Passou-se cerca de um ano desde que o COVID-19 foi declarado uma pandemia global. Mais de dois milhões de pessoas morreram como resultado direto do vírus até ao dia de hoje. Muitos mais morreram por causas auxiliares. Enquanto as vacinas em circulação oferecem um raio de esperança para as massas, que estão presas a um ciclo de isolamento e precariedade, a crise está longe de acabar. Até porque o protecionismo e o “nacionalismo vacinal” estão a impedir bilhões de pessoas de aceder aos recursos que salvam vidas. Quando é que vai tudo acabar?
Alguns cientistas e políticos estão-se a preparar para aceitar um novo normal, em que o coronavírus é simplesmente gerenciado a longo prazo, como a gripe sazonal. Outros apontam para histórias de sucesso como a Nova Zelândia e defendem uma estratégia de eliminação da COVID, com medidas rigorosas para reduzir os números ao ponto de qualquer novo caso poder ser facilmente identificado e contido.
Em qualquer caso, a pandemia continua a revelar que o capitalismo está completamente desequipado para lidar com uma crise global desta natureza. Com a ambição de curto prazo de proteger os lucros, os patrões e os seus representantes deixaram cicatrizes na sociedade que provavelmente nunca vão ser totalmente curadas.
Assassinato social
O editor executivo da British Medical Jornal (dificilmente um órgão revolucionário) escreveu recentemente um artigo citando Friedrich Engels, que definiu “assassinato social” em A Condição da Classe Trabalhadora na Inglaterra ( 1845):
“Quando a sociedade coloca centenas de proletários numa posição em que eles inevitavelmente enfrentam uma morte natural antecipada, tanto uma morte por violência, como pela espada ou bala; quando priva milhares do necessário da vida, coloca-os em condições nas quais não podem viver… quando sabe que estes milhares de vítimas podem perecer, e ainda assim permite que estas condições permaneçam, o seu ato é de assassinato… o que não parece o que é…porque a morte da vítima parece natural… mas permanece assassinato.”
O documento conclui que, pela definição de Engels, a negligência criminosa e a incompetência da classe dominante durante esta pandemia equivalem a assassinato social em larga escala.
Desde o confinamentos tardios e ineficazes; à venda de contratos de rastreio e Equipamento de Proteção a parceiros do sector privado; às mensagens públicas sem esperança; ao apoio inadequado às pessoas obrigadas a abandonar o trabalho: os políticos têm exacerbado esta catástrofe vezes sem conta.
As mortes por COVID-19 em cinco países (EUA, Brasil, Índia, México e Reino Unido) representam metade do número mundial de mortes até ao momento. Este último tem visto mortes equivalentes a cerca de 1 em 500 de toda a população: o dobro das baixas civis da Segunda Guerra Mundial.
Países como os EUA e a Grã-Bretanha partilharam um factor comum na sua abordagem à COVID-19: concentraram-se em proteger primeiro as suas economias e em proteger vidas em segundo lugar. Como se verifica, ambos os países falharam tanto a proteger a saúde pública como a economia. Um artigo de investigação publicado em Novembro aponta:
“Os países que se concentraram primeiro em medidas de redução de pandemias estão agora a reabrir em etapas e a crescer a suas economias. A maioria dos países que priorizaram o fortalecimento da economia e resistiram, limitaram ou reduziram prematuramente as intervenções para controlar a pandemia estão agora a enfrentar taxas de infecção e bloqueios estaduais e nacionais iminentes.”
A relutância de Donald Trump, Boris Johnson e Jair Bolsonaro em tomar medidas de prevenção rigorosas desde o início significa que a pandemia nos seus respectivos países não foi apenas mais mortal, mas também saiu mais cara.
Os sistemas de saúde ficaram sobrecarregados; foram necessários mais confinamentos; e foi preciso um maior estímulo financeiro durante um longo período para evitar o colapso total.
