Montenegro rua! Portugal precisa de um novo Abril!

Artigo de Rui Faustino

O Governo do Estado moderno não é senão um comité para gerir os negócios comuns de toda a classe burguesa”. Karl Marx & Friedrich Engels, O Manifesto do Partido Comunista

O regime do 25 de Novembro está podre. Ele é incapaz de desenvolver o país e de melhorar as condições de vida da classe trabalhadora e da grande maioria da população. A título de exemplo, o PIB per capita em paridades de poder de compra, face à União europeia, passou dos 83,9% em 2003 para os 80,2% em 2023. E a União europeia, ela mesmo, não tem sido propriamente, nas últimas décadas, um exemplo de prosperidade.  

Desde a crise das dívidas soberanas, Portugal tem tombado de crise em crise: intervenção da troika, pandemia, guerra da Ucrânia e espiral inflacionária. Nos últimos 4 anos o preço da alimentação subiu 28%. Hoje em dia, somos o país da OCDE onde é mais díficil comprar casa e, como se não bastasse, Lisboa é a terceira cidade europeia onde é mais caro arrendar

Tu não tens casa? Eles têm imobiliárias! Não são apenas vários ministros que têm ou já tiveram participações em imobiliárias: um em casa dez deputados já teve ou tem ligações a empresas de compra e venda de imóveis e, como não podia deixar de ser, no Chega, o partido mais sujo que jura querer “limpar Portugal”, não faltam também deputados que são donos de imobiliárias! Os mesmos políticos que culpam os imigrantes (tantas e tantas vezes a viver em condições de total insalubridade) pela crise da Habitação e o aumento inusitado dos preços, são os mesmos que com ela fazem negócios e lucram. A tua vida é um inferno? Eles governam-se a vidinha!  

Se com o governo Costa tínhamos “casos e casinhos”, parece que com o governo Montenegro temos casas e casinos. Isto não é uma fatalidade, apenas consequência do caráter burguês do Estado, dum aparato estatal cujos dirigentes políticos, altos magistrados e funcionários estão ligados por 1001 fios à classe dominante, presos por interesses, círculos de afinidade, ligações empresariais, dependências financeiras. Na nossa sociedade, todo o político recrutado para o Estado burguês ambiciona pertencer à burguesia e compartilhar com ela o fausto, a riqueza, o estilo de vida.  

A família Montenegro recebe uma avença da Solverde para trabalhar no “domínio da proteção de dados”? Paulo Portas, depois de ser ministro foi contratado por uma petrolífera mexicana. Já Durão Barroso, quando acabou o mandato da presidência da Comissão Europeia, foi ganhar milhões para a Goldman Sachs. E por falar na Comissão, que dizer de Maria Luís Albuquerque que passou de ministra das finanças para administradora duma empresa que recebera benesses fiscais do Estado português enquanto ela fora ministra, que transitou depois para a Morgan Stanley, “empresa  global de serviços financeiros” e que agora se tornou Comissária Europeia com a pasta da “Estabilidade Financeira, Serviços Financeiros e Mercado de Capitais.”? Apenas se pode concluir que seria, de facto, muito difícil encontrar uma raposa mais competente para guardar o galinheiro… E tudo dentro da legalidade! Azar do José Sócrates ter recebido as “luvas” diretamente dum amigo… 

Ainda há dias, Aguiar-Branco, que se esquecera de declarar o seu património milionário e é um dos comparsas políticos do Montenegro, veio a público lamentar-se que “vivemos hoje uma crise de disponibilidade das pessoas de bem para a política”.  

Deve ser uma chatice ter os filhos e esposa a receber dinheiro dum casino cujas licenças terão de ser, em breve, renovadas pelo governo que dirige, vendo-se assim Montenegro coberto por um manto de suspeições! E agora o homem faz o quê? Vende a empresa? Já vendeu à mulher! Divorcia-se dela? Não pode: os filhos, também eles acionistas, podiam ficar traumatizados! Demite-se de primeiro-ministro? Impossível! Como é que Montenegro vai defraudar a carteira de clientes, peço desculpa, os eleitores que o escolheram?  

São estes cavalheiros e damas que nos explicam a inevitabilidade da austeridade e do sacrifício, os mesmos que nos dizem que não há dinheiro para a educação, para a saúde e para as reformas, os mesmíssimos que nos explicam como os salários dos trabalhadores não podem aumentar enquanto proporcionam cortes fiscais e outras benesses para os patrões. Eles fazem-no não apenas por “convicção ideológica”, muito menos por maldade pessoal: fazem-no porque defendem a classe que os recruta e lhes paga.  

Estes políticos pregam-nos a sua uma hipócrita moral de “meritocracia”, enchem a boca com “o mercado”, “a liberdade de inovar e adquirir, de vender e de fazer”, mas todos eles, de uma maneira ou de outra, vivem do clientelismo, das redes de favores e do nepotismo. Ou nas palavras do primeiro-ministro: “sou amigo dos acionistas da SolVerde”.  

Ricos amigos, não haja dúvida! Resta apenas saber quem serão os outros “amigos” que pagam à família Montenegro os restantes 70% da sua faturação mensal da sua pequena mas empreendedora empresa… Só com estes biscates (ele é político, a esposa-acionista parece que é educadora de infância) a família Montenegro tem andado a ganhar 15 mil euros por mês, ou o equivalente a mais de 10 vezes o salário médio em Portugal ou mais de 17 salários mínimos!  

