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O que fazer? Lenine sobre como organizar a revolução

Arturo Rodríguez

O objetivo dos comunistas é muito ambicioso: queremos derrubar o capitalismo no mundo todo através de uma revolução. Porém, não somos Dom Quixotes – as revoluções são factos históricos, que nascem das contradições da sociedade capitalista. Já têm acontecido e voltarão a acontecer.

Contudo, há revoluções vitoriosas e há também revoluções que são derrotadas. A história de todas a revoluções mostra a importância do que os comunistas chamamos de fator subjetivo, ou seja, a presença dumas perspetivas, dum plano de luta e dum programa, e, sobretudo, duma organização que encarne esse programa, que tenha raízes e autoridade entre a classe trabalhadora, e que possa intervir no momento crítico para levar a revolução à vitória. Esse fator subjetivo não aparece automaticamente, mas deve ser construído conscientemente no período que precede à crise revolucionária.

A maior revolução da história, a revolução russa de 1917, que por primeira vez levou a classe trabalhadora ao poder, triunfou precisamente porque havia uma organização –o partido bolchevique– capaz de intervir decisivamente nos acontecimentos. Esse partido não caiu do céu, mas foi construído nos 15 anos precedentes graças principalmente aos esforços do seu dirigente, Vladimir Lenine.

O que fazer?

O partido bolchevique não foi construído, porém, à toa, mas seguiu a visão que Lenine desenvolveu meticulosamente. Esta sua visão sobre a natureza e o papel do partido revolucionário foi plasmada na sua importante obra de 1902, O que fazer?

O marxismo começou a se popularizar na Rússia na década de 1880. Em 1898, os diferentes grupos marxistas russos (chamados na altura de social-democratas) unificaram-se no Partido Operário Social-Democrata Russo (POSDR). Todavia, no início do século XX o movimento seguia bastante dividido entre várias tendências. Os chamados marxistas legais adotaram uma visão explicitamente reformista. Por outro lado, uma outra corrente, os economistas, interessavam-se principalmente pelas reivindicações económicas imediatas dos trabalhadores (foi por isso que receberam a alcunha de “economistas”). Lenine elaborou a sua visão do partido na polémica com estas tendências.

A importância da teoria

Sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário. Não seria demasiado insistir sobre essa ideia em uma época, onde o entusiasmo pelas formas mais limitadas da ação prática aparece acompanhado pela propaganda em voga do oportunismo.”

Um verdadeiro partido revolucionário que quiser intervir nos acontecimentos, ao invés de ir ao reboque deles, deve armar-se com uma teoria à altura das suas tarefas. Não basta a vontade de lutar, necessitam-se também ideias corretas. A teoria mais avançada do movimento operário é sem dúvida o marxismo, que concentra e generaliza a experiência histórica da classe trabalhadora. A teoria marxista dá aos comunistas, como já explicaram Marx e Engels, “a vantagem da inteligência das condições, do curso e dos resultados gerais do movimento proletário,” coloca-os na vanguarda do movimento. Portanto, como resume Lenine, “só um partido guiado por uma teoria de vanguarda é capaz de preencher o papel de combatente de vanguarda.”

O marxismo, porém, não é um dogma, mas uma teoria científica extremamente rica. E, como disse Lenine citando Engels, “o socialismo, desde que se tornou uma ciência, exige ser tratado, isto é, estudado, como uma ciência.” Em definitivo, o partido revolucionário deve basear-se na teoria marxista, que deve ser estudada conscientemente pelos seus militantes.