O documento acima argumenta que medidas simples e relativamente acessíveis (como um plano para distribuir máscaras às famílias dos EUA, que teria custado cerca de US $ 1 bilhão, e foi vetado por Trump) poderia ter salvo trilhões de dólares e até 200.000 vidas.
O jornal calcula o custo global total da pandemia em US$ 16 milhões, e estima que medidas básicas de contenção “pagariam cerca de 1.000:1 em prejuízos económicos evitados por cada dólar gasto.”
A perspectiva de curto prazo dos governos burgueses significou que, em muitos países, tais medidas não foram tomadas, e agora colhemos as recompensas amargas.
Intervenção estatal
Em contraste, a China, Tailândia, Austrália, Nova Zelândia, Vietname, etc. – que se focaram na supressão rápida do coronavírus e no afastamento social obrigatório – eliminaram o vírus dentro das suas fronteiras (por enquanto), e estão a assistir novamente ao crescimento económico.
Estes países também beneficiaram de uma intervenção estatal precoce e direta para reforçar o distanciamento social, distribuir equipamento de proteção e apoiar financeiramente a população.
Em suma, mesmo em países que lidaram com a pandemia relativamente bem, os capitalistas demonstraram através das suas ações o fracasso do chamado mercado livre’ para lidar com uma crise grave.
O fato de uma grande parte da economia mundial estar a sobreviver apenas com o pulmão de ferro do investimento do Estado é mais uma prova deste fracasso.
Embora tenham havido ligeiras variações em cada país, o fracasso é evidência da degeneração do capitalismo, e da mentalidade estreita dos seus representantes, que desperdiçaram oceanos de dinheiro e rios de sangue para evitar lucros perdidos a curto prazo.
Desigualdade vacinal
Os representantes mais sérios da burguesia entendem que não há retorno a qualquer semelhança de normalidade até que o COVID-19 seja controlado globalmente.
Como o colunista Martin Wolf escreve no Financial Times: “Uma vez que o vírus não conhece fronteiras, não pode estar sob controle em nenhum lugar a menos que esteja sob controle em todos os lugares. A alternativa é permanecermos dentro das prisões nacionais indefinidamente.”
O capitalismo é um sistema global, que requer a circulação internacional de bens, pessoas e serviços. O National Bureau of Economic Research afirma que até 49% dos custos econômicos globais da pandemia em 2021 serão suportados por economias avançadas, mesmo que alcancem uma ampla imunização em casa. Isto deve-se à interrupção das redes de produção e comércio entre as nações enquanto a pandemia continua.
Não se pode ter capitalismo num só país. Por esta razão, Wolf argumenta que os líderes mundiais devem fazer “o que for preciso para financiar a produção e distribuição aceleradas de vacinas – e, se necessário, vacinas reformuladas – globalmente.”
Além disso, ele defende que os países ricos cobrem algo na região de US$ 65 bilhões para financiar uma campanha de vacinação em países pobres, salientando que são trocos patetas em comparação com os US$ 5,6 milhões em despesas extra fiscais em resposta ao COVID-19 que já foram anunciadas.
Wolf faz este argumento do ponto de vista burguês, apontando que os benefícios a longo prazo vão superar os custos iniciais. Naturalmente, se expropriássemos a riqueza dos capitalistas sob controle democrático, este modesto investimento no futuro da humanidade não seria um problema!
Infelizmente, sob o capitalismo, isso depende dos capitalistas perderem lucros a curto prazo e cooperarem além das fronteiras nacionais. E isso eles simplesmente não fazem.
Nacionalismo e proteccionismo
Como vimos com a recente discussão entre a Grã-Bretanha e a UE sobre o acesso a doses da vacina Astrazeneca, esta crise está a colocar em evidência interesses nacionais estreitos, precisamente no momento em que a acção internacional é mais necessária.
Já vimos a loucura do nacionalismo vacinal, a começar com a política de aquisição de vacinas de Donald Trump no ano passado, América Primeiro.