Esta, aliás, não é a primeira polémica em que Montenegro se vê envolvido. Ainda antes de ser primeiro-ministro foi notícia que recebera benefícios fiscais (!) a sua habitação famíliar (com 6 pisos e 758 metros quadrados).  A lume vieram também os proveitos duma outra sua empresa, neste caso de advogados, que faturou quase 700 mil euros em “ajustes diretos”, isto é, contratos sem concursos públicos, com as câmaras do PSD de Vagos e Espinho. Neste último município (Espinho) o mesmo presidente de câmara do PSD tão generoso nos ajustes diretos ao advogado Montenegro seria mais tarde acusado de corrupção e tráfico de influências. Coisa pouca. Outra coincidência é que o antigo presidente da câmara de Vagos, que proporcionou mais de 200 mil euros à sociedade de advogados de Montenegro em ajustes diretos, seja agora seu Secretário de Estado! 

Para Montenegro e companhia a política não se destina a melhorar a vida das pessoas, mas serve para melhorar a sua própria vida, através das “portas-giratórias” entre o Estado e interesses privados que servem, isto é: os interesses da burguesia, os interesses deles mesmos. 

A tibieza da esquerda parlamentar 

E perante este pântano a esquerda parlamentar limita-se a dar lustro à “gravitas” do Estado. Não tema o presidente Marcelo quando apela à estabilidade! Mariana Mortágua dá ainda uma “chance” a Montenegro para “evitar que o parlamento tome nas suas mãos este assunto”. Põe-te em guarda, Montenegro! Olha que as comissões de inquérito são “uma possibilidade neste tipo de casos” – avisa Mariana Mortágua! Já o líder do PCP insurge-se por ser o primeiro-ministro “um foco de descredibilização da vida política” e ainda que aponte a “promiscuidade” entre a política e os grandes grupos económicos, recusa-se a pedir a demissão do primeiro-ministro! Passa-lhe a bola e diz “caberá ao senhor primeiro-ministro essa reflexão” … Já o Livre ainda mais timidamente pede apenas a Montenegro… que “podere a venda da empresa”. Se amanhã um cunhado se transformar num testa-de-ferro, já poderíamos dormir descansados? 

Por oposição a esta pusilanimidade da esquerda, Ventura é o único a pedir abertamente a demissão do primeiro-ministro ou, em alternativa, que apresente Montenegro uma moção de confiança ao parlamento, para que “não se transforme no novo Sócrates”. Uma vez mais, e por omissão da esquerda, o líder da extrema-direita vai apresentar-se como a verdadeira (na verdade, demagógica) força antissistema. E vai (novamente) marcar pontos. 

Na realidade, e como aqui se vê, a esquerda parlamentar apresenta-se como defensora do regime, das suas regras e procedimentos, das suas comissões de inquérito e do seu impotente institucionalismo. Mesmo quando timidamente criticam a promiscuidade entre a a política e “os interesses económicos”, fazem-no a partir da defesa da “democracia” e da Constituição que, precisamente pelo seu caráter de classe, sancionam todas estas práticas. Tudo o que fazem, tudo o que farão, será apresentar no parlamento umas quantas propostas mais ou menos inteligentes para combater a corrupção. E o problema não é tanto que apresentem “reformas inteligentes”, mas que não reconheçam os limites do seu reformismo.  Sólon, pai da primeira Constituição de Atenas, costumava dizer que “as leis são como teias de aranha: enredam os fracos e são atravessadas pelos fortes”. Esta é uma importante lição que os reformistas de todos os tempos e matizes sempre esquecem… 

Eles não proclamam abertamente a necessidade de derrubar toda a ordem social existente, não explicam como inevitavelmente a corrupção emerge no Estado burguês, como este é – e outra coisa não pode ser – se não um instrumento de dominação, exploração e enriquecimento da classe dominante. Não dizem abertamente aos trabalhadores que nenhuma reforma será capaz de regenerar este corpo putrefacto, que “democracia” que nos servem é um biombo que oculta as verdadeiras relações de poder, que o “primado da Lei” não é mais do que embuste; que só se pode combater a “promiscuidade” entre política e “interesses económicos”, com a tomada das fábricas, dos bancos e das empresas sob gestão dos próprios trabalhadores e se estes se organizarem, de modo independente, criando os seus próprios órgão de poder. 

Do que o Portugal precisa não é de que o “senhor primeiro-ministro reflita”, ou que se sujeite à “possibilidade duma comissão de inquérito”, ou que “pondere a venda da empresa”, ou sequer se submeta a novas eleições legislativas – ainda que, se a famosa “ética republicana” valesse um cêntimo furado, era isso que aconteceria!  

Não! Do que Portugal precisa é dum novo Abril que enterre o cadáver putrefato do regime novembrista, duma revolução que termine aquilo que os trabalhadores, nossos pais e avós, não puderam fazer há 50 anos: derrubar o capitalismo e destruir o Estado burguês. 

“A Comuna realizou a palavra de ordem de todas as revoluções burguesas, um governo barato, abolindo essas duas grandes fontes de despesas que são o exército permanente e o funcionalismo de Estado.” Karl MarxA guerra civil em França

 

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