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Os ataques do tribunal ao ativista Mamadou Ba relevam a natureza da lei e da justiça 

Artigo de Leon Vermis

Na sexta-feira, dia 20, Mamadou Ba, um ativista do SOS Racismo foi condenado a pagar uma multa de 2400 euros devido às suas publicações no X (Twitter), nas quais atribuiu culpas a um dos principais neonazis portugueses, Mário Machado, no caso relacionado com a morte do cabo-verdiano Alcindo Monteiro em 1995. 

Mário Machado admitiu a sua participação na trágica “caça ao preto” ocorrida na noite de 10 de junho de 1995, que resultou em múltiplos ataques a indivíduos racializados, culminando no assassinato de Alcindo Monteiro. 

 Mário Machado foi condenado a dois anos e meio de prisão pelos crimes de ofensas à integridade física nesse processo e por cinco crimes de ofensas corporais com dolo de perigo, demonstrando uma notória falta de arrependimento, de acordo com o próprio Supremo Tribunal. 

Este caso evidencia o verdadeiro significado da “imparcialidade” do sistema judicial burguês: a “imparcialidade” dos tribunais e da lei significa a maior parcialidade possível com a classe dominante que promove e defende a maior divisão entre a classe trabalhadora e que, como neste caso, promove a divisão racial e o racismo. 

O caráter de classe da justiça do estado moderno não foi alterado pelo 25 de abril – que sempre serviu a mesma classe e sempre vai ter o mesmo papel de reação como foi, por exemplo, a condenação do Zé Diogo pelo assassinato do grande latifundiário, ex-legionário e antigo presidente da Câmara Municipal de Castro Verde Columbano Líbano Monteiro (amigo íntimo de Santos Costa, que durante cerca de 30 anos foi o ministro de confiança de Salazar para os assuntos militares) a 6 anos de prisão, na sequência de ter sido despedido por se ter recusado a trabalhar horas não pagas; mesmo que o Columbano tenha sido um grande fascista que tenha oprimido o povo de Castro Verde, os tribunais burgueses mesmo no período revolucionário, acabaram por defender o fascista sobre o assalariado. Mais tarde, foi Zé Diogo ilibado do delito pelo tribunal popular formado por comissões de trabalhadores e pela luta contra a opressão da justiça burguesa, conseguindo libertá-lo. Porém, este foi só um caso isolado e os tribunais populares nunca substituíram a hegemonia da justiça burguesa no 25 de abril. 

Com o fim do PREC e com o triunfo da reação no 25 de novembro, deixou de se questionar a Justiça e o seu carácter de classe, até ao ponto do último presidente do conselho do Estado Novo Marcelo Caetano ter uma sala dedicada pela sua contribuição à “Lei” na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, demonstrando como a Lei é vista pela classe dominante: através duma ideologia de uma classe com direitos acima das outras classes, onde os contributos das pessoas para a Lei são separados das pessoas em si e os interesses de classe dos contributos. A lei e a justiça não podem ser imparciais porque são legislados e são fiscalizados no âmbito do domínio da propriedade privada e sob os parâmetros do Estado burguês: são superestrutura ideológica burguesa. 

A lei é puramente relativa, não está acima de classes e isso se reflete no combate ao fascismo e à reação. A burguesia usa as divisões entre a classe trabalhadora e a reação para dividir e conquistar, assim como embaratecer o trabalho de todos por isso as ideologias reacionárias e fascistas são até vantajosas para a burguesia em certos momentos. Apesar da lei claramente banir organizações com ideologias fascistas, esta lei só é útil se um tribunal declarar uma organização como fascista, tal como as leis antifascistas na Alemanha e noutros países, elas não têm muita utilidade porque as organizações conseguem contornar a lei e a lei em si praticamente não tem utilidade para a classe dominante, dado que muitas destas organizações defendem o sistema e só dividem a classe trabalhadora. No 25 de Abril, as organizações fascistas realmente desafiavam a estratégias “conciliadora” da burguesia “progressista”. A burguesia “liberal” aproveitou a ideologia antifascista do frentismo popular que defende a colaboração de classe e em termos mais claros a submissão da classe trabalhadora para “lutar contra o fascismo” – daí as leis antifascistas serem de facto mera estética. 

Em 2022, juíza do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa autorizou Mário Machado a deslocar-se para a Ucrânia, dispensando-o do cumprimento das apresentações quinzenais a que estava sujeito, no contexto de um processo por incitamento ao ódio racial. Esta decisão acolheu o argumento do arguido de que a sua viagem tinha fins humanitários, ou seja, autorizou um neonazi a se movimentar para a Ucrânia para alimentar a máquina de guerra ocidental – A juíza Catarina Vaz Pires fundamentou a sua decisão pela “situação humanitária prevalecente na Ucrânia” e nas “finalidades invocadas pelo arguido para a sua pretensão” – este é só mais um exemplo de como a lei é parcial. 

O coletivo marxista sendo um grupo comunista, declara solidariedade com Mamadou Ba e exige a anulação da sentença. 

A sentença do juiz não é só um ataque às liberdades democráticas, mas é a normalização da extrema-direita e a promoção de retórica racista que só divide a classe trabalhadora e ajuda a embaratecer o seu trabalho. 

Como grupo comunista, entendemos que as opressões não são casos isolados, mas sim são resultado de superestruturas ideológicas e causas materiais fundamentais que são enraizadas no sistema capitalista e que prevalecem como as mais influentes nas opressões; por isso, a tarefa principal é não só lutar no dia a dia pelos direitos dos grupos oprimido e unificar as diferentes lutas, mas acima tudo lutar contra o sistema que as promove e transformar fundamentalmente a sociedade onde a lei do valor e da acumulação deixa de ser dominante para uma nova sociedade que se baseie na cooperação e onde a lei de valor é eventualmente abolida. 

Só quando a classe trabalhadora entender o seu potencial revolucionário e entender os seus interesses é que podemos acabar com farsa da “Imparcialidade legal”, e estabelecer um sistema judicial que se afirma como parcial perante a classe trabalhadora e com todos os grupos oprimidos. 

Só através da luta de classes e das garras da revolução socialista é que podemos afirmar direitos e cumprir as promessas democráticas que os burgueses não conseguem cumprir. 

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