Agora, a UE ameaça impor limites à exportação de vacinas fabricadas dentro das suas fronteiras: uma política da Europa Primeiro.
Vacinas também foram usadas como futebol geopolítico, com alguns países na esfera de influência dos EUA relutantes em aceitar produtos russos e chineses.
Estas vacinas, por sua vez, estão a ser enviadas para vários países da África, América Latina e Médio Oriente, que têm acesso limitado a produtos de origem ocidental da Pfizer, Biontech e Moderna – estendendo assim a influência de Moscovo e Pequim nessas regiões.
Mas, em vez de cooperação, há uma concorrência crescente entre a Índia, a China e a Rússia para superar os EUA, a Europa e os outros na corrida para fornecer vacinas ao mundo.
Em resposta (e dada a crescente crítica à grave falta de vacinas nos países pobres), o presidente francês Macron desafiou os países do G7 a enviar 4-5 por cento de suas doses para nações mais pobres. Entretanto, Boris Johnson prometeu doar a maior parte do excedente das vacinas do Reino Unido.
Estes não são meros atos de caridade. Estes líderes burgueses ocidentais estão ansiosos para não perder a autoridade no palco mundial contra a Rússia e a China.
Enquanto isso, sanções aos países como o Irão e a Venezuela complicaram imenso o processo de importação de vacinas, deixando os habitantes locais à mercê do vírus. No último caso, foi alegado que o líder da oposição e golpista Juan Guaido frustrou os esforços do governo venezuelano para obter vacinas da Grã-Bretanha.
E enquanto Israel tem a maior taxa de vacinação por cabeça na terra, a vacinação mal começou na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. O governo israelense tem resistido à pressão para oferecer o seu excedente aos palestinianos. Ainda mantém um bloqueio em Gaza, e suspendeu um carregamento de 2.000 doses da vacina russa Sputnik, destinada a profissionais de saúde da linha de frente.
Todos estes jogos cínicos estão a atrasar a distribuição global de recursos essenciais de vacinação, desesperadamente necessários para proteger as pessoas da infecção.
Anarquia do capitalismo
Como explicado anteriormente, há uma enorme diferença entre o acesso de países ricos e pobres a doses da vacina. Este fenómeno ocorre porque as nações ricas que financiaram em grande parte a produção de vacinas negociaram diretamente com os fabricantes para comprar doses em excesso.
O programa Covax da Organização Mundial de Saúde (já considerado de “alto risco” de falha) visa entregar 2,3 bilhões de doses em países pobres da África, Ásia e América Latina este ano. Mas isso é apenas um quinto da população alvo.
Embora apenas 10 países tenham usado 75% das doses até agora, cerca de 130 países não viram uma única vacinação, de acordo com a ONU. Dos 175 milhões de vacinas administradas, apenas cerca de oito milhões foram para os 430 milhões de habitantes da América do Sul e dois milhões para os 1,3 bilhões de habitantes da África.
É provável que apenas 18% da população mundial seja vacinada este ano. A maioria das vacinas estão previstas para 2022 e 2023. E é muito pouco provável que o mundo inteiro seja vacinado antes de 2025, visto que as ordens prioritárias aos países ricos continuarão a empurrar o resto do mundo para o fim da fila.
Apesar do seu novo compromisso de doar vacinas sobressalentes da Grã-Bretanha, Johnson não confirmou quantas vão doar. E a pergunta que devemos fazer é: por que os países ricos foram capazes de acumular enormes reservas? Por que é que o resto do mundo se contentaria com migalhas da mesa?
Tudo isto foi facilitado por um sistema que se baseia na acumulação privada, na especulação e no domínio imperialista.
