As estatísticas e relatórios mais recentes concluem que esta crise não afeta todos de igual forma e que são sempre os mesmos a lucrar e sempre os mesmos a pagar qualquer fatura da crise: os mais desfavorecidos.
Vamos à realidade dos factos:
Entre 1980 e 2016[1] os 1% com mais rendimentos ficaram com 18% de todo o crescimento mundial; se focarmos nos Estados Unidos e Canadá, a fasquia sobe para 35%.
Se restringirmos a análise à última crise, antes do COVID-19, os grupos que mais perderam foram os que estão na base social, aqueles que já vivem com parcos rendimentos, enquanto 40 milhões de norte-americanos entraram no desemprego, a fortuna de Jeff Bezos cresceu 48 mil milhões de dólares[2].
Transportando para a realidade portuguesa, a título de exemplo, a Sonae (empresa dona do Continente), em 2020 teve um total de vendas de 5.153 milhões de euros, representando um aumento de 9,6% face a 2019[3], ainda assim, têm uma política de salários baixos e, agora com o pretexto da incerteza, não estão a renovar contratos com os trabalhadores.
As pessoas que são lançadas no desemprego, algumas das quais sem direito a apoio do Estado, não terão melhores condições quando a crise passar. Juntos, num exército de desempregados, irão provocar uma estagnação ou diminuição dos salários quando voltarem ao mercado de trabalho. Muitos, se conseguirem um contrato, não terão a possibilidade de terem contratos permanentes, tal como 80% da população trabalhadora atualmente – continuarão precários até que outra crise os atire para o desemprego.
Resumindo, enquanto que os acionistas aumentam os seus lucros, os trabalhadores mantêm-se na pobreza e na precariedade, tanto na crise de ontem – subprime e dívida soberana, como na de hoje – COVID-19 – bem como nas que virão.
O problema é com as crises ou com o sistema económico-social?
Com isto surge a questão: o problema é das crises ou do sistema económico e social? Será que os problemas sociais a que assistimos, que passam pela degradação da qualidade de vida, desumanização dos processos de trabalho (agravada nos trabalhos precários) são consequência da crise ou é a crise consequência do sistema atual?
O sistema em que vivemos é o capitalismo, que se caracteriza pela busca de lucro e acumulação de capital pela ínfima minoria que detém os meios de produção à custa da extracção de valor do trabalho da imensa maioria. Significa que existe uma acirrada luta social entre as classes proprietárias dos meios de produção e as classes que têm apenas a sua força de trabalho para vender.
Numa expressão: exploradores e explorados.
Enquanto que por um lado a criação de desemprego é aproveitada para atemorizar os trabalhadores e fazer pressão para baixar os custos da força de trabalho, por outro lado o capital continua a sua concentração com vista a expandir os seus lucros.
As pessoas continuam a ter de aceitar trabalhos precários sob pena de não terem com que comprar comida. Esta desumanização, em que as pessoas, mesmo trabalhando, não conseguem ter pão, saúde, habitação e o direito ao ócio e à cultura também, é uma das vertentes da crise orgânica em que o capitalismo se encontra mergulhado.
Os trabalhadores não são pessoas; são coisas que se destinam exclusivamente à produção de lucro para o empregador e que podem ser facilmente descartáveis – eis a sua razão de viver.
As crises não são causadoras da desigualdade, embora a exacerbam. As crises são intrínsecas e consequências desta divisão social, de um sistema, esse sim causador de desigualdade, que para acumular lucros tem sempre que produzir e vender mais mercadorias, mas, que, ao mesmo tempo, ao pauperizar a esmagadora maioria da população, para sustentar e aumentar os lucros, socava a própria possibilidade de absorção dessa produção.
[1] A desigualdade económica e a crise existencial do país, Frederico Cantante in Um olhar sociológico sobre a crise Covid-19 em livro. Observatório da desigualdade
[2] How billionaires saw their net worth increase by half a trillion dollars during the pandemic, Business Insider (https://www.businessinsider.com/billionaires-net-worth-increases-coronavirus-pandemic-2020-7)
[3] Balanço das vendas preliminares relativo a 2020 (https://web3.cmvm.pt/sdi/emitentes/docs/FR78140.pdf)
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