vez mais próximas da região de Bissau” (em Pietro Gljeises, Conflicting missions: Havana, Washington and Africa, 1959-1976, 2012, p.192).
O internacionalismo e a revolução portuguesa
“Sempre proclamámos claramente que nunca confundimos o povo de Portugal com o colonialismo português”, afirmou Cabral. Sem dúvida, um dos aspetos mais importantes da abordagem de Cabral à revolução foram os seus constantes apelos aos soldados, operários e camponeses portugueses e as tentativas de construir pontes de solidariedade com o povo da metrópole. Cabral compreendeu que Portugal era uma sociedade de classes e que ali estava também a amadurecer o processo revolucionário. Portugal estava oprimido por uma ditadura brutal que enviava dezenas de milhares de jovens para a morte numa guerra contra os seus irmãos e irmãs de classe nas colónias africanas, travada não no seu interesse, mas no interesse dos capitalistas e dos imperialistas. Ao contrário de outros pensadores anti-imperialistas como Frantz Fanon, para quem as classes trabalhadoras europeias eram basicamente reacionárias, Cabral tinha uma abordagem internacionalista da luta e via os povos da Europa como um aliado na revolução:
“Se, como tudo indica, o imperialismo existe e tenta simultaneamente dominar a classe operária em todos os países avançados e sufocar os movimentos de libertação nacional em todos os países subdesenvolvidos, então só há um inimigo contra o qual estamos a lutar. Se estamos a lutar juntos, então penso que o aspeto principal da nossa solidariedade é extremamente simples: é lutar.”
Para o PAIGC, o internacionalismo não era apenas uma questão de palavras, mas de atos. Os guerrilheiros evitavam qualquer forma de brutalidade desnecessária contra os soldados portugueses. Os prisioneiros de guerra eram tratados com respeito e muitas vezes eram libertados logo após a sua captura, depois de lhes terem sido explicados os objetivos da revolução e a necessidade de lutarem em conjunto contra a ditadura. Não foram efetuados ataques sistemáticos contra a população civil branca. A agitação era feita entre os soldados portugueses. É útil reproduzir um dos panfletos que Cabral dirigiu à tropa portuguesa:
“Soldados, sargentos e oficiais portugueses! Para quê morreram os vossos compatriotas, para quê vocês continuam a correr o risco permanente de morrer na nossa terra? Para quê? Para servir os interesses exploradores e criminosos da C. U. F., da Sociedade Comercial Ultramarina, do Banco Nacional Ultramarino dos colonialistas portugueses e dos seus patrões imperialistas. Para servir, afinal, os interesses de algumas famílias ricas de Portugal, os quais nada têm que ver com os verdadeiros interesses das vossas famílias e do vosso povo. Soldados, sargentos e oficiais portugueses, vocês sabem que o vosso povo, que tem de lutar pela liberdade e pela democracia na sua própria terra, precisa da vossa ajuda. As vossas famílias, na maior parte pertencentes às classes pobres de Portugal, desejam ardentemente o vosso regresso, para garantia do seu futuro do futuro dos vossos pais, mais, irmãs, noivas, filhos e filhas. É indispensável agir. Como jovens, vocês têm uma missão sagrada a cumprir na vossa pátria, que é a de lutar para poder construir um futuro digno para o vosso povo, que ainda vive na miséria, na ignorância e no sofrimento. Como homens conscientes, vocês têm o direito de desmascarar a mentira colonialista, de não obedecer às imposições duma causa injusta e perdida, para ajudar a humanidade a construir um mundo de liberdade, de paz e de bem-estar.
Esta propaganda teve um efeito poderoso sobre as tropas portuguesas. Segundo Patrick Chabal (1983, p. 148):
“As Forças Armadas portuguesas, sobretudo no final da guerra, ficaram particularmente impressionadas com a “conduta militar profissional do PAIGC”, que contrastava tão acentuadamente com a sua. O facto de os soldados feridos ou desertores serem bem tratados e finalmente libertados, repercutiu-se nos quartéis da Guiné. Carlos Fabião, que foi nomeado Governador da Guiné após a revolução de abril, contou a história de um soldado português que tinha sido dado por morto pela sua própria unidade. O PAIGC encontrou-o, transportou-o para um local seguro e prestou-lhe assistência médica que lhe salvou a vida. Mais tarde, foi libertado pelos nacionalistas. Estas histórias e os depoimentos de desertores portugueses que tinham sido bem tratados pelo PAIGC tiveram uma enorme influência sobre os recrutas portugueses. […] O coronel Fabião acrescentou que o exército português estava em vias de perder a guerra, não tanto por factores estritamente militares, mas devido à ‘vitória psicológica’ do PAIGC.”
“Estamos certos de que a eliminação do colonialismo português levará à destruição do fascismo português”, afirmou Cabral. Infelizmente, Cabral não viviu para ver a sua visão internacionalista concretizar-se. Em abril de 1974, um ano depois de Cabral ter sido assassinado pelos imperialistas portugueses, oficiais do exército, organizados sob o Movimento das Forças Armadas (MFA), organizaram uma revolta em Portugal que acordou as massas à luta, dando início a uma das maiores experiências revolucionárias do século XX. A revolução em Portugal pôs cobro à guerra colonial e assegurou a independência das colónias. A revolta dos oficiais não foi apenas fruto do cansaço da guerra, mas inspirou-se também na revolução dos países coloniais, cujas ideias emancipatórias tinham contagiado muitos soldados e oficiais portugueses. Não é por acaso que os oficiais mais radicais e de esquerda do MFA tinham servido na Guiné-Bissau. A maioria deles reconhece a influência que Cabral exerceu sobre eles. A revolução de 1974, de facto, nasceu em África.
