Editorial do último número do Revolução
Esta imortal citação do escritor Tomásio de Lampedusa caracteriza na perfeição a situação do país: em face duma grave crise social pontilhada por sucessivos escândalos políticos, foram convocadas eleições e mudou-se de governo, mas volvidos 6 meses a crise social persiste e os “casos e casinhos” já estão de regresso, seja pelo “esquecimento” do presidente da AR Aguiar Branco em declarar a sua riqueza patrimonial de milhões, seja pelas “trapalhadas” da TAP envolvendo o ministro das infraestruturas Pinto Luz, que no governo Passos Coelho deu luz verde à compra da empresa por David Neeleman… com recurso ao dinheiro da própria TAP!
No momento em que escrevemos este editorial não temos forma de saber se será ou não aprovado o Orçamento de Estado para 2025, se o PS irá ceder às pressões para que seja “responsável” ou se haverá eleições antecipadas. Contudo, embora o governo AD se comporte como em permanente pré-campanha eleitoral (apresentando sucessivos “pacotes” e “powerpoints” cuja maioria das medidas não saem do reino das boas intenções, como é gritante na Saúde); não deixa, por estar a prazo, de permanentemente fazer as suas escolhas de classe da Saúde à Habitação, da Educação ao Militarismo.
E essas escolhas saem decididamente do papel! Escolhas que apenas favorecem a burguesia e os interesses instalados, desde o fim às tímidas limitações que existiam ao chamado alojamento local à baixa do IRC para as grandes empresas, da ameaça de aumento das propinas no ensino superio ao anúncio da criação de Centros de Saúde privados, da expansão da despesa militar em 50% até 2029! às barreiras que vai erguer à legalização dos imigrantes, potenciando a sua fragilidade e exploração. O governo pode estar a prazo, mas os interesses da classe dominante são permanentes.
Essas escolhas foram, entretanto, plasmadas no Quadro Plurianual de Despesas do Estado (até 2028). Nesse documento (ainda não revelado na totalidade) ficamos a saber que, nos próximos anos, o custo da dívida pública irá crescer 33% devido à subida dos juros. Dadas as escolhas que faz o governo, não deve surpreender que os ministérios onde de contemplam maiores subidas serão Administração Interna, Defesa, (in)Justiça.
Quanto ao lado da receita, não obstante as borlas fiscais dadas aos grandes grupos económicos ou aos jovens ricos que pretendam comprar casa, o governo prevê para os próximos anos uma explosiva (20%) subida na recolha de impostos para fazer face à despesa… com a dívida e o aparato repressivo do Estado!
E porque é de escolhas que falamos, bem podem, por exemplo, os Enfermeiros reclamar por melhores condições de trabalho que são os militares (de todos os escalões) que irão receber aumentos de centenas de euros em “suplementos” nos próximos anos. Ou compare-se como, não obstante a fanfarra com que anunciou um acordo com alguns pequenos sindicatos de professores, o governo propõe-se pagar a cada polícia mais 200 euros por ano do que a valorização salarial prometida a cada professor! E por falar em “subsídios de risco”, se ninguém se lembrou das profissões onde (muito) mais se morre ou se fica incapacitado em serviço, lembramos nós: construção civil, transporte e indústria.
“É o capitalismo, estúpido!”
Este reforço no aparato repressivo do Estado não é fruto do acaso ou apenas duma “escolha ideológica”, mas da necessidade da burguesia se precaver contra a intensificação da luta de classes que a crise sistémica do capitalismo acentuará nos próximos anos, também em Portugal.
Porque, na realidade, seria mais ajuizado acreditar nas previsões dum astrólogo, do que nas “estimativas” do governo para o crescimento económico dos próximos anos: 3,5% anuais, algo que nunca aconteceu neste milénio, nem sequer quando o motor alemão da economia europeia estava de boa saúde, quanto mais agora que aparece gripado, como o atesta o anúncio de encerramento de fábricas pela Volkswagen, que é também e tão só a principal empresa exportadora em Portugal.
