O reformismo da “democracia avançada”

O secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, iniciou o ciclo de entrevistas e debates no âmbito da campanha para as eleições legislativas de março de 2024. A entrevista que passou na CMTV, foi um esclarecimento sobre a posição do PCP e, em certa medida, foi de encontro a algumas das críticas que lhe temos feito.

Se é verdade que as perguntas do jornalista nunca foram direcionadas ao seu programa eleitoral, também é verdade que desaproveitou bastantes oportunidades para “virar” as perguntas a seu favor.

Vejamos alguns exemplos, sempre transcrevendo as palavras de Paulo Raimundo.

A pergunta incidia sobre os resultados das sondagens que atribuíam uma maioria de direita e ainda colocavam a CDU com um dos piores resultados, além de perguntar como combater a ascensão da direita. A resposta de Paulo Raimundo começou bem: “Falando nas sondagens, (…), condicionam muito e acertam pouco”. O que diz, acertadamente, alude à manipulação dos media pela burguesia, visando beneficiar os partidos que melhor se apresentem para cumprir com as políticas desta, enquanto tem em vista reduzir a capacidade de partidos de esquerda. Mas não explorou este tema, desmascarando a falsa ideia de que os media produzem informação independente e isenta de agendas políticas. 

À segunda parte da pergunta, como combater o crescimento da direita, estávamos à espera que refletisse acerca da necessidade de mobilização da classe trabalhadora, da importância de uma posição revolucionária contra o capitalismo e o regime burguês em Portugal. Esperaríamos que fosse desmascarado o caráter de classe que o Chega representa, e como tão bem se vê pelos seus financiadores e propostas que só têm em vista o reforço do poder burguês e a liquidação das conquistas de Abril. Infelizmente, nem uma palavra sobre isto foi dita… Apenas, mais adiante na entrevista, faz referência à necessidade de uma mobilização do voto na CDU, enquanto garantia de mudança de rumo do País, para “condicionar e impor as condições que são necessárias”, mas no quadro do parlamentarismo burguês.

Esta posição de um reforço da CDU no parlamento, não deixa de ser uma tentativa de criar as condições para uma nova geringonça. E mesmo que tivesse dito que não falou com Pedro Nuno Santos sobre isso, em termos práticos é o que significa. A geringonça trouxe uma melhoria (relativa) das condições de vida aos trabalhadores, que logo foram perdidas com o aumento do custo de vida, resultado da pandemia e acelerado pelas guerras na Ucrânia e agora no Médio Oriente; além de que a CDU (e BE) pactuou com a política de cativações e austeridade (mascarada com o nome de “contas certas”) do PS, como as aprovações dos sucessivos orçamentos de Estado o demonstram.

Pedro Mourinho continua e pergunta se Paulo Raimundo considera Pedro Nuno Santos como um futuro bom Primeiro-Ministro. A esta pergunta seria expectável que a resposta fosse: qualquer Primeiro-Ministro que governe em função do capital e sob mandato da burguesia é nefasto para o país; talvez uma resposta que colocasse o próprio Paulo Raimundo como um bom Primeiro-Ministro, porque tem um programa de “democracia avançada” e que vai de encontro às necessidades da classe trabalhadora.

Qual foi a sua resposta?

“É assim, vamos a votos. Vamos eleger 230 deputados. Esta é a questão fundamental. E a partir dessa maioria que se formar na Assembleia que determina o futuro. Não vale a pena nós estarmos a falar de Primeiro-Ministro (…)”

Continuemos para como Paulo Raimundo quer implementar o aumento do salário dos trabalhadores. Acertadamente afirma que existe dinheiro para isso, como se vê pelos lucros dos grupos económicos em 25 milhões de euros diariamente, pelo excedente orçamental e pela criação contínua de riqueza.

É agora, pensámos, que o secretário-geral do Partido Comunista ia afirmar que é imperativo que os grupos económicos fossem colocados sob controlo popular, afinal responde:

“Os grupos económicos encaixam 25 milhões de euros de lucro por dia. Para implementar esta nossa medida [aumento dos salários], que é uma medida fundamental para alavancar todos os salários, não só o salário mínimo, mas todos os salários, é lógico que os grupos económicos não podiam continuar a ter 25 milhões de euros de lucros por dia. Se calhar só podiam ter 18, 19. Qual era o problema disso? Qual era a consequência [para os grupos económicos]? O país parava por isso? Não.”

Nós diríamos que o problema dessa medida é manter, no essencial, a exploração dos trabalhadores com poucos ganhos no imediato, ou seja, manter a mesma relação de poder e que até o Governo de extrema-direita aplicou na Itália aplicou impostos sobre lucros extraordinários da Banca (mesmo que tenha recuado sob ameaça de um colapso da Banca em bolsa), enquanto o PCP propõe não mexer na Banca e apenas acabar ou diminuir as taxas e comissões. 

O PCP, no seu Programa que “visa resolver muitos dos mais graves problemas actualmente existentes” e que isso passa pela “liquidação da exploração capitalista, (…), é tarefa histórica que só com a revolução socialista é possível realizar”, porém, apela constantemente a políticas reformistas. É comunista, mas sem prever nacionalizações; é comunista, porém defende umas medidas que não atinjam muito os lucros dos grupos económicos; nacionalizar a Banca? Nem pensar, forcemos a Banca a não cobrar taxas nem comissões.

Não queremos, de modo algum, criticar gratuitamente o PCP. O que defendemos, no entanto, é uma posição mais combativa do PCP e menos reformista; gostaríamos de ver um PCP ousado e apelando à classe trabalhadora para que se mobilize na missão histórica de tomar o poder à burguesia.

O PCP deve, sem medos eleitorais, adotar uma postura reivindicativa que vá de encontro às aspirações dos trabalhadores e defender medidas que, por um lado, imponha medidas trabalhistas, mas que vá além do imediatismo e conjugue essas medidas com o objetivo último: iniciar a transição para o socialismo. Não pedimos nada além do que Lenine defendeu e aplicou ao contexto russo.

É um facto que, avaliando pelas sondagens, a correlação de forças pende para a direita, mas também é um facto que ainda temos um mês até às eleições e que só a mobilização dos trabalhadores pode contrariar esta maioria de direita. Escrevemos antes que a liderança da esquerda não acredita na possibilidade de uma revolução e prefere manter-se à sombra de um regime burguês e de conquistas reformistas, que já atingiram o seu limite. Contudo, é de destacar que essa atitude não é extensiva a todos os trabalhadores e existem muitos militantes que esperam essa alternativa de esquerda que inicie um plano de transição para o socialismo. 

Os trabalhadores estão cada vez mais cientes de que as políticas que nos conduziram até aqui não resolvem nada e que são precisas alternativas. O nível de contestação social tem aumentado substancialmente nos últimos anos e é preciso ligar as lutas por melhores condições económicas à luta política. O PCP está a desperdiçar essa oportunidade, ignorando o potencial dos trabalhadores e apostando numa influência meramente parlamentar que pressupõe repetir os mesmos erros da geringonça.

Ao contrário de outros partidos e movimentos, estamos confiantes na capacidade de mobilização dos trabalhadores e, especialmente, no ano em que se celebra meio século da Revolução dos Cravos é imperativo reconquistarmos Abril e iniciarmos as conquistas que ficaram por fazer.

Imagem de destaque do artigo da autoria de Hugo Delgado (Lusa)

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