O anúncio pelo governo de Lenín Moreno de um pacote de contrarreformas econômicas no valor de 2,2 bilhões de dólares em 1 de outubro deu lugar a manifestações e greves massivas. O governo, que teme perder o controle da situação, respondeu com repressão brutal e ontem, 3 de outubro, declarou o estado de emergência durante 60 dias.
O brutal pacote de medidas é parte do acordo alcançado no início deste ano com o FMI, em troca de um empréstimo de 10 bilhões de dólares (dos quais o FMI aportará 4,2 bilhões). O empréstimo foi negociado pelo ministro da fazenda, Ricardo Martinez, que foi nomeado em maio de 2018 diretamente desde a presidência do Comitê Empresarial Equatoriano. Sabemos, pois, a quem interessa suas políticas.
Os objetivos declarados do pacote são os de transformar o déficit fiscal de 0,9%, em 2018, a um enorme superávit de 3,8% do PIB no próximo ano; reduzir a dívida pública do país de 46,1% do PIB, em 2018, a 36,6%; e duplicar as reservas de divisas de 5,1 bilhões de dólares a 11,4 bilhões até 2021. Segundo as próprias estimativas do FMI, esse programa afundará o país na recessão este ano, com uma queda de 0,5% no PIB.
Algumas das medidas (reformas fiscais e trabalhistas) necessitam da aprovação do Congresso, mas a abolição dos subsídios ao combustível entrou em vigor de imediato, com um aumento no diesel de 1,03 dólares por galão a 2,27 dólares, e a gasolina subiu de 1,85 dólares por galão a 2,30 dólares. Naturalmente, essa medida provocou uma ira massiva, já que terá efeitos indiretos nos preços do transporte e dos bens de consumo.
Movimentos de massas contra o pacote
Assim que as medidas foram anunciadas na terça-feira, houve manifestações espontâneas na capital Quito contra o pacote. Os motoristas de ônibus, táxis e caminhões declararam um encerramento nacional de atividades na quinta-feira e se lhes uniram organizações estudantis e sindicatos, que convocaram manifestações e greves. O movimento foi particularmente grande em Quito, mas afetou a maioria das províncias do país. Em algumas cidades, como em Cuenca e Imbabura, os manifestantes cercaram o governo regional e tentaram se apoderar dele. Houve manifestações massivas combinadas com bloqueios de estradas e barricadas em todo o país e, em Guayaquil, houve casos de pilhagens.
O governo respondeu com repressão policial brutal, disparando gás lacrimogêneo contra os manifestantes e, em seguida, investindo sobre eles com veículos blindados. Mais de 200 pessoas foram detidas durante o dia, contando apenas a capital. O exército saiu às ruas para enfrentar os manifestantes. Nada disso amorteceu o estado de ânimo dos manifestantes, que cantaram palavras de ordem como “Fora Moreno”, “Ou some o pacote ou some o governo”, “O povo unido não se acovarda, ‘carajo’” e marcharam ao palácio presidencial.
Em uma reunião ampliada de urgência do Gabinete de Ministros houve divisões sobre o caminho a seguir. Alguns sugeriram a suspensão da abolição dos subsídios ao combustível para apaziguar os protestos. Outros temiam que isso somente iria alentar o movimento contra todo o pacote. O ministro da fazenda Martinez ameaçou renunciar se fossem feitas concessões. As divisões em cima são um reflexo da força do movimento em baixo.
Supunha-se que o presidente Lenín Moreno iria fazer uma transmissão em cadeia nacional, que logo foi atrasada e finalmente cancelada e substituída por um vídeo pré-gravado de três minutos elogiando as virtudes do pacote e manifestando que não há volta atrás nem espaço para negociações e advertindo aos manifestantes que “enfrentarão as consequências”. Na realidade, o presidente havia fugido para Guayaquil, de onde declarou o estado de exceção durante 60 dias, suspendendo dessa forma a liberdade de organização e reunião. Claramente, o tamanho e o caráter furioso dos protestos sacudiram o governo que temeu, com toda razão, ser derrubado. O presidente preferiu a segurança de Guayaquil a ficar no palácio de Carondelet.
