Escritos sobre o fascismo 

  • Trechos do artigo E a seguir? Questão vital para o proletariado alemão 

Leon Trotsky, 1932  

No momento em que os recursos policiais e militares “normais” da ditadura burguesa, juntamente com os seus biombos parlamentares, não são mais suficientes para manter a sociedade num estado de equilíbrio – chega a vez do regime fascista. Através da ação fascista, o capitalismo põe em movimento as massas da pequena burguesia enlouquecida e os bandos do lumpemproletariado desclassificado e desmoralizado – todos os inúmeros seres humanos que o próprio capital financeiro levou ao desespero e ao frenesim. 

Do fascismo a burguesia exige um trabalho minucioso; uma vez recorrido a métodos de guerra civil, insiste em ter paz durante um período de anos. E o movimento fascista, ao utilizar a pequena burguesia como aríete, ao superar todos os obstáculos no seu caminho, faz um trabalho minucioso. Depois que o fascismo é vitorioso, o capital financeiro reúne direta e imediatamente em suas mãos, como num torno de aço, todos os órgãos e instituições de soberania, os poderes executivos administrativos e educacionais do Estado: todo o aparato estatal juntamente com o exército, os municípios, as universidades, as escolas, a imprensa, os sindicatos e as cooperativas. Quando um Estado se torna fascista, isso não significa apenas que as formas e os métodos de governo são alterados de acordo com os padrões estabelecidos por Mussolini – as mudanças nesta esfera acabam por desempenhar um papel menor –, mas significa, em primeiro lugar, que as organizações dos trabalhadores são aniquiladas; que o proletariado está reduzido a um estado amorfo; e que se cria um sistema de administração que penetra profundamente nas massas e que serve para frustrar a cristalização independente do proletariado. Aí está precisamente a essência do fascismo… 

* * * 

O fascismo italiano foi o resultado imediato da traição dos reformistas à revolta do proletariado italiano. A partir do momento em que a [primeira] guerra mundial terminou, houve uma tendência ascendente no movimento revolucionário na Itália, e em setembro de 1920 resultou na tomada de fábricas e indústrias pelos trabalhadores. A ditadura do proletariado era um facto real; faltava apenas organizá-la e tirar daí todas as conclusões necessárias. A social-democracia assustou-se e encolheu-se. Depois dos seus esforços ousados e heroicos, o proletariado ficou de frente para o vazio. A disrupção do movimento revolucionário tornou-se o fator mais importante no crescimento do fascismo. Em setembro, o avanço revolucionário estagnou; e novembro assistia já à primeira grande manifestação dos fascistas (a tomada de Bolonha)*. 

[NOTA: A campanha fascista de violência começou em Bolonha, 21 de novembro de 1920. Quando os vereadores social-democratas, vitoriosos nas eleições autárquicas, saíram da câmara municipal para apresentar o novo presidente da câmara, foram recebidos a tiro e 10 pessoas morreram e 100 ficaram feridos. Os fascistas seguiram com “expedições punitivas” nos campos em redor da cidade, um reduto das “Ligas Vermelhas”. “Esquadrões de ação” de camisas negras em veículos fornecidos por grandes proprietários de terras, tomaram as aldeias em ataques relâmpagos, espancando e matando camponeses e sindicalistas e líderes de esquerda, destruindo sedes radicais e aterrorizando a população. Encorajados pelos seus sucessos fáceis, os fascistas lançaram então ataques em larga escala nas grandes cidades.] 

É verdade que o proletariado, mesmo depois da catástrofe de setembro, era capaz de travar batalhas defensivas. Mas a social-democracia só se preocupava com uma coisa: retirar os trabalhadores do combate à custa de uma concessão atrás da outra. A social-democracia esperava que a conduta dócil dos trabalhadores restaurasse a “opinião pública” da burguesia contra os fascistas. Além disso, os reformistas até apostaram fortemente no auxílio do rei Vítor Emanuel. Até à última hora, contiveram os trabalhadores com todo o esforço possível para impedi-los de dar batalha aos bandos de Mussolini. Não lhes valeu nada. A coroa, juntamente com a camada superior da burguesia, pendeu para o lado do fascismo. Convencidos, à última hora, de que o fascismo não poderia ser controlado pela obediência, os sociais-democratas convocaram os trabalhadores para uma greve geral. Mas a sua convocatória foi um fiasco. Os reformistas tinham humedecido a pólvora durante tanto tempo, com medo que esta explodisse que, quando finalmente aplicaram, com a mão trêmula, um rastilho ardente, a pólvora não deflagrou. 

Dois anos após a sua criação, o fascismo estava no poder. Entrincheirou-se graças ao facto de que o primeiro período de seu domínio coincidiu com uma conjuntura económica favorável, que se seguiu à depressão de 1921-22. Os fascistas esmagaram o proletariado em retirada através das forças da pequena burguesia. Mas isso não foi conseguido com um único golpe. Mesmo depois de assumir o poder, Mussolini prosseguiu o seu percurso com a devida cautela: faltavam-lhe ainda arquétipos prontos. Durante os dois primeiros anos, nem sequer a Constituição foi alterada. O governo fascista assumiu o caráter de uma coligação. Enquanto isso, os bandos fascistas estavam ocupados no seu trabalho com bastões, facas e pistolas. Só assim o governo fascista foi criado lentamente, o que significou o completo estrangulamento de todas as organizações de massas independentes. 

