O CAPITAL MATA O PLANETA

Artigo de Guilherme Marques

Hoje só com grande dose de negacionismo é possível rejeitar os efeitos graves e atemorizantes das alterações climáticas. Na última catástrofe que nos fica na memória, as cheias em Valência mataram mais de 200 pessoas; antes disso, já em Setembro em Portugal, incêndios fulminantes fizeram 42 feridos graves e mataram 9 pessoas, incluindo quatro bombeiros, com ainda mais área ardida do que a da tragédia em Pedrógão, em que morreram 69 pessoas e várias centenas ficaram feridas; e somos então informadas de que temos muitas zonas do nosso país em risco de inundação gravosa, isto na sequência dos incêndios, o que piora este   cenário.

Há uma discussão necessária sobre níveis de competência e prontidão ou falta de financiamento dos serviços civis e do Estado no que diz respeito a estas crises, mas uma coisa ao longo destes anos torna-se clara: o país e o mundo não estão sequer preparados para o cenário de caos climático a que vamos assistindo. 

De certo modo, isto é expectável e aquilo para o qual os cientistas nos avisam há décadas: o ritmo de aquecimento do planeta, bem como o extrativismo e a destruição da biosfera que temos hoje em dia – como resultado do capitalismo com a sua busca incessante do lucro e de preferência do lucro fácil – não é compatível com uma vida humana digna e estável, e por via das pressões ambientais, poderá mesmo levar ao colapso das nossas sociedades mais tarde ou mais cedo.

Então precisamos de parar e refletir: como é que podemos lutar por e garantir um futuro nas próximas décadas, para não falar nas próximas gerações?

Uma coisa é certa: já tentámos de tudo no que diz respeito a pedir, falar, consciencializar, fazer campanhas para que “cada um faça a sua parte”…no entanto sabemos que os principais responsáveis pela política energética, de mobilidade e económica em geral, aqueles que mandam na produção e distribuição, isto é, os grandes grupos económicos e os seus governos, fazem como se nada estivesse a acontecer (como ficou provado na última COP e no G20) e continuam a subsidiar combustíveis fósseis e novos projectos emissores de carbono e outros gases estufa, por detrás de uma cortina de políticas verdes e das energias renováveis, que apenas tratam da parte energética, elétrica, mas não só não cortam substancialmente, como aprovam novas iniciativas onde deveria ser urgente cortar e reduzir, apenas adicionando mais emissões àquelas (embora  reduzidas). E porquê? Para continuar a alimentar a máquina da economia poluente, desigual, assassina e negligente, mas que continua a beneficiar alguns capitalistas, concentrando-se cada vez mais a riqueza em quem tem bunkers e offshores e vai lucrando com o estado das coisas, e tornando a vida mais precária aos trabalhadores que são chamados a pagar a crise do sistema, os custos do simulacro da transição verde e, quando se abatem as catástrofes climáticas, até a pagar com a própria vida, como ainda agora sucedeu em Valência.

Não podemos aceitar que se construam novos aeroportos multiplicando o número de voos, que a logística e o transporte, bem como a produção, seja na indústria da moda, das embalagens, dos vários bens de consumo, continuem a funcionar à base de emissões maciças e inúteis de petróleo, produzindo também toneladas de lixo, mas não dando uma produção de qualidade a massas enormes de população excluída e explorada, sejam trabalhadores a ganhar mal e lutar pela vida, imigrantes, refugiados ou pobres vistos como criminosos ou simplesmente “descartáveis” a neutralizar pelos Estados – notavelmente como acontece com as populações de Gaza, da Ucrânia e tantas outras. 

Visto que os capitalistas, competindo uns com os outros por mais recursos, mercados e lucros, não vão um dia simpaticamente ganhar uma consciência que os faça mudar de ideias e de ambições, só nos resta derrubar o sistema. 

Mas essa revolução só poderá acontecer pela ação das massas e para isso é necessário unir o movimento climático a uma luta mais abrangente com o concurso da classe trabalhadora cujo peso, número e papel social na produção lhe permitirá, unindo a si todos os explorados e oprimidos, mudar o mundo para que não mude o clima. Sem a organização dessa resistência em massa, o nosso futuro é incerto e cada vez mais bárbaro. A tecnologia e a capacidade produtiva que temos são suficientes para garantir as necessidades básicas e a segurança de todos, na condição de expropriarmos os meios de produção e planificarmos democraticamente a economia a uma escala global. Organizemo-nos, pois, para mudar o sistema, não o clima, e conquistarmos um futuro.

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