A correria interna dos países ricos para vacinar as suas próprias populações primeiro, e assim serem os primeiros a sair do portão para reiniciar a produção, é auto-destrutiva. Um grupo de reflexão norte-americano, o Instituto Peterson de Economia Internacional, salientou que, a longo prazo, seria muito mais barato os países ricos investirem fortemente na vacinação dos países pobres:
“As cadeias de suprimentos internacionais e os vínculos de demanda garantem que as doenças nos países pobres se vão espalhar além das fronteiras para os países ricos, causando grandes custos económicos, mesmo se estes vacinarem totalmente suas populações. Os custos económicos nos países ricos podem exceder de 10 a 100 vezes o custo de ajudar os países pobres a serem totalmente vacinados”.
Num sistema de produção democraticamente planeado, a vacinação global seria a única prioridade. Mas os capitalistas não vão investir um centavo a curto prazo para ajudar as pessoas além das suas fronteiras nacionais, mesmo sob tão terríveis circunstâncias – e mesmo quando beneficidos a longo prazo. É esta a natureza anárquica do capitalismo.
Mutações
Há outra consequência, ainda mais preocupante, de arrastar a campanha global de vacinação: novas mutações. Quanto mais tempo o coronavírus for capaz de continuar a propagar-se, e quanto maior a sua propagação, maior o risco de novas variantes que poderiam ser mais virulentas e resistentes às vacinas que possuímos atualmente surgirem.
Por exemplo, a variante de Kent B.1.1.7 – originária do Reino Unido – e a variante 501.V2 identificada pela primeira vez na África do Sul têm importantes alterações genéticas de formas anteriores do vírus.
Em particular, o E484K (apelidado de Eric ou Eek) altera a superfície da proteína do espigão que o vírus usa para entrar nas células humanas. Esta mutação torna mais difícil para o sistema imunológico humano reconhecer e destruir o vírus, se este tiver sido exposto a vacinas com base em encarnações anteriores. A mesma mutação está presente numa variante que corre desenfreada no Brasil.
Estas novas variantes são mais infecciosas, e parecem resistentes a algumas das vacinas disponíveis. O governo da África do Sul recentemente optou por abandonar a implantação da vacina de Astrazeneca, pois aparentemente não conseguiu proteger contra infecções leves da variante 501.V2.
O factor anteriormente exposto pode exigir o desenvolvimento de vacinas atualizadas que lidem com as novas mutações. A vacina Oxford/Astrazeneca é a mais difícil de se adaptar a novas linhagens, pois requer o crescimento de novas culturas celulares, o que leva semanas.
Esta vacina é crucial para programas como o Covax para uso em países pobres, porque é mais barata e não precisa de ser armazenada em temperaturas super baixas, como os produtos Pfizer e Moderna baseados em mRNA, por exemplo. Se se revelar ineficaz contra novas estirpes, poderá ser um golpe duro para os esforços de vacinação nos países menos desenvolvidos.
Lucrar com a pandemia
O sucesso desigual da distribuição de vacinas nos países capitalistas avançados é parcialmente explicado por uma profunda e penetrante desconfiança das classes governantes. O que leva a um cepticismo generalizado em matéria de vacinas, com grupos oprimidos a serem particularmente reticentes.
Na Grã-Bretanha (onde a implantação tem sido comparativamente bem sucedida), 10 milhões de pessoas – incluindo até metade dos trabalhadores de cuidados intensivos, nas linhas de frente da luta contra COVID-19 – pode recusar-se a ser vacinado. As vacinas também não são aprovadas para crianças.
Governos na Suécia, França, Itália, Áustria, Bulgária e Alemanha estão a lutar contra a resistência pública à vacina Astrazeneca, depois de relatos de efeitos colaterais (perfeitamente normais) serem espalhados por teóricos da conspiração de direita para desacreditar a vacina. Aleada à manipulação confusa da implantação da UE, os relatos já prejudicaram a confiança do público.
Estima-se que até 80% da população nacional precisa de ser vacinada para erradicar as novas variantes do vírus.
Para reiterar: esta pandemia não vai acabar até a população de todo o planeta ser vacinada. Está dentro dos poderes da grande indústria farmacêutica – que controla a maior parte dos meios de produção farmacêutica – acelerar a fabricação de vacinas de forma conseguir vacinação em massa numa questão de meses.