A ala “guineense” do MFA que tinha a linha mais radical. O oficial Otelo de Carvalho, possivelmente a figura mais à esquerda no MFA, afirma ter sido radicalizado enquanto funcionário do gabinete de informação e propaganda da Guiné-Bissau portuguesa, quando teve de ler a propaganda do PAIGC e os escritos de Cabral.
Infelizmente, apesar da fraqueza da burguesia portuguesa em 1974-75 e do impulso das massas para o socialismo, a revolução portuguesa foi mantida sob controlo pela liderança dos partidos de esquerda, que asseguraram a sobrevivência do capitalismo no país. Se Portugal tivesse avançado para o socialismo, poderia ter dado um impulso adicional e um ponto de apoio à transformação socialista das antigas colónias.
O PAIGC também estabeleceu ligações com movimentos revolucionários de todo o mundo. Participaram na conferência Tricontinental em Havana, em 1966, onde Cabral proferiu um dos seus discursos mais famosos. Juntamente com o MPLA e a FRELIMO, criaram um organismo internacional para coordenar a luta nas três colónias portuguesas em África, a Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas (CONCP).
É de salientar o papel de Cuba na guerra de libertação e as relações fraternas entre os revolucionários guineenses e cubanos. Embora o bloco soviético, a China e outros governos africanos de esquerda tenham enviado armas e ajuda material ao PAIGC, a sua ajuda foi pouca comparada com o apoio entusiástico de Havana: enviou centenas de combatentes, médicos, mecânicos e conselheiros, bem como armas e material.
Isto aconteceu no período inicial após a vitória da revolução cubana em 1959, quando a direção cubana prosseguiu uma política de propagação da revolução a nível internacional, entrando mesmo em conflito com a política de “coexistência pacífica” da direção soviética estalinista. Mais tarde, esta situação viria a alterar-se.
Obstáculos à revolução
A Guiné-Bissau e Cabo Verde eram sociedades agrárias subdesenvolvidas, uma caraterística que partilhavam com a maior parte de África na altura da descolonização. O capitalismo colonial, particularmente sob o retrógrado e nefasto império português, não tinha conseguido desenvolver estas economias, transformando-as em fornecedores de matérias-primas baratas (e nesse sentido a Guiné-Bissau estava ainda mais subdesenvolvida que Moçambique ou Angola). Investiu em alguns sectores orientados para a exportação e ignorou o resto da economia, não conseguindo elevar o nível de vida dos camponeses, que representavam a esmagadora maioria da população. As aldeias viviam de uma agricultura rudimentar, com um baixo nível cultural e dominadas por tradições e superstições seculares, e com infraestruturas e comunicações disfuncionais ou inexistentes. Além disso, ao contrário dos trabalhadores rurais dos latifúndios comerciais angolanos e moçambicanos, os camponeses da Guiné-Bissau, como em grande parte de África, eram pequenos proprietários a quem era difícil apelar com base em slogans coletivistas e socialistas, e que inevitavelmente tendiam a ter uma visão estreita da política. Como admitiu Cabral, ao contrário dos trabalhadores, o principal desejo dos pequenos camponeses era ver os seus impostos reduzidos e obter melhores preços para os seus produtos e um melhor acesso aos mercados, e não lutar pelo socialismo. Explicava Cabral:
“[Na Guiné-Bissau] é preciso dizer desde já que o campesinato não é uma força revolucionária – o que pode parecer estranho, tanto mais que baseámos toda a nossa luta armada de libertação no campesinato. Há que distinguir entre uma força física e uma força revolucionária; fisicamente, o campesinato é uma grande força na Guiné: é a quase totalidade da população, controla a riqueza do país, é o campesinato que produz; mas sabemos por experiência as dificuldades que tivemos em convencer o campesinato a lutar. […Na Guiné, os camponeses estão sujeitos a uma exploração equivalente à escravatura; mas mesmo que se tente explicar-lhes que estão a ser explorados e roubados, é difícil convencê-los, através de uma explicação inexperiente de tipo técnico-económico, de que são os mais explorados; ao passo que é mais fácil convencer os trabalhadores e as pessoas empregadas nas cidades que ganham, digamos, 10 escudos por dia por um trabalho em que um europeu ganha entre 30 e 50, de que estão a ser sujeitos a uma exploração e a uma injustiça maciças, porque podem ver.”
O apoio dos camponeses à revolução é mais confuso e irresoluto do que o da classe operária. A classe operária em países como a Guiné-Bissau era minúscula – ainda mais pequena do que na Rússia em 1917. Nesta base, era difícil construir um sistema socialista saudável. Este só pode ser alcançado com base na classe operária urbana, com os seus instintos coletivistas, a sua concentração geográfica, o seu nível cultural mais elevado e, sobretudo, com o seu papel central na produção e distribuição industrial, que lhe permite derrubar os capitalistas através de lutas de massas e, mais tarde, gerir democraticamente a economia no interesse de toda a sociedade.
