A revolução do 25 de Abril provocou a queda da ditadura e o começo dum processo revolucionário que ameaçou o capitalismo português e foi inspiração para os trabalhadores de todo o mundo. Naquela madrugada libertadora, a classe trabalhadora saiu à rua em júbilo, apoio e confraternização com os militares sublevados, transformando um golpe militar numa revolução.
As expetativas do Movimento dos Capitães e da Junta (militar) de Salvação Nacional (a quem os capitães entregaram o poder no fim do dia 25) depressa saíram goradas: não haveria lugar a uma transição suave, ordeira e pacífica de poder. Nos dias seguintes a mobilização popular impôs o fim da PIDE e da censura, a libertação imediata de todos os presos políticos, o saneamento de conhecidos fascistas, esbirros e bufos e o reconhecimento das liberdades e dos partidos políticos. Uma semana depois, no primeiro 1º de Maio, um milhão de trabalhadores desfilando com soldados e marinheiros celebravam o Dia do Trabalhador que fora proibido durante 48 anos! Nas colónias, à determinação da luta dos povos africanos juntava-se agora a recusa dos soldados portugueses em continuar a guerra, impondo-se a descolonização.
A burguesia tinha perdido o controle. Os meses que se seguiram foram o período mais democrático da história do nosso país. Durante o PREC (processo revolucionário em curso) a liberdade chegou às empresas, às herdades, às escolas, aos quartéis, aos bairros e às aldeias. Entusiasticamente milhões de trabalhadores, jornaleiros agrícolas, intelectuais, estudantes, soldados e marinheiros tomaram o destino nas suas mãos e através da luta, criando comissões de empresa, comités populares, sindicatos e partidos de massas, conquistaram o direito à greve e ao voto, a instituição do salário-mínimo, dos subsídios de férias, de natal e também do subsídio de desemprego. Todas as grandes conquistas sociais que fizeram a sociedade portuguesa um pouco menos injusta nos últimos 50 anos (da Escola pública ao SNS) têm raízes no período revolucionário.
A luta pela melhoria das condições de vida e pelos direitos democráticos chocou com os interesses da burguesia que tentou dois golpes de estado a 28 de setembro de 74 e 11 de março de 75 e que foram frustrados pela mobilização da classe trabalhadora, que tomou consciência da necessidade de expropriar os capitalistas que conspiravam, organizavam e financiavam golpes contra a liberdade recém-conquistada, contra as conquistas e avanços sociais. A autogestão, a ocupação de terras e de casas devolutas, as nacionalizações foram impostas pela luta revolucionária dos trabalhadores, soldados e marinheiros.
Ao contrário do que proclama hoje a classe dominante, o processo revolucionário não foi o “caos” e a “desordem”, mas o momento mais criativo e exaltante da vida daqueles que que o viveram.
Infelizmente as direções do movimento operário não estiveram, não quiseram estar, à altura dos acontecimentos. Para eles o socialismo, na melhor das hipóteses, era uma meta distante e longínqua que se alcançaria ao fim de muitas etapas e através de “pressões”, “negociações”, “alianças” e “conciliações” com a burguesia “liberal” e dita antifascista; na pior das hipóteses, a perspetiva do socialismo foi um pesadelo a que se sujeitaram para melhor sabotar a luta dos trabalhadores.
Não cabe no âmbito deste artigo fazer a história da revolução portuguesa e sobre o 25 de novembro de 75 já muito se escreveu. Há versões para todos os gostos, mas o essencial a compreender é que o 25 de novembro não foi a causa da derrota da revolução, antes surgindo como consequência dos equívocos, hesitações, erros e traições conscientes que abateram o movimento operário e popular para que se chegasse a tal derrota.
Com recurso a escassas duas centenas de comandos, a direita militar foi capaz de neutralizar as unidades de esquerda na região de Lisboa, pela apatia e desorientação dos oficiais “progressistas”, mas sobretudo pela ausência duma reação popular massiva e resoluta que derrotara os golpes do 28 de setembro e 11 de março. A 25 de novembro a classe trabalhadora encontrava-se dividida e paralisada. E se a direção do PS fomentou o golpe de novembro, a direção do PCP aceitou-o sem lutar, sem mobilizar os milhares de trabalhadores, soldados e marinheiros comunistas, em troca duma “normalização democrática” onde estivesse incluindo. E, com efeito, a neutralização e saneamento da esquerda militar (como consequência do 25 de novembro) permitiu à burguesia acabar com os elementos embrionários de dualidade de poder, retomando o pleno controlo sobre o Estado e os instrumentos de repressão do mesmo. Mas mesmo assim o grau de consciência, militância e mobilização da classe trabalhadora eram de tal modo fortes que a burguesia levou décadas a reverter as “conquistas de Abril”!
Ao querer celebrar hoje o 25 de novembro, a burguesia pretende enterrar a memória da revolução sob um manto de lama e de mentiras, deturpando o seu significado, alcance e inspiração para as novas gerações. Não vão consegui-lo! É aliás absolutamente irónico (mas também revelador…) que o revisionismo histórico se tenha acentuado nestes últimos anos em que, precisamente, o regime democrático-burguês mostra a sua falência para desenvolver economicamente o país, melhorar as condições de vida das populações ou manter (sequer!) o prestígio e credibilidade das instituições do Estado.
Podem os burgueses e os seus políticos poltrões celebrar o regime medíocre, iníquo e corrupto que criaram com o 25 de novembro: há já uma nova revolução a fermentar!