O que poderia ser feito através da expansão de capacidade: a conversão de fábricas existentes para produzir vacinas, por exemplo, como foi o caso com a produção de equipamento de proteção em fábricas têxteis, e ventiladores em fábricas de automóveis no início da pandemia. Mas essa capacidade extra ficaria inativa quando a pandemia acabasse, o que torna muito mais rentável a manutenção do espaço de fábrica existente em plena produção por anos.
Outra opção seria as grandes empresas farmacêuticas disponibilizarem as suas pesquisas e dados no domínio público, para que outras empresas e laboratórios geridos pelo Estado poderem produzir versões genéricas das vacinas COVID-19 em qualquer parte do mundo.
Vários membros da Organização Mundial do Comércio (liderados pela África do Sul e pela Índia) estão a propor que as proteções de propriedade intelectual relativas às vacinas COVID-19 sejam dispensadas para este efeito. Como afirmou o delegado sul-africano da OMC: “Enquanto Roma está em chamas, estamos a perder tempo [à espera],”
O delegado continuou:
“As primeiras vacinas eficazes estavam prontas há quatro ou cinco meses. Acham que teria feito diferença se tivéssemos capacidade de fabricação? Eu acho que sim.”
“A infraestrutura está agora a fornecer um mínimo e a deixar o resto para o setor privado. Eu não acho que os governos devem terceirizar a sua responsabilidade pela saúde pública para empresas privadas que respondem apenas aos acionistas.”
O delegado está absolutamente certo. No entanto, a Big Pharma não está preparada para ceder o controle da sua propriedade intelectual, o que lhe permite monopolizar a produção de vacinas e acumular lucros enormes.
Os estados burgueses não ditam aos capitalistas o que devem fazer com a sua propriedade privada. Na verdade, a UE e o Reino Unido alinharam-se para bloquear a proposta de isenção de patente, levando Roz Scourse, conselheira política para o MSF Access, a denunciar a a sua hipocrisia, dada a sua recente guerra por vacinas Astrazeneca não entregues.
“Isto mostra à UE e outros países ricos o que acontece quando se entregam a corporações multinacionais todos os direitos e controlo da fabricação e distribuição de vacinas durante uma pandemia.”, disse Scourse.
É por isso que este controlo deve ser retirado às grandes empresas farmacêuticas através da expropriação e da gestão democrática das mesmas sob um estado operário.
Estamos numa corrida mortal contra o relógio, enquanto o vírus continua a sofrer mutações, e o fim deste pesadelo é empurrado cada vez mais para o futuro.
Doença endêmica
Dadas as taxas de infecção em espiral, o cepticismo em relação à vacina do público, e a jangada de novas variantes, muitos comentaristas burgueses e políticos dizem agora que o COVID-19 está aqui para ficar. Um artigo recente no Economist, por exemplo, argumentou que “a doença vai circular por anos, e parece provável que se torne endêmica”.
O jornal liberal afirma que, em vez de tratar o COVID-19 como “uma emergência que irá passar”, os governos devem concentrar-se em medidas para conter e gerir o vírus, com máscaras, sistemas de rastreamento e reforços anuais a tornarem-se um acessório da vida cotidiana.
O ministro da Saúde britânico Matt Hancock ecoou esta visão, afirmando que o COVID-19 poderia ser tratado como gripe sazonal, com um programa anual de vacinação que emprega vacinas regularmente atualizadas para controlar novas mutações.
No entanto, o COVID-19 é mais infeccioso e tem uma taxa de mortalidade mais elevada do que a gripe sazonal. As medidas propostas por Hancock não impediriam surtos regulares, que ainda poderiam causar milhares de mortes em excesso todos os anos.
Viver com COVID’ é apenas a velha estratégia de imunidade de rebanho reaquecida: significaria um ciclo interminável de confinamentos, transbordamento periódico de hospitais e um estado permanente de incerteza para milhões de pessoas.