O campesinato está demasiado fragmentado, dividido e espalhado para liderar uma revolução democrática e socialista. Pode tornar-se uma força poderosa na revolução, sob a orientação de outra classe urbana. Na Guiné de Cabral, tal como em grande parte do mundo pós-colonial que foi afetado por convulsões sociais, a ausência de um proletariado deixou o campesinato sem uma verdadeira orientação revolucionária. Em vez disso, a liderança era assegurada por organizações militarizadas dirigidas por intelectuais pequeno-burgueses radicalizados, como o PAIGC, o MPLA, a FRELIMO ou a ZANU no Zimbabwe. Como Cabral admitiu no final da década de 1960, prefigurando os problemas que surgiriam após a libertação:
O nosso problema é ver quem é capaz de assumir o controlo do aparelho de Estado quando o poder colonial for destruído. Na Guiné, os camponeses não sabem ler nem escrever, não têm quase nenhuma relação com as forças coloniais durante o período colonial, exceto o pagamento de impostos, que é feito indiretamente. A classe operária quase não existe como classe definida, é apenas um embrião. Não existe uma burguesia economicamente viável porque o imperialismo impediu a sua criação. O que existe é uma camada de pessoas ao serviço do imperialismo que aprendeu a manipular o aparelho de Estado – a pequena burguesia africana: esta é a única camada capaz de controlar ou mesmo utilizar os instrumentos que o Estado colonial utilizou contra o nosso povo. Assim, chegamos à conclusão de que, nas condições coloniais, é a pequena burguesia que herda o poder do Estado (embora eu gostasse de poder estar errado).
Travando guerras de libertação prolongadas, estas organizações de guerrilha com direções pequeno-burguesas eram inevitavelmente hierárquicas e antidemocráticas, e nada tinham a ver com os conselhos de trabalhadores e sovietes das revoluções proletárias, que são órgãos democráticos de discussão e decisão. Mesmo o PAIGC dirigido por Cabral não foi capaz de ultrapassar a necessidade de centralização de cima para baixo das organizações militares. De facto, em algumas áreas, os líderes da guerrilha operavam de forma autónoma e até usavam a sua autoridade para se enriquecerem. Por isso, o PAIGC teve de efetuar purgas frequentes: “desenvolveram-se certas tendências para o isolamento, tendências para ignorar outros grupos e para não coordenar a ação. Perante isto, decidimos realizar o nosso Congresso em 1964, o que marcou uma viragem decisiva na nossa luta. Nesse Congresso tomámos uma série de medidas disciplinares, entre as quais a detenção, o julgamento e a condenação de alguns dirigentes da guerrilha”.
Bonapartismo proletário
Noutros países africanos pós-coloniais, como no Burkina Faso com Thomas Sankara, na Somália com Siad Barre, na Etiópia com Mengistu, a abolição do capitalismo foi levada a cabo de cima para baixo pelo exército, sob a direção de oficiais de esquerda. No entanto, o que vemos de novo é a ausência do impulso democrático e de massas do proletariado. Todas estas revoluções também tenderam a mostrar uma tendência para a centralização do poder nas mãos de indivíduos isolados. Alguns instauraram regimes despóticos e tirânicos, como Mengistu na Etiópia ou Mugabe no Zimbabué; outros, como Sankara no Burkina Faso ou Amílcar Cabral na Guiné, desempenharam um papel mais heroico e é por isso que continuam a ser uma fonte de inspiração para muitos hoje em dia. No entanto, quer sejam heróis ou vilões, a emergência de líderes carismáticos ditatoriais reflete a ausência de um movimento operário organizado que pudesse substituir ou subsumir essas figuras. Com efeito, a fragmentação do campesinato e a heterogeneidade e vacilação dos intelectuais pequeno-burgueses e dos oficiais do exército deram origem a movimentos revolucionários heterogéneos e vacilantes que abriram a porta à centralização do poder nas mãos de indivíduos bonapartistas.
Não é por acaso que todos estes processos revolucionários acabaram por falhar. Os governos de esquerda radical ou foram derrubados, como no Burkina Faso, na Somália ou na Etiópia, ou rapidamente se burocratizaram e se tornaram corruptos, acabando por reintroduzir o capitalismo, como na Guiné Francesa, em Moçambique ou em Angola. Aquilo a que Cabral chamou o “cancro da traição”, após o derrube do presidente de esquerda do Gana, Nkrumah, espalhou-se rapidamente. A ausência de uma base social sólida para a revolução, que poderia ter sido fornecida pela classe trabalhadora, e a liderança pequeno-burguesa dos movimentos anti-imperialistas, asseguraram a sua rápida degeneração ou derrube. O fracasso da primeira vaga de revoluções socialistas após a descolonização, nas décadas de 1960-1980, abriu caminho a uma longa contrarrevolução, caracterizada por guerras civis, pelo colapso dos novos Estados, pelo florescimento do tribalismo e do fundamentalismo, pela ascensão de ditaduras brutais e pela continuação do domínio de África pelo imperialismo.
Amílcar Cabral foi assassinado em janeiro de 1973, em Conacri, por elementos corruptos do seu próprio movimento, liderados por Inocêncio Kani, um guerrilheiro descontente que tinha sido afastado sob a acusação de falta grave. Estes tentaram organizar um golpe de Estado no seio do PAIGC com a ajuda ativa do regime português e da PIDE. Embora tragicamente Amílcar Cabral tenha sido morto, o golpe falhou e o seu irmão Luiz Cabral assumiu o poder e supervisionou a libertação do país. Tentou levar a cabo o programa do PAIGC, nacionalizando os principais sectores da economia e lançando um ambicioso programa de desenvolvimento e unificação nacional. No entanto, as tentativas de Luiz para industrializar o país exigiram uma forte tributação dos camponeses e uma concentração dos investimentos nas cidades, o que levou a uma quebra da produção agrícola e à escassez de alimentos nas zonas urbanas.
