Após as eleições do dia 10 de março, o Coletivo Marxista analisou os catastróficos resultados do Partido Comunista Português, consequência de anos de colaboração com o governo pro-capitalista do PS. Preocupado pela crise do mais importante partido operário na história de Portugal, o Colectivo Marxista publicou uma carta urgente à sua militância. Ali criticámos a trajetória reformista dos dirigentes do PCP e o seu programa eleitoral keynesiano, cinzento e irrealizável no quadro do capitalismo em crise, um programa afastado do ambiente de raiva que se respira na sociedade portuguesa, e, claro, afastado também do espírito comunista.
Alguns camaradas do partido comentaram que o programa eleitoral do PCP, que apresenta reivindicações mais imediatas e “razoáveis”, é diferente ao seu programa geral, que contém elementos mais avançados e coloca a questão do socialismo. Na verdade, o programa “geral” do PCP relega o socialismo a um futuro longínquo – procurando, no presente, a consolidação de um capitalismo nacional “soberano” e de uma “democracia avançada”. Ora, os comunistas também rejeitamos a distinção, caraterística da velha Social-Democracia reformista, entre um “programa mínimo”, compatível com o capitalismo e utilizado na agitação quotidiana, e um “programa máximo” de aspirações gerais para o futuro. Nós comunistas não ignoramos as reivindicações mais urgentes e imediatas da classe trabalhadora, mas as ligamos a luta contra o capitalismo e a revolução, transformando-as numa ponte entre o nível atual de consciência dos operários e as tarefas revolucionárias da nossa época.
Para explicar estas questões, traduzimos aqui uma das teses sobre tática e estratégia do terceiro congresso da Internacional Comunista de Lenin, em 1921, onde se explicam estas questões. Todos os militantes do PCP e da JCP deveriam se interessar pelas origens do seu movimento, ou seja, pela Revolução russa e a Internacional Comunista de Lenin, estudando os seus documentos e obras e usando-os para analisar a linha dos seus dirigentes. O Coletivo Marxista faz um convite à militância do PCP e da JCP para discutir estas questões, estudar a teoria e o passado do nosso movimento, e regenerar conjuntamente o comunismo em Portugal.
Teses sobre tática e estratégia da Internacional Comunista (1921). Lutas parciais e reivindicações parciais
Os partidos comunistas só podem desenvolver-se através da luta. Mesmo os partidos comunistas mais pequenos não podem limitar-se à mera propaganda e agitação. Em todas as organizações de massas do proletariado devem ser uma vanguarda que, ao insistir na luta por todas as necessidades vitais do proletariado, demonstre como a luta deve ser levada a cabo, expondo assim o carácter traidor dos outros partidos. Só se os comunistas forem capazes de tomar a dianteira e promover todas as lutas práticas do proletariado é que serão capazes de ganhar efetivamente amplas massas do proletariado para a luta pela sua ditadura.
Toda a agitação e propaganda dos partidos comunistas, na verdade todo o seu trabalho, deve estar imbuído da consciência de que nenhuma melhoria duradoura das condições das massas é possível no quadro do capitalismo. Os passos para melhorar as condições da classe trabalhadora e para reconstruir uma economia devastada pelo capitalismo só podem ser dados derrubando a burguesia e esmagando o Estado capitalista. Mas esta perceção não deve levar a qualquer adiamento da luta pelas necessidades imediatas e urgentes da vida do proletariado até ao momento em que este seja capaz de erguer a sua ditadura. O período atual é um período de decadência e colapso capitalista, um período em que o capitalismo já não é capaz de assegurar aos trabalhadores nem sequer a vida de um escravo bem alimentado.
A social-democracia avança com o velho programa social-democrata de reformas pacíficas, levadas a cabo com base e no quadro do capitalismo falido, através de meios pacíficos. Isto é um engano consciente às massas trabalhadoras. Não só o capitalismo decadente é incapaz de proporcionar aos trabalhadores condições de vida relativamente humanas, como os sociais-democratas e os reformistas demonstram todos os dias, em todos os países, que não tencionam conduzir qualquer tipo de luta, nem mesmo pelas reformas mais modestas contidas no seu programa. A exigência de socialização ou nacionalização das indústrias mais importantes, avançada pelos partidos centristas, é igualmente enganosa. Os centristas enganam as massas ao tentar convencê-las de que todos os ramos mais importantes da indústria podem ser arrancados das garras do capitalismo sem a derrota da burguesia. Além disso, procuram desviar os trabalhadores da luta real e viva pelas suas necessidades imediatas através da esperança de que os ramos da indústria possam ser tomados, um após o outro, criando finalmente a base para a construção económica “planeada”.