Liberdade de crítica

Se levarmos a teoria a sério, se olharmos para ela como a nossa bússola e não como um simples brinquedo, seremos obrigados a rejeitarmos o ecleticismo e as misturas atabalhoadas de ideias. Isso leva Lenine a opor-se à reivindicação feita pela fação economista e outros grupos de “liberdade de crítica”. Estas fações exigiam o direito a exprimirem quaisquer opiniões nas fileiras do partido – ou seja, o direto ao ecleticismo e a confusão ideológica! O partido revolucionário não pode ser um clube de debate. Também não é o modelo da sociedade socialista futura. É uma organização de combate, formada livre e voluntariamente com o objetivo de derrubar o sistema capitalista. O partido tem o direito e o dever de esclarecer os seus pontos de vista, definir e defender claramente a sua teoria. Lenine utiliza a metáfora seguinte:

Pequeno grupo compacto, seguimos por uma estrada escarpada e difícil, segurando-nos fortemente pela mão. De todos os lados, estamos cercados de inimigos, e é preciso marchar quase constantemente debaixo de fogo. Estamos unidos por uma decisão livremente tomada, precisamente a fim de combater o inimigo e não cair no pântano ao lado, cujos habitantes desde o início nos culpam determos formado um grupo à parte, e preferido o caminho da luta ao caminho da conciliação.”

Nos seus argumentos contra a chamada “liberdade de crítica”, Lenine acrescenta mais um elemento muito importante. Explicando a infiltração de ideias reformistas na social-democracia europeia, ele diz: “a grande participação da camada de ‘académicos’ no movimento socialista dos últimos anos assegurou a rápida difusão [da tendência reformista] do bernsteinismo.” A burguesia não combate o movimento dos trabalhadores apenas através da repressão e do suborno, mas também com médios mais subtis, introduzindo confusões e distorções ideológicas nas suas fileiras, que embotem o seu gume revolucionário. Nesta missão, geralmente utiliza os serviços de intelectuais pequeno-burgueses, tendentes ao idealismo e ao ecleticismo. Nos últimos anos, temos presenciado a infiltração na esquerda de ideias pós-modernas ligadas ao mundo académico, que parecem radicais mais que são profundamente reformistas, procurando mudar a linguagem e os “relatos” ao invés da vida real, e que nós temos criticado sistematicamente. Da mesma maneira que o partido se protege contra a repressão e a corrupção dos seus representantes, deve proteger-se contra a sua corrupção ideológica!

A espontaneidade

A fação economista na social-democracia russa exaltava a ação espontânea da classe trabalhadora, e considerava que os militantes do partido deviam mergulhar na vida sindical. Certamente, as greves e protestos espontâneos são importantes e jugam um papel na luta de classes. Porém, a espontaneidade representa a primeira fase, a mais imatura e inconsciente, do movimento. As lutas espontâneas representam “o despertar do antagonismo entre operários e patrões”; são, segundo Lenine, o “embrião” da luta de classes. O embrião, porém, deve continuar a desenvolver-se! Do protesto desorganizado deve passar-se à luta organizada; do tumulto inconsciente contra o capitalismo os trabalhadores devem passar à revolta consciente, impelida pela “consciência da oposição irredutível dos seus interesses com toda a ordem política e social existente.”

A tarefa dos comunistas é estimularmos e acelerarmos a tomada de consciência da classe trabalhadora, colocando as suas reivindicações mais imediatas no quadro geral da exploração capitalista, expondo a incompatibilidade dos seus interesses com o sistema existente, e utilizando as suas lutas parciais para mostrar a força coletiva da classe trabalhadora.

Os economistas faziam o contrário, marchando “à cauda” do setor mais atrasado e inconsciente das massas, rebaixando a sua propaganda ao nível mais cruo e imaturo do movimento, retardando assim o seu desenvolvimento e mantendo-o “na sua infância”, em palavras de Lenine. Isto lembra-nos a política “populista” de alguns dirigentes de esquerda, como Pablo Iglesias em Espanha. Temerosos de “assustar” a “opinião pública” moderam o seu programa, desmoralizando o setor mais avançado da classe trabalhadora e ao mesmo tempo reforçando os preconceitos do setor mais atrasado.