Assim, os camponeses desencantaram-se com o PAIGC e o partido tornou-se cada vez mais ossificado e centralizado nas mãos de Luiz. Em 1980, foi derrubado por um golpe de Estado militar que levou ao poder o regime de João Vieira, que gradualmente reintroduziu o capitalismo (Chabal, 1983, pp. 164-65). Na década de 1990, o país foi devastado por uma guerra civil, quando fações pequeno-burguesas ambiciosas por conquistar o aparelho de Estado tentaram derrubar a camarilha no poder. Atualmente, a Guiné-Bissau é um dos países mais pobres do mundo.
Era evidente que o capitalismo era incapaz de desenvolver estes países e de os fazer sair do seu atraso. Não só isso, como também era evidente que, com base no capitalismo, não era possível alcançar uma verdadeira soberania nacional. As burguesias nacionais destas regiões coloniais, na medida em que existissem, não poderiam desempenhar um papel independente e tornar-se-iam uma muleta corrupta para o imperialismo, que continuaria a dominar indiretamente. Só uma economia socialista planificada poderia modernizar estes países; por conseguinte, uma verdadeira revolução anticolonial para a libertação nacional tinha de ter um carácter socialista. Ao mesmo tempo, a classe trabalhadora destes países era extremamente pequena (em alguns sítios praticamente inexistente) e a base material para construir o socialismo era muito fraca. Isto deu origem a um fenómeno a que o marxista sul-africano Ted Grant se referiu como “bonapartismo proletário”: o derrube do capitalismo foi levado a cabo sob a liderança de sectores radicalizados da pequena burguesia, que, no entanto, não seriam capazes de construir democracias socialistas saudáveis. Cabral estava bem ciente dos problemas do Bonapartismo proletário, e muitos dos seus escritos são dedicados a estas questões. Ele estava bem ciente de que: “só duas vias são possíveis para uma nação independente: voltar à dominação imperialista (neocolonialismo, capitalismo, capitalismo de Estado) ou adotar a via socialista”.
No entanto, só a classe operária pode construir o socialismo devido à sua capacidade de tomar posse das alavancas da economia. Ou o capital imperialista dominaria, ou a classe operária assumia o controlo:
“O poder político (o Estado) se alicerça na capacidade econômica da classe dirigente e, nas condições da sociedade colonial e neocolonial, essa capacidade está detida nas mãos de duas entidades: o capital imperialista e as classes trabalhadoras nativas.”
A revolução necessitava “a existência significativa de classes de vanguarda (classe operária consciente de si a proletariado rural) que poderiam garantir a vigilância das massas populares sobre a evolução do movimento de libertação”. No entanto, Cabral fazia face à ausência de uma verdadeira classe operária e a consequente centralidade da pequena burguesia no movimento revolucionário:
“A pequena burguesia, enquanto classe de serviços (ou seja, uma classe que não está diretamente envolvida no processo de produção) não possui a base económica para garantir a tomada do poder. De facto, a história tem demonstrado que, independentemente do papel – por vezes importante – desempenhado por indivíduos provenientes da pequena burguesia no processo de uma revolução, esta classe nunca possuiu o controlo político. E nunca o pôde possuir.”
Cabral prefigurou o destino de muitos movimentos revolucionários africanos:
“Para conservar o poder que a libertação nacional lhe coloca nas mãos, a pequena burguesia só tem um caminho: dar rédea solta às suas tendências naturais para se tornar mais burguesa, permitir o desenvolvimento de uma burguesia burocrática e intermediária no ciclo comercial, para se transformar numa pseudo-burguesia nacional.”
Noutro lugar, ele observou:
“É preciso, no entanto, tomar em consideração o fato que, perante a perspectiva de independência política, a ambição e o oportunismo que afetam em geral o movimento de libertação podem levar à luta indivíduos não reconvertidos [isto é, que não se livraram da sua mentalidade pequeno-burguesa]. Estes, com base no seu nível de instrução, nos seus conhecimentos científicos ou técnicos, e sem perderem em nada os seus preconceitos culturais de classe, podem atingir os postos mais elevados do movimento de libertação. Isto revela como a vigilância é indispensável.”
O risco de tendências oportunistas existia não só entre a pequena burguesia lusófona assimilada, gerada pelos colonialistas, mas também entre as elites tribais tradicionais:
“Vários chefes tradicionais e religiosos integram-se na luta desde o inicio ou no seu decurso, dando uma contribuição entusiasta à causa da libertação. Mas ainda neste caso a vigilância é indispensável: mantendo bem firmes os seus preconceitos culturais de classe, os indivíduos desta categoria vêem em geral no movimento de libertação o único processo válido para, servindo-se dos sacrifícios das massas populares, conseguirem eliminar a opressão colonial sobre a sua própria classe e restabelecerem assim o seu domínio político e cultural absoluto sobre o povo.”
