Artigo de João Pastor
Estado da Esquerda em Évora
Depois do 25 de abril, Évora sempre foi um bastião da esquerda em Portugal, com a maioria dos anos sendo governada pelo PCP e as suas coligações, em especial a CDU. Desde 1977, tirando a primeira vereação após o 25 de Abril e as autárquicas entre 2002 e 2013, nas quais o PS encabeçou o município, o PCP governou Évora. Embora, do ponto de vista marxista possa parecer uma mais-valia para os eborenses, tal facto deve ser analisado com um olhar mais crítico. A câmara governada pelo PCP entre 1977 e 2002 foi sempre encabeçada pelo mesmo individuo, Abílio Dias Fernandes, gerando um governo regional à volta do mesmo, bem como dos seus apoiantes, e tornando-os, assim como ao PCP regional, uma máquina burocrática afastada da população e que trabalha internamente para benefício próprio.
Com o surgimento do Bloco de Esquerda, que reunia os ativistas das várias organizações que o constituíram, houve a espectativa que algo mudasse. No entanto, o Bloco é um partido fraco na região (que funciona apenas a nível distrital devido à baixa aderência de militância) e, nos últimos quatro anos, ainda mais tem enfraquecido, com os jovens a abandonar as suas fileiras e os eventos que patrocina cada vez mais a reduzirem-se. As ações do Bloco vão perdendo relevância na região, sendo cada vez mais reduzidas a reuniões e almoços/jantares de campanha. E, embora não tenham estado no poder autárquico como o PCP, também este partido se vai burocratizando nas mãos das mesmas pessoas, que chegam às reuniões com as decisões já cozinhadas e tomadas, problema aliás que se verifica no partido a nível nacional. A democracia interna do partido vai enfraquecendo, as oposições internas vão sendo silenciadas e desacreditadas, e a ala mais à esquerda, que procura uma alternativa marxista e revolucionária, vai perdendo a voz em prol do reformismo e da social-democracia.
No que toca à relação destes dois partidos em Évora, ela está, em comparação com Lisboa, muito mais degradada e competitiva, não só por questões políticas, mas também por picardias pessoais que se verificam num meio mais pequeno e que afetam, para além da vida interna do Bloco (votações internas condicionadas por questões pessoais), sobretudo a interação entre estes dois partidos. Um bom exemplo foi a manifestação pela Palestina, que se realizou a 27 de novembro de 2023, na qual o PCP informou erradamente a hora da manifestação, para que o Bloco não participasse, com o intuito de afirmar que são o único movimento que apoia a causa palestiniana na cidade. Isto afetou não só o Bloco, mas também jovens e trabalhadores sem partido que desejavam participar na manifestação, incluindo imigrantes palestinianos.
Este PCP, que se tornou conservador e burocratizado, numa verdadeira elite regional, indignou e afastou muito do seu eleitorado menos ideologicamente informado e que se revia no partido devido ao seu grito de revolta. Muitos destes eleitores encontraram na abstenção uma solução para a sua descrença no voto. No entanto, outras pessoas, sedentas de um grito de revolta e desinformadas politicamente, começaram a ver no CHEGA um veículo para canalizar a sua raiva contra o establishment, deixando-se enganar pelo falso grito da extrema-direita contra o sistema. Assim, assiste-se a um eleitorado do CHEGA que surge das fileiras do PCP, eleitores que tradicionalmente e durante décadas votaram neste último. É, por isso, necessário informar e contruir alternativas anticapitalistas para estas pessoas que se radicalizem contra o regime que as tem oprimido, e que a esquerda reformista não conseguiu proporcionar soluções frutíferas no longo prazo.
A Universidade de Évora também não tem contribuído para a luta contra a extrema-direita na cidade, uma vez que a Associação Académica se encontra dominada pela direita, especialmente por apoiantes do CHEGA, que são em maioria mesmo comparados com os apoiantes da IL ou do PSD! Um bom exemplo disso foi o debate realizado a 30 de novembro, no âmbito da Expo Estudante 2023, na qual foram convidados representantes dos diversos partidos, excetuando o Bloco de Esquerda, posteriormente convidado em cima da hora apenas devido a pressão externa. Indo mais longe, a AAUE utilizou a Rita Matias, do CHEGA, como imagem de cartaz para o debate e estando sempre em relevância nos meios de divulgação do evento (primeiro post do Instagram ser o seu nome e foto por exemplo)!
Estado da Cultura
No que toca à cultura, Évora será a Capital da Cultura Europeia 2027, tendo recebido um financiamento «superior a 44 milhões de euros». E embora a cultura em Évora esteja viva, desde associações culturais como a Sociedade Harmonia Eborense, a eventos camarários como Artes à Rua, a divulgação dos mesmos é feita rotineira e mecanicamente, como os eventos gratuitos realizados no Teatro Garcia de Resende. Embora estes eventos aconteçam regularmente, a divulgação é tão fraca que a maioria da população (cansada duma jornada de trabalho) acaba por nem se aperceber dos mesmos. Por outro lado, as associações culturais têm cada vez menor capacidade económica de apresentar uma maior variedade de eventos e com mais regularidade. Esta situação é agravada por um sectarismo semelhante ao que se vive na vida política. Muitas discrepâncias pessoais levam estas associações a não trabalhar em conjunto ou, mais grave ainda, a conflitos nas direções das mesmas que só levam ao enfraquecimento e empobrecimento cultural destas e da cidade.
O potencial e a esperança
Por muito negativa que pareça esta realidade, Évora não está apagada da luta, sendo de realçar o “Évora Pride’23” que ocorreu em junho de 2023, o primeiro a realizar-se nesta cidade. Foi possível convencer a câmara a aceitar este evento, na qual participou afincadamente, disponibilizando espaços para exposições, por exemplo. As associações culturais, em especial a Sociedade Harmonia Eborense, juntaram-se a esta iniciativa, tendo a Harmonia disponibilizado o seu espaço para rodas de conversa e eventos de diversão que muito marcaram a comunidade LGBTQI+ de Évora na positiva. Embora este evento tenha sido manchado por ataques gravíssimos da extrema-direita, como o a destruição de uma exposição num edifício de uma igreja da câmara, na qual um funcionário municipal foi feito refém; e ataques verbais durante um evento contra o preconceito direcionado para as crianças, o mesmo revela um lado lutador dos eborenses e estudantes universitários deslocados, que pode e deve ser canalizado pela luta conta a opressão, enchendo-nos de esperança.
Évora tem o potencial que o Alentejo tem, região onde os ideais de Abril sempre foram fortes, um bastião da oposição ao fascismo, embora seja um caso muito particular, uma cidade de tradição católica que contrasta com o resto do Alentejo (não nos esqueçamos que a Inquisição portuguesa foi fundada nesta cidade). E embora, como se pode ver na descrição que Virgílio Ferreira faz da cidade na sua obra «Aparição», de 1959, Évora seja uma cidade fechada e conservadora, pertence em contraste ao legado revolucionário alentejano, o qual, bem organizado e instruído, pode contribuir para o derrube do capitalismo, em Portugal e no mundo.