Infelizmente, nesta parte do livro Lenine engana-se, ao afirmar que a classe trabalhadora não pode desenvolver uma consciência de classes revolucionária sozinha, que precisa da “ajuda” dos intelectuais socialistas para o conseguir. O próprio Lenine reconheceu no ano seguinte o seu erro, cometido no fragor de uma polémica. O caso da Comuna de Paris de 1871, quando os operários da capital francesa tomaram o poder durante mais de dois meses, mostra precisamente que os trabalhadores podem tirar as conclusões mais avançadas através da sua própria experiência. Isso não nega a importância do fator subjetivo. Pelo contrário: sem um programa claro, com políticas improvisadas, e isolada em Paris, a Comuna foi rapidamente esmagada.

Economismo

Os economistas eram chamados assim devido a sua preocupação pelas reivindicações materiais imediatas: a prioridade dos militantes deveria ser agitar por maiores salários e melhores condições no âmbito da fábrica. Apesar da sua retórica radical, esta política é profundamente oportunista, como explica Lenine. Concentrando-se nos objetivos imediatos, esquece-se a luta contra o sistema no seu conjunto. Esta atitude lembra, infelizmente, a atual política do PCP, que, na sua campanha eleitoral, se limita a reivindicar melhores salários e serviços.

Como explica Lenine, porém, os trabalhadores sabem muito bem que os ordenados são insuficientes, que a jornada de trabalho é longa demais e que a vida da classe operária é extremamente difícil. O que é necessário é explicar porquê é que a vida é tão injusta neste sistema, e como se pode pôr cobro a esta situação desesperadora. É preciso passar da agitação estreitamente económica a uma agitação política contra o sistema capitalista. Qualquer partido pode oferecer milagres no “leilão” eleitoral, mas só um partido verdadeiramente revolucionário pode explicar as causas da crise e a sua solução revolucionária.

Por outro lado, o economismo concentrava-se apenas na luta económica dos trabalhadores, esquecendo outro tipo de injustiças que os afligem, e esquecendo também os problemas de outras classes e grupos oprimidos. Existe uma caricatura do marxismo que o apresenta como uma teoria que apenas se preocupa pelas lutas dos operários nas fábricas. Pela sua concentração, coesão e importância económica, a classe operária tem um papel crucial na revolução, mas isso não esgota a questão. O marxismo interessa-se por todos os grandes problemas da nossa época, generaliza-os e liga-os à crise geral do capitalismo. Um verdadeiro comunista rebela-se contra qualquer tipo de opressão: a opressão contra as mulheres, contra as minorias nacionais, contra os migrantes, contra as pessoas LGBT, etc. Denuncia a repressão, a corrupção, as arbitrariedades burocráticas. Na nossa época rebela-se contra a destruição do ambiente pelos capitalistas. Como diz Lenine:

O social-democrata não deve ter por ideal o secretário do sindicato, mas o tribuno popular, que sabe reagir contra toda manifestação de arbitrariedade e de opressão, onde quer que se produza, qualquer que seja a classe ou camada social atingida, que sabe generalizar todos os fatos para compor um quadro completo da violência policial e da exploração capitalista, que sabe aproveitar a menor ocasião para expor diante de todos suas convicções socialistas e suas reivindicações democratas, para explicar a todos e a cada um o alcance histórico da luta emancipadora do proletariado.”

A organização dos revolucionários

As ideias e métodos corretos não são nada sem organização! Sobretudo, não são nada sem centenas, milhares de militantes que intervenham na luta de classes. Lenine defende um partido de quadros. Mas, o que é um quadro? É um militante capaz de explicar as posições do partido e de aplicar a sua política às situações concretas. Um quadro não precisa só de boas ideias, mas também de vontade e tenacidade revolucionária. Não se trata só de saber explicar a posição do partido, mas de estar decidido a fazê-lo em todo momento! Lenine fala numa organização de “revolucionários profissionais”. Isto não quer dizer que os militantes sejam necessariamente funcionários do partido, mas que dediquem a sua vida à causa da revolução.