De facto, Cabral predisse a utilização do tribalismo por parte de líderes burgueses oportunistas que conduziria a tanto derramamento de sangue nas décadas seguintes:
“Só os oportunistas políticos são tribalistas: indivíduos que até frequentaram universidades europeias; que frequentaram os cafés de Bruxelas, Paris, Lisboa e outras capitais; que estão completamente afastados dos problemas do seu próprio povo – podem ser chamados de tribais, esses indivíduos que, por vezes, até desprezam o seu próprio povo, mas que, por ambição política, se aproveitam de atitudes que ainda existem na mente do nosso povo para tentar alcançar os seus objetivos oportunistas, os seus objetivos políticos, para tentar saciar a sua sede de poder e de domínio político.”
Na sua opinião, a sobrevivência e a consolidação das revoluções que, na ausência de um verdadeiro movimento operário, eram dirigidas pela pequena burguesia radicalizada, dependiam do “suicídio” da pequena burguesia como classe depois de ter tomado o poder: “a pequena burguesia revolucionária deve ser capaz de suicidar-se como classe”.
Como se tornou claro em retrospetiva, este suicídio não aconteceu. Sobretudo quando os movimentos de massas diminuíram após a independência, os elementos oportunistas que se tinham tornado fortes no movimento de libertação conseguiram afirmar-se e deslocar os revolucionários honestos. O controlo sobre o Estado produz o perigo de uma degeneração burocrática que só pode ser travada através do controlo democrático da classe trabalhadora e da vigilância revolucionária da direção. Nos países subdesenvolvidos, com uma classe operária pequena ou inexistente, onde o nível cultural e material geral é baixo e a pobreza é generalizada, as degenerações burocráticas surgem mais rapidamente e de forma mais destrutiva, uma vez que existe uma tentação incontrolada entre os funcionários pequeno-burgueses de explorar as suas posições de poder.
Cabral e a revolução permanente
Cabral compreendeu muitos dos desafios da revolução num país como a Guiné- Bissau. Por um lado, sabia que a burguesia autóctone, a que se referia como “pseudo- burguesia” devido à sua fraqueza e atraso, não podia desempenhar o papel progressista que as burguesias europeias tinham desempenhado nos séculos XVII e XVIII, desenvolvendo, unificando e modernizando o país: “a pseudo-burguesia nativa, seja qual for o seu grau de nacionalismo, não pode desempenhar efetivamente a função histórica que caberia a essa classe, não pode orientar livremente o desenvolvimento das forças produtivas, em suma, não pode ser uma burguesia nacional.”
A burguesia nativa cairia sob a influência dos velhos senhores imperiais e tornar-se- ia um intermediário para a continuação da pilhagem dos imperialistas – a independência sob o capitalismo só daria origem ao que Cabral chamava de “neocolonialismo”. Cabral partilhava o entendimento de Lenine sobre o imperialismo: era “a fase monopolista do capitalismo”, produzida pela necessidade objetiva de as forças produtivas romperem os grilhões do Estado-nação. Para combater verdadeiramente o imperialismo era preciso combater o capitalismo. De facto, Cabral acreditava corretamente que a independência das colónias não contradizia os objetivos dos imperialistas, que se contentavam em dar poder às burguesias locais para administrarem os seus interesses. O que preocupava os imperialistas era o facto de a luta de libertação nacional poder transformar-se numa revolução socialista:
“Pensamos que há algo de errado na simples interpretação do movimento de libertação nacional como uma tendência revolucionária. O objetivo dos países imperialistas era impedir o alargamento do campo socialista, libertar as forças reacionárias dos nossos países que estavam a ser asfixiadas pelo colonialismo e permitir que essas forças se aliassem à burguesia internacional. O objetivo fundamental era criar uma burguesia onde ela não existia, para reforçar precisamente o campo imperialista e capitalista. Esta ascensão da burguesia nos novos países, longe de ser de todo surpreendente, deve ser considerada absolutamente normal, é algo que tem de ser enfrentado por todos aqueles que lutam contra o imperialismo.”
Consequentemente, o PAIGC adoptou um programa socialista de expropriação da classe dominante e planificação económica, única forma de desenvolver verdadeiramente o país. Porém, Cabral era confrontado pela ausência de uma classe operária na qual basear a revolução, e a subsequente dependência da revolução em relação à pequena burguesia. De facto, ele previu tacitamente a rápida restauração do capitalismo em países como Angola, Moçambique, Burkina Faso ou a sua Guiné-Bissau natal:
“Do mesmo modo, temos de enfrentar a questão de saber se o socialismo pode ou não ser estabelecido imediatamente após a libertação. Isso depende dos instrumentos utilizados para efetuar a transição para o socialismo; o fator essencial é a natureza do Estado, tendo em conta que, após a libertação, teremos de encontrar pessoas para controlar a polícia, as prisões, o exército, etc., e muito depende de quem são essas pessoas e do que tentem fazer com esses instrumentos.”
Isto fê-lo hesitar sobre o carácter da revolução e a viabilidade do socialismo em países coloniais não industrializados. Com efeito, apesar de a sua análise socioeconómica da Guiné-Bissau se basear numa interpretação marxista e de o seu ponto de vista se aproximar de uma perspetiva marxista, acreditando na vitória final da revolução socialista, Cabral recusou-se a classificar o PAIGC como uma organização comunista. Cabral foi, de facto, influenciado pelo estalinismo e pelo maoísmo, que predicavam a união dos movimentos de liberação com a “burguesia nacional”, e isto explica o facto de ele ter flertado com a teoria da colaboração de classes em duas fases:
“Estamos, por isso, confrontados com o problema de decidir se devemos travar uma luta aberta contra a burguesia desde o início ou se devemos tentar fazer uma aliança com a burguesia nacional, para tentar aprofundar a contradição absolutamente necessária entre a burguesia nacional e a burguesia internacional que promoveu a burguesia nacional à posição que ocupa.”