Os comentários de Hancock também deixam claro que, com o número de mortes e infecções a começar finalmente a diminuir, os Conservadores estão mais uma vez a ser pressionados pelas grandes empresas para pôr termo ao último confinamento prematuro, a fim de que os lucros voltem a fluir. Por outras palavras, a história prepara-se para se repetir.
‘Zero COVID’
Em resposta a estes argumentos, foi apresentada uma proposta por parte de alguns quadrantes no sentido de os governos prosseguirem uma estratégia COVID Zero. Isto é definido pelo BMJ como a “redução a zero da infecção numa área geográfica definida” através de uma combinação de controlo de fronteira rigoroso, confinamentos eficazes, e testes rigorosos para isolar e conter rapidamente novos casos.
O deputado trabalhista de esquerda Richard Burgon aponta na Tribune que a vida na Nova Zelândia (que viu apenas 25 mortes COVID-19 no total) está praticamente de volta ao normal após a implementação destes métodos. As pessoas podem assistir a eventos públicos de grande escala, como festivais musicais, sem medo de infecção.
Burgon argumenta que os métodos da Nova Zelândia poderiam ter sido replicados na Grã-Bretanha, e afirma corretamente que a má gestão da pandemia pelos Tories levou a um número drasticamente alto de mortes, o que era desnecessário:
“A Grã-Bretanha tinha casos de um para cada 100.000 pessoas no início do verão, após o primeiro confinamento. Estávamos no caminho certo para conseguir combater o vírus e eliminá-lo eficazmente. Depois, o governo disse às pessoas para sair e gastar, para voltar ao trabalho, e tornou-se um dever patriótico encher os bares e enviar as crianças de volta à escola sem impôr as medidas de segurança que os funcionários da escola exigiram.”
O desejo de proteger os lucros de grandes financiadores guiou a abordagem dos Conservadores em relação à COVID-19. É uma tragédia pensar que, em agosto de 2020, houve apenas duas ou três mortes por COVID-19 por dia. Em dezembro, subiu para mais de 1.000.
Por estas razões, promulgar uma estratégia Zero COVID agora na Grã-Bretanha não seria o mesmo que na Nova Zelândia. No último país, o governo tomou medidas rigorosas desde o início, o que significa que os casos nunca subiram a níveis elevados.
Vai agora ser necessário um período mais longo de confinamento, combinado com vacinas, para reduzir o número de casos na Grã-Bretanha a um nível em que possam ser efectivamente rastreados novos casos. É por isso que é ainda mais importante não terminar o actual confinamento de forma precoce.
Necessidade de internacionalismo
Além do mais, é preciso ter cuidado para não confundir Zero COVID com uma estratégia para eliminar permanentemente o vírus. Como o BMJ explica:
“Até ao momento, a única doença humana globalmente erradicada é a varíola, o que levou 30 anos a ser alcançado e dependeu de uma vacina eficaz… O que a Nova Zelândia conseguiu foi não ter nenhum caso de contaminação local em três meses, o que, embora impressionante, está longe da definição geralmente aceite de eliminação.”
É possível reduzir o número de casos COVID-19 ao ponto de não ter que ser completamente exterminado, mas ainda poderia ser controlado e a sua ameaça contida. No entanto, a pandemia tem de ser erradicada internacionalmente, o que requer um projeto global. Os países não podem manter um estado de emergência para sempre. O número de casos baixos da Nova Zelândia estão a ser mantidos através de um rigoroso controlo de fronteira. Mas o vírus continua a ser uma ameaça, como a detecção da variante Kent em Auckland (que levou a um confinamento de três dias) atesta.