Mas não chega com termos militantes bem preparados. Eles devem estar bem organizados também, coordenados a escala nacional e internacional. Lenine propõe “a criação de uma organização sólida, centralizada, combativa”. A burguesia está muito bem organizada; nós só poderemos a derrotar através da unidade e da organização. Os críticos do bolchevismo têm denunciado esta visão centralista como autoritária e como responsável pela ditadura estalinista. Mas a centralização não é incompatível com a democracia. Posteriormente, Lenine formularia o conceito do centralismo democrático (que já está implícito no Que fazer?), que se pode resumir na máxima liberdade na discussão e na tomada das decisões, e a máxima unidade e disciplina no cumprimento dos acordos. Uma direção com autoridade política, fiscalizada pela militância, não é uma força burocrática ou autoritária, mas uma alavanca capaz de generalizar a experiência do partido e assegurar o seu funcionamento efetivo.

O jornal

A melhor ferramenta para levar as ideias revolucionárias à classe trabalhadora é um jornal nacional. Na Rússia em 1902 havia inúmeros órgãos social-democratas de caráter local, mas, pelo seu isolamento, tinham uma perspetiva bastante localista e unilateral. Eram incapazes de olhar além das experiências locais e oferecer uma visão política geral da Rússia e do mundo. Era preciso um grande órgão nacional para fazer isso. Em 1900, tinha sido criado o jornal do POSDR, Iskra, editado, entre outros, por Lenine desde o exílio. Porém, em 1902 ainda não podia ser denominado um verdadeiro órgão nacional da Social-Democracia.Mas o jornal não seria apenas um “agitador coletivo”, mas também um “organizador coletivo”, como Lenine explicou num outro artigo de 1901, Por onde começar? Ele explica:

Um jornal, todavia, não tem somente a função de difundir ideias, de educar politicamente e de conquistar aliados políticos. O jornal não é somente um propagandista e agitador coletivo, mas também um organizador coletivo. Sobre esse último aspecto, se pode comparar o jornal com a estrutura de andaimes que envolve o edifício em construção mas permite adivinhar seus traços, facilita os contatos entre os construtores, lhes ajudando a subdividir o trabalho e a dar conta dos resultados gerais obtidos com o trabalho organizado. Através do jornal e com o jornal se formará uma organização permanente, que se ocupará não somente do trabalho local, mas também do trabalho geral sistemático, que ensinará a seus membros a acompanharem atentamente os acontecimentos políticos, a avaliar a importância e a influência de diversos estratos da população, a elaborar quais métodos permitem ao partido revolucionário exercitar sua influência sobre os mesmos.”

Embora a maioria das organizações de esquerda tenham abandonado a imprensa física, nós comunistas da Tendência Marxista Internacional achamos, pelos motivos que explica Lenine, fundamental manter um jornal físico, complementado na nossa época por uma imprensa online.

Construir o fator subjetivo

É evidente que o capitalismo está a afundar e que ameaça não apenas a vida civilizada, mas o próprio futuro do planeta. Porém, na nossa época ainda não temos presenciado nenhuma revolução vitoriosa. Muitos pessimistas na esquerda concluem, portanto, que o capitalismo é poderoso demais, e culpam a classe trabalhadora pela sua suposta passividade. Todavia, nos últimos anos temos presenciado inúmeras lutas revolucionárias que têm abalado profundamente o sistema: a Primavera Árabe, o referendo na Grécia em 2015, as insurreições do Chile e do Equador de 2019, a revolta de Sri Lanka de 2022, etc. Não tem faltado coragem, unanimidade, coesão e vontade de luta. O que tem faltado tem sido o fator subjetivo: o programa, as perspetivas, as táticas, e a organização revolucionária que as encarne. Falta, em definitivo, esse partido que Lenine definiu tão claramente em 1902. A nossa tarefa é construi-lo!

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