No entanto, a corrupção e a fraqueza da burguesia nacional tornaram-no cético em relação a esta ideia. Apesar das suas dúvidas e questões não resolvidas sobre a natureza da revolução, Cabral chegou a uma conclusão fundamental: o êxito final do socialismo nos países coloniais subdesenvolvidos estava ligado ao derrube do capitalismo nos países avançados, e os movimentos de libertação nacional podiam estimular e acelerar a revolução no mundo industrializado. Ele explicou:
“Do nosso ponto de vista, o neocolonialismo (a que podemos chamar imperialismo racionalizado) é mais uma derrota para a classe trabalhadora internacional do que para os povos colonizados. O neocolonialismo está a atuar em duas frentes – tanto na Europa como nos países subdesenvolvidos. O seu quadro atual nos países subdesenvolvidos é a política de ajuda, e um dos objetivos essenciais desta política é criar uma falsa burguesia para travar a revolução e alargar as possibilidades da pequena burguesia como neutralizadora da revolução; ao mesmo tempo, investe capital em França, Itália, Bélgica, Inglaterra, etc. Na nossa opinião, o objetivo disto é estimular o crescimento de uma aristocracia operária, alargar o campo de ação da pequena burguesia de modo a bloquear a revolução. Em nossa opinião, é sob este aspeto que o neocolonialismo e as relações entre o movimento operário internacional e os nossos movimentos devem ser analisados. Se alguma vez houve dúvidas sobre as relações estreitas entre a nossa luta e a luta do movimento operário internacional, o neocolonialismo provou que não precisa de as haver.”
Cabral considerou que o desenvolvimento combinado e desigual do capitalismo permitia que os países atrasados saltassem para a fase burguesa do desenvolvimento, utilizando a enorme tecnologia e riqueza existentes nos países mais avançados. A emergência de um campo socialista permitia potencialmente que os Estados juntassem recursos e que os países mais pobres beneficiassem da ajuda dos mais ricos. O seu ponto de vista sobre o desenvolvimento desigual da humanidade e a capacidade de saltar etapas históricas é aqui delineado:
“Ao nível da humanidade ou de parcelas da humanidade (agrupamentos humanos duma mesma região ou de um ou mais continentes), essas três fases (ou duas delas) [comunismo primitivo, capitalismo, socialismo] podem ser concomitantes, como o provam tanto a realidade atual como o passado. Isso resulta do desenvolvimento desigual das sociedades humanas, quer por razões internas quer pela influência aceleradora ou retardadora de algum ou alguns fatores externos sobre a sua evolução. Por outro lado, no processo histórico dum dado conjunto socioeconômico, cada uma das fases referidas contém, a partir de um certo nível de transformação, os germes da fase seguinte.
Devemos notar também que, na fase atual da vida da humanidade e para um dado conjunto socioeconômico, não é indispensável a sucessão no tempo das três fases caracterizadas. Qualquer que seja o nível atual das suas forças produtivas e da estrutura social que a caracteriza, uma sociedade pode avançar rapidamente, através de etapas definidas e adequadas às realidades concretas locais (históricas e humanas), para uma fase superior de existência. Tal avanço depende das possibilidades concretas de desenvolver as suas forças produtivas e é condicionado principalmente pela natureza do poder político que dirige essa sociedade, quer dizer, pelo tipo de Estado ou, se quisermos, pela natureza da classe ou classes dominantes no seio dessa sociedade.
Uma análise mais pormenorizada mostrar-nos-ia que a possibilidade dum tal salto no processo histórico resulta fundamentalmente, no plano econômico, da força dos meios de que o homem pode dispor na atualidade para dominar a natureza e, no plano político, deste acontecimento novo que transformou radicalmente a face do mundo e a marcha da história — a criação dos Estados socialistas.”
Não se sabe ao certo que influência Amílcar Cabral poderia ter tido se tivesse vivido para ver o sucesso do PAIGC. Teria, sem dúvida, exercido uma grande influência não só na revolução da Guiné-Bissau, mas em todo o mundo. No entanto, como salientou Ted Grant, num país colonial como a Guiné-Bissau, mesmo sob a liderança marxista mais perspicaz:
“A conquista do poder pelo proletariado e o estabelecimento de uma democracia operária só poderia ser um episódio, a que se seguiria a deformação ou a contrarrevolução sob a forma estalinista, se não fosse seguida, num período histórico relativamente curto, pela vitória da revolução nos países capitalistas avançados. É claro que, mesmo como um “episódio”, isso teria um enorme significado histórico para o proletariado dos países capitalistas avançados, bem como para os povos das zonas subdesenvolvidas do mundo. Mas mesmo a melhor teoria revolucionária não pode resolver o problema sem a necessária base material.”