Desta forma, eles voltam ao programa mínimo social-democrata para reformar o capitalismo, que foi transformado numa evidente fraude contrarrevolucionária. Alguns dos centristas propõem, por exemplo, um programa de nacionalização da indústria do carvão, em parte como expressão do conceito de Lassalle de que todas as energias do proletariado deveriam ser concentradas numa única reivindicação, a fim de a converter numa alavanca para a ação revolucionária, cujo progresso levaria à luta pelo poder. O que temos aqui é um esquematismo vazio. A classe operária de todos os Estados capitalistas sofre hoje de tantos e tão terríveis flagelos que é impossível concentrar a luta contra todos esses fardos opressivos que a sobrecarregam numa qualquer fórmula concebida de forma doutrinária.
A tarefa, pelo contrário, é tomar todos os interesses das massas como ponto de partida para as lutas revolucionárias que só na sua unidade formam o poderoso rio da revolução. Os partidos comunistas não propõem um programa mínimo para essas lutas, um programa destinado a reforçar e melhorar a estrutura frágil do capitalismo. Pelo contrário, a destruição desta estrutura continua a ser o seu objetivo orientador e a sua tarefa imediata. Mas para alcançar esta tarefa, os partidos comunistas têm de avançar com reivindicações cuja realização satisfaça uma necessidade imediata e urgente da classe trabalhadora, e lutar por estas reivindicações independentemente de serem ou não compatíveis com o sistema de lucro capitalista.
Os partidos comunistas dirigem a sua preocupação não para a viabilidade e competitividade da indústria capitalista ou para a resistência das finanças capitalistas, mas para as dimensões de uma privação que o proletariado não pode e não deve suportar. As reivindicações devem exprimir as necessidades sentidas por amplas massas proletárias, de tal forma que estas estejam convencidas de que não podem sobreviver se não as alcançarem. Se for esse o caso, as lutas por essas reivindicações tornar-se-ão pontos de partida para a luta pelo poder.
Em vez do programa mínimo dos centristas e reformistas, a Internacional Comunista oferece uma luta pelas reivindicações específicas do proletariado, como parte de um sistema de reivindicações que, na sua totalidade, minam o poder da burguesia, organizam o proletariado e marcam as diferentes etapas da luta pela ditadura do proletariado. Cada uma destas reivindicações dá expressão às necessidades das amplas massas, mesmo quando estas ainda não tomam conscientemente posição a favor da ditadura proletária.A luta por estas reivindicações para satisfazer as necessidades essenciais de vida das massas tem de abranger e mobilizar um número cada vez maior de pessoas. Ela deve ser contraposta à defesa da sociedade capitalista. Na medida em que isso for feito, a classe trabalhadora tomará consciência de que, para viver, o capitalismo deve morrer. Esta consciência fornece a base para a determinação de lutar pela ditadura proletária. Os partidos comunistas têm a tarefa de alargar, aprofundar e unificar as lutas que se desenvolvem em torno de tais exigências específicas.
Cada ação parcial empreendida pelas massas trabalhadoras para alcançar uma reivindicação parcial, cada greve económica significativa, também mobiliza toda a burguesia, que se coloca como classe do lado do grupo de patrões ameaçado, com o objetivo de tornar impossível até mesmo uma vitória limitada do proletariado (burgueses que quebraram a greve dos trabalhadores ferroviários britânicos, fascistas…). A burguesia mobiliza todo o aparelho de Estado para a luta contra os trabalhadores (militarização dos trabalhadores em França e na Polónia, estado de emergência durante a greve dos mineiros na Grã-Bretanha). Os trabalhadores que estão a lutar por reivindicações parciais serão automaticamente forçados a uma luta contra a burguesia no seu conjunto e contra o seu aparelho de Estado.