Com tantos países a dificilmente serem vacinados durante os próximos anos, o vírus vai continuar a circular e a sofrer mutações, existindo sempre o risco de voltar. O mesmo artigo do BMJ citado acima considera a eficácia de Zero COVID e como este estado pode ser alcançado:
“Num mundo globalizado, as infecções viajam por continentes em poucos dias. As restrições de viagem e as medidas de controlo das fronteiras podem conter a propagação de infecções. Uma vez que a incidência local de doenças é baixa, os recursos de proteção da saúde podem ser direcionados para lidar com casos importados. Com efeito, ao longo dos anos, as equipas de protecção da saúde a nível nacional têm mantido afastadas doenças importadas, como a febre tifóide, a Ébola e o MERS-Cov. Em última análise, a erradicação global é desejável-eliminando COVID-19 em todos os lugares, permanentemente. Mas isso é um desafio que exige liderança e coordenação global.”
Aqui reside o problema. Acabar com esta pandemia de uma vez por todas exigiria um esforço coordenado e global à escala mundial.
No entanto, estamos a testemunhar o oposto: os líderes capitalistas estão a olhar para os seus interesses nacionais, e o sistema de lucro está a dificultar a produção e distribuição dos recursos necessários para vacinar a população.
Sistema doente
As avaliações de Hancock e dos economistas refletem o pessimismo da classe dominante diante de um desafio aparentemente insuperável. Os capitalistas e seus representantes políticos encolhem os ombros na conclusão inevitável de que esta crise não pode ser totalmente superada.
Uma atitude muito semelhante com a mudança climática, que também representa uma ameaça existencial de longo prazo para todo o sistema capitalista (e o planeta). E como com a mudança climática, os meios para manter permanentemente o controle ou mesmo erradicar COVID-19 existem, mas entram fundamentalmente em conflito com a especulação e os interesses nacionais da classe dominante. Como resultado, os burgueses resignam-se a fazer tomar meias medidas – na melhor das hipóteses.
Mesmo numa base capitalista, há uma abundância de medidas que podem e devem ser tomadas para reduzir rapidamente o número de novos casos, conter surtos e vacinar as populações.
Concordamos plenamente com as propostas de Burgon: testes gratuitos e generalizados; mantimento do salário normal durante baixa por doença para incentivar as pessoas a ficar em casa sem prejuízo financeiro; testes COVID gratuitos; fornecimento gratuito de internet para que as crianças possam assistir a aulas on-line a partir de casa; e confinamentos devidamente reforçados combinados com rastreamento de contato.
Gostaríamos de acrescentar que deveriam haver férias de arrendamento e proibições de despejo implementadas para evitar que as pessoas que perderam rendimentos acabem por ficar sem casa. Além disso, aqueles que entram no país devem ser imediatamente testados e, se chegarem de áreas com altos níveis de COVID, em quarentena à custa do Estado.
Além disso, temos de lidar com a crescente lacuna de acesso às vacinas, levando as empresas farmacêuticas privadas à propriedade pública, para que possamos acelerar a produção de vacinas em prol da necessidade humana e não do lucro.
Cerca de 100 bilhões de dólares do dinheiro público foram para o desenvolvimento de vacinas contra o coronavírus, não há nenhuma razão para que as empresas privadas devam fazer uma fortuna a partir desses medicamentos. Em vez disso, as vacinas devem ser distribuídas para o mundo inteiro, gratuitamente, e rapidamente – antes que variantes ainda mais virulentas se desenvolvam, de modo a que alguma normalidade possa ser finalmente retomada.
A especulação, o nacionalismo vacinal, e a acumulação de capital representam os maiores obstáculos para acabar com este fluxo pandémico vindo diretamente do sistema capitalista empobrecido.
A experiência desta catástrofe de saúde pública vai levar cada vez mais pessoas a concluir que o atual sistema sistema é incompatível com um futuro seguro e saudável para a humanidade. Estas lições vão pesar muito sobre a mente da classe trabalhadora durante o período de tempestade em que estamos a entrar.
Nós, marxistas, devemos estar prontos com um programa revolucionário e um partido para traçar um novo curso.
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