De uma forma confusa e hesitante, Cabral aproximava-se da teoria da revolução permanente, desenvolvida por Trotsky para estudar a revolução na Rússia czarista atrasada. Sem dúvida, a influência negativa do estalinismo deturpou parcialmente as ideias de Cabral. A distorção do marxismo pelos estalinistas, a obliteração do legado de Trotsky, as suas políticas colaboracionistas de classe, as suas reviravoltas oportunistas, o seu historial sangrento, ditado pelos interesses da burocracia, e a corrupção dos sistemas que defendiam, criaram uma espessa crosta ideológica e política que revolucionários honestos como Cabral tiveram de tentar romper com esforço. Cabral hesitou em identificar-se abertamente com as doutrinas “marxistas-leninistas” oficiais do bloco soviético; de acordo com o seu biógrafo, o historiador burguês Patrick Chabal (1983, p. 169), “ele passou a encarar o marxismo como uma metodologia e não como uma ideologia. […] Embora o fio condutor da sua argumentação seja indubitavelmente marxista, o que é mais interessante são as qualificações e inovações que Cabral faz”.
A cisão sino-soviética e as disputas entre as burocracias só vieram aumentar a confusão e as distorções, e dificultaram a visão da solidariedade e da integração harmoniosa do campo socialista. A isto juntou-se o atraso da revolução nos países industrializados do Ocidente, com o boom económico do pós-Segunda Guerra Mundial, e o fortalecimento do reformismo nas organizações da classe trabalhadora nesses países, que os impediu de desempenhar o papel de liderança na revolução mundial que deveriam ter desempenhado. O atraso da revolução no Ocidente ajudou a dar origem a movimentos bonapartistas proletários no mundo colonial.
À luz de tudo isto, não é surpreendente que a principal limitação teórica de Cabral tenha sido a tentativa de resolver os problemas da revolução anticolonial dentro dos estreitos limites da Guiné-Bissau, onde não poderiam ser fundamentalmente resolvidos. Fazendo eco dos regimes estalinistas, Cabral tendia a encarar o internacionalismo como uma forma abstrata de solidariedade e não como a interligação dos movimentos revolucionários e a integração genuína dos países socialistas, defendida pela Internacional Comunista nos seus primeiros anos. Mas esta atitude foi sem dúvida moldada pelo conservadorismo e oportunismo dos partidos estalinistas na Europa e dos governos do bloco soviético. Também refletia as condições de uma luta de libertação nacional, quando a prioridade é expulsar os imperialistas do país. No entanto, como Ted Grant explicou em 1964, falando sobre os movimentos socialistas de libertação nacional em África e na Ásia:
“O internacionalismo não foi concebido como uma festa ou uma frase sentimental, mas como uma parte orgânica da revolução socialista. O internacionalismo é uma consequência da unidade da economia mundial, unidade que era a missão histórica do capitalismo… Se a Rússia, com todos os seus imensos recursos, e um proletariado altamente consciente, com a melhor liderança marxista, não conseguiu resolver os seus problemas apesar da sua base continental e dos seus recursos, é ridículo para os marxistas pensar sequer que na atual conjuntura mundial seria possível, em qualquer um destes países atrasados, isolados de qualquer Estado operário saudável, manter algo mais do que um Estado Bonapartista de carácter mais ou menos repressivo.”
O internacionalismo e a liderança consciente – os dois andam juntos – são uma parte orgânica do marxismo. Sem eles, é impossível dar os passos necessários na direção da sociedade socialista. Nenhum destes Estados é, em proporção à população, tão desenvolvido industrialmente como era a Rússia na altura da revolução. O desenvolvimento industrial de uma economia atrasada, com a pressão do imperialismo e do bonapartismo soviético e chinês, a pressão das contradições internas que uma economia em desenvolvimento significaria, inevitavelmente, numa economia de escassez, levaria à ascensão de camadas privilegiadas.”
Para Trotsky, a burguesia russa não podia desempenhar o papel progressista que as suas congéneres tinham desempenhado na Europa Ocidental. Atrasada historicamente, tinha entrado no mundo numa altura em que já existia um movimento operário organizado, com ideias e um programa próprios, lançando a burguesia numa aliança com as elites feudais e a autocracia. Além disso, com a ascensão do capitalismo financeiro e monopolista, a antiga ordem feudal foi integrada no sistema capitalista: os latifundiários investiram na indústria e os proprietários de fábricas investiram na propriedade fundiária; a Igreja hipotecou as suas propriedades; os exércitos imperiais celebraram contratos lucrativos com os industriais; as velhas dinastias acumularam dívidas maciças. A igreja hipotecou as suas propriedades aos bancos; os exércitos imperiais celebraram contratos lucrativos com industriais; as velhas dinastias acumularam dívidas enormes. Por conseguinte, a divisão nítida entre as classes burguesa e feudal que existia nos séculos XVII e XVIII esbateu-se. As tarefas da revolução burguesa (desmantelamento da ordem feudal, unificação do país, democratização e secularização, redistribuição das terras, desenvolvimento do país e superação do atraso, etc.) recaíam sobre o pequeno movimento operário, que seria capaz de arrastar o campesinato à luta. No entanto, este não poderia parar na fase burguesa da revolução, mas, impulsionado pela oposição das classes proprietárias e pela incapacidade de efetuar reformas sérias na base do capitalismo, teria de derrubar a burguesia e avançar para o socialismo. É claro que a base material para o socialismo num país como a Rússia czarista era insuficiente, e a sobrevivência a longo prazo da revolução e a consolidação do socialismo genuíno dependiam da revolução nos países avançados do Ocidente. A revolução nos países atrasados poderia dar um poderoso impulso à revolução no mundo industrializado.