Na medida em que as lutas por reivindicações parciais e as lutas parciais de grupos específicos de trabalhadores se alargam a uma luta global da classe trabalhadora contra o capitalismo, o Partido Comunista deve aumentar as suas palavras de ordem e generalizá-las ao ponto de apelar ao derrube imediato do inimigo. Ao apresentar essas reivindicações parciais, os partidos comunistas devem ter o cuidado de que esses slogans, ancorados nas necessidades das amplas massas, não apenas as levem à luta, mas também sejam inerentemente reivindicações que organizem as massas. Todas as palavras de ordem específicas que surgem das necessidades económicas das massas trabalhadoras devem ser orientadas para uma luta pelo controlo da produção – não como um esquema para a organização burocrática da economia sob o capitalismo, mas como uma luta contra o capitalismo através de conselhos de fábrica e sindicatos revolucionários. Construir tais organizações e ligá-las de acordo com os ramos e centros da indústria é a única maneira de unificar organizacionalmente a luta das massas trabalhadoras e resistir à divisão das massas pela social-democracia e pelos líderes sindicais. Os conselhos de fábrica só podem levar a cabo estas tarefas se surgirem da luta por objectivos económicos partilhados pelas mais amplas massas de trabalhadores, só se criarem ligações entre todos os sectores revolucionários do proletariado – entre os partidos comunistas, os trabalhadores revolucionários e os sindicatos que estão a evoluir numa direção revolucionária.
As objecções levantadas contra a apresentação de tais reivindicações parciais e as acusações de reformismo baseadas em lutas parciais expressam a mesma incapacidade de compreender as condições reais para a ação revolucionária. Esta fraqueza foi também expressa quando certos grupos comunistas se opuseram à participação nos sindicatos e na atividade parlamentar. A tarefa não é convocar o proletariado para a luta final, mas intensificar a luta real, o único fator que pode levar o proletariado à luta pelo objetivo final. As objecções às reivindicações parciais são infundadas e alheias às exigências da atividade revolucionária. Isto é demonstrado de forma conclusiva pelo facto de mesmo as pequenas organizações formadas pelos chamados comunistas de esquerda como locais de refúgio para os seus ensinamentos puros terem sido obrigadas a avançar com slogans parciais numa tentativa de atrair para a luta um maior número de trabalhadores do que os que estão imediatamente à sua volta ou de tomar parte na luta de massas mais amplas na esperança de as influenciar.
A essência revolucionária do período atual consiste precisamente no facto de que mesmo as mais modestas necessidades de subsistência das massas trabalhadoras são incompatíveis com a existência da sociedade capitalista. Daí resulta que mesmo a luta por reivindicações bastante modestas se expande para uma luta pelo comunismo.
Os capitalistas utilizam o exército de desempregados em constante crescimento para pressionar os trabalhadores organizados através da redução dos salários. Os cobardes sociais-democratas, os independentes e os dirigentes sindicais oficiais mantêm-se afastados dos desempregados, considerando-os apenas como beneficiários da caridade governamental e sindical, e classificando-os politicamente como o lumpenproletariado. Os comunistas têm de compreender que, nas condições actuais, o exército de desempregados é um fator revolucionário de imensa importância. Os comunistas devem assumir a liderança deste exército. Através da pressão dos desempregados sobre os sindicatos, os comunistas devem acelerar a renovação dos sindicatos e, acima de tudo, libertá-los dos seus líderes traidores. Ao unir os desempregados à vanguarda proletária na luta pela revolução socialista, o Partido Comunista conterá as forças mais revolucionárias e impacientes do proletariado. Tornarão estas forças capazes, em condições favoráveis, de dar um apoio efetivo a um sector da classe trabalhadora que parta para o ataque. Vão alargar estes conflitos para além do seu quadro inicial e fazer deles o ponto de partida para uma ofensiva decisiva. Em suma, transformarão a massa de desempregados de um exército de reserva da indústria num exército ativo da revolução.
Ao assumirem energicamente a causa desta camada de trabalhadores e ao descerem às profundezas da classe operária, os partidos comunistas não estão a agir em nome de uma camada de trabalhadores contra outra, mas a defender os interesses da classe operária no seu conjunto. Os dirigentes contra-revolucionários traem esta causa para servir os interesses momentâneos da aristocracia operária. À medida que o número de trabalhadores sem emprego e a tempo parcial cresce, os seus interesses tornam-se os da classe trabalhadora como um todo, aos quais os interesses passageiros da aristocracia do trabalho devem ser subordinados. Aqueles que defendem os interesses da aristocracia operária, contrapondo-os aos dos desempregados ou simplesmente abandonando-os, estão a dilacerar a classe operária, com efeitos contra-revolucionários. O Partido Comunista, enquanto tribuna dos interesses do conjunto da classe operária, não pode limitar-se a reconhecer esses interesses e a afirmá-los propagandisticamente. Para defender eficazmente esses interesses, o partido deve, em determinadas condições, liderar o grosso dos trabalhadores mais oprimidos e desfavorecidos contra a resistência da aristocracia operária.