Mussolini conseguiu isso à custa da burocratização do próprio partido fascista. Depois de utilizar as forças da pequena burguesia, o fascismo estrangulou-a na mira do Estado burguês. Mussolini não poderia ter feito de outra forma, pois a desilusão das massas que ele havia unido estava-se precipitando num perigo mais imediato à frente. O fascismo, ao tornar-se burocrático, aproxima-se muito de outras formas de ditadura militar e policial. Já não possui o seu antigo apoio social. A principal reserva do fascismo – a pequena burguesia – foi retratada. Só a inércia histórica permite ao governo fascista manter o proletariado num estado de dispersão e desamparo… 

Na sua política em relação a Hitler, a social-democracia alemã não foi capaz de acrescentar uma única palavra: tudo o que faz é repetir de forma mais ponderada o que os reformistas italianos no seu tempo fizeram. Estes últimos explicaram o fascismo como uma psicose do pós-guerra; a social-democracia alemã vê nele uma “Versalhes” ou psicose de Crise. Em ambos os casos, os reformistas fecharam os olhos para o caráter orgânico do fascismo como um movimento de massas que cresce a partir do colapso do capitalismo. 

Temendo a mobilização revolucionária dos trabalhadores, os reformistas italianos depositaram todas as suas esperanças no “Estado”. O seu slogan era: “Socorro! Victor Emmanuel, exerça pressão!” A social-democracia alemã carece de um baluarte democrático como um monarca leal à Constituição. Por isso, deve contentar-se com um presidente – “Socorro! Hindenburg, exerça pressão!” 

[NOTA: Paul von Hindenburg: general ue ganhou fama na Primeira Guerra Mundial e mais tarde tornou-se presidente da República de Weimar. Em 1932, os sociais-democratas apoiaram-no para a reeleição como um “mal menor” para os nazis. Ele nomeou Hitler chanceler em janeiro de 1933.] 

Enquanto travava uma batalha contra Mussolini, ou seja, enquanto recuava diante dele, Turati [principal teórico reformista do Partido Socialista Italiano] soltou o seu lema deslumbrante: “É preciso ter a masculinidade para ser um covarde“.  Os reformistas alemães são menos frívolos com os seus slogans. Eles exigem “Coragem sob impopularidade” (Mut zur Unpopularitaet) – o que equivale à mesma coisa. Não se deve ter medo da impopularidade despertada pela própria atitude covarde com o inimigo. 

Causas idênticas produzem efeitos idênticos. Se a marcha dos acontecimentos dependesse da liderança do partido social-democrata, a carreira de Hitler estaria assegurada. 

É preciso admitir, no entanto, que o Partido Comunista Alemão também aprendeu pouco com a experiência italiana. 

O Partido Comunista Italiano surgiu quase simultaneamente com o fascismo. Mas as mesmas condições de refluxo revolucionário, que levaram os fascistas ao poder, serviram para dissuadir o desenvolvimento do Partido Comunista. Não prestou contas de toda a envergadura do perigo fascista; embalou-se em ilusões revolucionárias; era irreconciliavelmente antagónico à política da Frente Unida; em suma, foi acometido por todas as doenças infantis. Pequena maravilha! Tinha apenas dois anos. Aos seus olhos, o fascismo parecia ser apenas uma “reação capitalista”. Os traços particulares do fascismo que brotam da mobilização da pequena burguesia contra o proletariado, o Partido Comunista foi incapaz de discernir. Os camaradas italianos informam-me que, com a única exceção de Gramsci, o Partido Comunista nem sequer permitia a possibilidade de os fascistas tomarem o poder. Uma vez derrotada a revolução proletária, mantendo-se firme o capitalismo e triunfado a contrarrevolução, como poderia haver mais algum tipo de sublevação contrarrevolucionária? Como poderia a burguesia levantar-se contra si mesma! Essa era a essência da orientação política do Partido Comunista Italiano. Além disso, não se deve perder de vista que o fascismo italiano era então um fenômeno novo, em processo de formação; não teria sido uma tarefa fácil, mesmo para um partido mais experiente, distinguir as suas características específicas. 

[NOTA: Antonio Gramsci: fundador do Partido Comunista Italiano, preso por Mussolini em 1926, morreu na prisão 11 anos depois] 

A direção do Partido Comunista Alemão reproduz hoje quase literalmente a posição de onde os comunistas italianos tiraram o seu ponto de partida: o fascismo não é outra coisa senão a reação capitalista; do ponto de vista do proletariado, a diferença entre os diversos tipos de reação capitalista não tem sentido. Este radicalismo vulgar é o menos desculpável porque o partido alemão é muito mais velho do que o italiano era no período correspondente; além disso, o marxismo é agora enriquecido pela trágica experiência na Itália. Insistir que o fascismo já está aqui, ou negar a própria possibilidade da sua chegada ao poder, equivale politicamente à mesma coisa. Ao ignorar a natureza específica do fascismo, a vontade de lutar contra ele fica inevitavelmente paralisada. 

O peso da culpa deve ser suportado, naturalmente, pela liderança do Comintern. Os comunistas italianos, acima de todos os outros, tinham o dever de levantar a voz em alarme. Mas Estaline, juntamente com Manuilsky, obrigou-os a repudiar as lições mais importantes da sua própria aniquilação. Já observamos com que diligente alacridade Ercoli passou para a posição do fascismo social – ou seja, para a posição de esperar passivamente pela vitória fascista na Alemanha. 

[NOTAS: Dmitri Manuilsky: Chefiou o Comintern de 1929 a 1934. Ercoli. Pseudónimo de Palmiro Togliatti . Chefiou o Partido Comunista Italiano após a prisão de Gramsci.] 

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