No antigo império português, as revoluções socialistas lideradas pela pequena burguesia poderiam sobreviver e enraizar-se se se espalhassem por países mais avançados, que poderiam ter fornecido a tecnologia, a orientação e os conhecimentos necessários para modernizar e desenvolver as sociedades menos desenvolvidas. As revoluções no mundo colonial tiveram um efeito radicalizador em toda a Europa e na América do Norte. Em Portugal, contribuíram para criar uma situação revolucionária que poderia ter derrubado o capitalismo. Mais importante, talvez, foi o impacto destas revoluções no continente africano. Nesses anos, o papel de ponta de lança da revolução africana coube, sem dúvida, à África do Sul, o país mais industrializado, moderno e urbanizado do continente, com uma classe operária poderosa e bem organizada. Se Cuba, uma pequena e pobre ilha do outro lado do Atlântico, foi capaz de dar um extraordinário estímulo político, material e militar aos movimentos revolucionários de libertação em África, o papel de uma África do Sul socialista e saudável poderia ter sido decisivo para a construção do socialismo em todo o continente. Na década de 1980, a África do Sul fervilhava de agitação revolucionária, em parte sob a inspiração de outros movimentos revolucionários da região e do mundo. No início dos anos 90, a classe operária sul-africana poderia facilmente ter tomado o poder de forma pacífica. Foi a traição dos dirigentes do ANC e do SACP que impediu que isso acontecesse.
É também de salientar o potencial de um Portugal socialista para liderar a transformação socialista da África lusófona. Como já foi dito, em 1974-1975 o capitalismo estava por um fio em Portugal, e só o papel traiçoeiro das lideranças socialistas e comunistas salvou o sistema. Cabral acreditava que, após o derrube do fascismo em Portugal, o país poderia desempenhar um papel poderoso e construtivo nas ex-colónias, ajudando-as a desenvolverem-se numa base fraterna. No entanto, isso só poderia ser feito por um Portugal socialista e com a classe operária no poder, onde a economia estaria democraticamente planeada no interesse da maioria. O Portugal capitalista continuou a desempenhar um papel imperialista nas suas antigas colónias: hoje, a Guiné-Bissau importa a maior parte dos seus produtos manufacturados de Portugal, enquanto continua a ser um exportador de amendoins e nozes, como acontecia no tempo do império.
A revolução africana hoje
Muito mudou desde os tempos de Cabral e do PAIGC. Em 1966, Cabral previu que, se a primeira ronda da revolução socialista fracassasse em África e se os novos Estados independentes caíssem de novo sob a bota do imperialismo e do capitalismo, a industrialização progressiva destes países daria origem a uma classe operária que reuniria atrás de si as outras camadas oprimidas da sociedade e lideraria uma nova vaga revolucionária mais poderosa:
“O caráter necessariamente repressivo do Estado neocolonial contra as forças de libertação nacional, o agravamento das contradições de classe, a permanência objetiva de agentes e de sinais de dominação estrangeira (colonos que conservam os seus privilégios, forças armadas, discriminação racial), a crescente pauperização do campesinato e a influência mais ou menos notória de fatores exteriores, contribuem para manter acesa a chama do nacionalismo, conscientizar progressivamente largas camadas populacionais e reunir, precisamente com base na consciência da frustração neocolonialista, a maioria da população em torno do ideal da libertação nacional.
Além disso, enquanto a classe dirigente nativa se “emburguesa” cada vez mais, o desenvolvimento duma classe trabalhadora integrada por operários citadinos e por proletários agrícolas — todos explorados pela dominação indireta do imperialismo, abre perspectivas novas à evolução da libertação nacional. Essa classe trabalhadora, qualquer que seja o grau de desenvolvimento da sua consciência política (para além dum limite mínimo que é a consciência das suas necessidades), parece constituir a verdadeira vanguarda da luta de libertação nacional no caso neocolonial.”
Cabral tinha razão. Nas últimas décadas, a maioria dos países africanos passou por processos de industrialização e urbanização, e uma poderosa classe trabalhadora surgiu em muitos países anteriormente camponeses, particularmente em lugares como a Nigéria e a Etiópia. A industrialização capitalista espasmódica também exacerbou as contradições de classe, aumentando a desigualdade e o desemprego e atirando sectores inteiros da população para a marginalidade e a miséria. Pouco contribuiu para resolver os problemas fundamentais das sociedades africanas, tendo-os antes exacerbado. Estas contradições estão agora a ser agravadas pela crise capitalista e pelos problemas económicos da China. África está madura para a revolução. Estão reunidas as condições para o derrube do capitalismo, que abriria caminho a uma rápida transformação das sociedades africanas e provocaria ondas de choque em todo o mundo, sobretudo em países muito ligados a África como Portugal.
A burguesia “nacional” africana fraca, podre e dependente há muito tempo demonstrou ser completamente incapaz de desenvolver qualquer um destes países numa base progressiva. A lição a tirar é clara: só com a abolição do capitalismo, liderada pela jovem classe trabalhadora que se desenvolveu nas últimas décadas, e em ligação com o movimento revolucionário nos países capitalistas avançados é que se pode oferecer qualquer perspetiva para o futuro. Armados com as ideias do marxismo revolucionário e com o legado heroico de Amílcar Cabral, Thomas Sankara e outros revolucionários, é tempo de içar de novo a bandeira da revolução africana e de lutar até à vitória. A luta continua!