Com uma economia baseada (cada vez mais) na massificação do turismo e na especulação imobiliária, o pífio crescimento económico irá encher os bolsos dos patrões que, com este governo, antecipam já a privatização acelerada do SNS e salivam pelos fundos de pensões da Segurança Social, enquanto se banqueteiam com os baixos impostos, as fugas fiscais, a mão de obra barata, as parcerias público-privadas, as rendas garantidas, os ajustes diretos, as “obras do regime” como o novo aeroporto de Lisboa. E enquanto a direita faz um grande alarido com a corrupção, a burguesia indígena prepara-se para abocanhar os fundos europeus do Plano de Recuperação e Resiliência, para os quais que o governo já veio garantir uma flexibilização na fiscalização do Tribunal de Contas e nas regras de acesso para acelerar a utilização dos mesmos, mesmo em caso de contencioso quanto aos atos de adjudicação.
Concomitantemente, as urgências hospitalares continuam a encerrar e o ano letivo vai abrir com milhares de alunos sem professores porque não há respostas para combater a crise nos serviços públicos, na habitação, nos rendimentos (por via da inflação e dos juros) ou para enfrentar a crise climática. Apenas mirabolantes promessas de um futuro crescimento económico que nem o próprio governo acredita.
Mesmo que, por absurdo, não levássemos em conta a situação do capitalismo global com todas as suas guerras, instabilidade, contradições e problemas, o capitalismo português vai continuar no beco sem saída dos baixos salários e do lucro fácil. Para quê investir na produção de bens, na valorização do trabalho ou na introdução de novas tecnologias quando é mais fácil, rápido e lucrativo comprar um prédio no centro de Lisboa ou Porto e “recuperá-lo” para o turismo ou para a habitação de luxo?
Este é o verdadeiro lugar do capitalismo português na divisão mundial do trabalho e, ao contrário do que julgam tanto o PCP, como o Bloco de Esquerda ou o Livre, estas realidades não são passíveis de serem alteradas com o seu insípido menu reformista, temperado com políticas económicas keynesianas e até nacionalistas (no caso do PCP). E com os níveis de endividamento atuais e os encargos com a dívida pública, tanto em Portugal como na Europa, e o espectro da inflação ainda a pairar, tampouco é possível ao Estado burguês ser o motor do desenvolvimento económico. É por isso que este governo AD não passa dum “facilitador” de negócios seja pela especulação, fundos públicos ou privatizações. Em última instância, as escolhas ideológicas refletem necessidades materiais concretas.
A luta de classes é o caminho
Numa época de profunda crise social (só comparável aos anos de chumbo da troika), a esquerda encontra-se paradoxalmente enfraquecida após as pesadas derrotas nas eleições legislativas e europeias. Nestas últimas, assistimos até à inusitada celebração da perda de votos e eleitos por parte do PCP e do BE como um “ato de resistência” porque, apesar das “condições muito adversas”, Catarina Martins e João Oliveira foram eleitos! Mas se as condições continuam “adversas”, apenas se deve às suas políticas de conciliação de classes e de subordinação ao PS durante os anos da Geringonça e pelas quais têm sido continuamente castigados.
Contudo, nem a luta de classes se resume às eleições ou aos estados de espírito dos dirigentes dos partidos e sindicatos tradicionais, nem as contradições do capitalismo podem ser anuladas pelo fracasso dos projetos reformistas. A viragem à direita que o país conheceu nas últimas eleições é temporário… porque a direita não tem respostas para a classe trabalhadora e para a juventude. É apenas a ausência duma alternativa revolucionária de massas em plena crise sistémica do capitalismo que empurra as massas desesperadamente em busca duma solução, ora girando à esquerda (como em 2015), ora girando à direita (como em 2024). Mais breve que tarde o pêndulo tornará a girar.
Estas mudanças bruscas são outro sintoma dum regime doente que não se remedeia com analgésicos. A solução para a instabilidade crónica em que vivemos não passa por reformar um sistema caduco, mas derrubá-lo. Em todo o mundo o capitalismo apenas tem para oferecer a guerra perpétua, a austeridade infinita e a catástrofe climática. São estas as condições em que vive a juventude e são elas que estão já a formar uma nova geração de comunistas. Este governo AD, fraco à partida, durará o tempo que a luta classe trabalhadora lho conceder, tal como o sistema capitalista que ele serve. Porém, para vencermos necessitamos de nos armar com ideias, programa e métodos revolucionários é a este combate que apelamos e para o qual te convidamos: junta-te aos comunistas revolucionários.