Para hoje, sexta-feira, 4 de outubro, foram convocadas mais manifestações às 4 horas da tarde e se fala de uma greve geral que será convocada para a próxima semana. A polícia recorreu a medidas de detenção de líderes dos trabalhadores do transporte e de outras organizações em várias regiões, mas isto não deteve o movimento. O dia começou com bloqueios de estradas e com a paralisação do transporte na maioria das regiões.
Não sabemos até onde chegará este movimento. Certamente tem o potencial para derrubar esse governo odiado. No entanto, uma coisa fica clara: a sublevação no Equador é outro prego no ataúde da chamada “onda conservadora” na América Latina, que os comentaristas burgueses aplaudiram; e sobre a qual os intelectuais e acadêmicos de “esquerda”, céticos e cínicos, teorizaram. Os outros pregos no ataúde foram cravados pelo movimento estudantil e pela greve geral contra Bolsonaro no Brasil, as greves gerais e a derrota de Macri na Argentina, o levantamento que derrubou o odiado governador em Porto Rico, o movimento de massas em Honduras contra JOH, o levantamento em curso no Haiti contra Jovenel Moïse etc.
As lições dos levantamentos anteriores
Lenín Moreno chegou ao poder em 2017, quando ganhou as eleições como candidato oficial de Alianza País, o partido do ex-presidente Rafael Correa, e do qual era visto como sucessor. Durante sua presidência, Correa aproveitou os altos preços do petróleo para realizar programas sociais, incorrendo na ira da oligarquia. Correa se alinhou com a Revolução Bolivariana da Venezuela, rompeu com o FMI, enfrentou o imperialismo estadunidense e a Colômbia e expulsou os EUA da base militar de Manta.
No entanto, rapidamente se tornou evidente que Moreno não tinha a intenção de continuar com as mesmas políticas de seu predecessor, sob o qual serviu como vice-presidente. Moveu-se para a implementação de um programa de austeridade fiscal, introduzindo cortes no gasto social, demitindo milhares de trabalhadores do setor público etc. Também se alinhou estreitamente com Trump, inclusive antes de ser eleito. A oligarquia, esse punhado de famílias capitalistas e latifundiárias muito ricas, que governou o Equador durante a maior parte de quase 200 anos, deu a Moreno pleno respaldo em suas políticas. Como parte de seu realinhamento com o imperialismo estadunidense, Moreno entregou Julian Assange, que havia recebido asilo na embaixada equatoriana no Reino Unido e a cidadania equatoriana sob o governo de Correa.
Os trabalhadores, camponeses e jovens equatorianos têm uma orgulhosa tradição revolucionária e, nos últimos 20 anos, derrubaram governo após governo através de levantamentos massivos contra suas tentativas de introduzir pacotes de austeridade: Abadlá Bucaram, em 1997; Jamil Mahuad, na revolução de 2000; e Lucio Gutierrez, em 2005. As massas entraram de novo em cena em 2007 mediante a eleição de Rafael Correa e novamente em 2010, quando derrotaram uma tentativa da oligarquia de dar um golpe de estado contra ele. Em alguns desses casos (Bucaram e Gutierrez), governos que foram eleitos com o apoio popular dos trabalhadores e camponeses que buscavam uma mudança fundamental, foram derrubados por insurreições populares quando os traíram. É possível que Lenin Moreno siga o mesmo caminho.
O movimento atual contra Lenín Moreno certamente beneficiará ao ex-presidente Rafael Correa e ao seu partido da Revolución Ciudadana e poderia trazê-lo de volta ao poder. Se for este o caso, é necessário aprender dos erros do governo de Correa. Apesar de se tratar principalmente de um governo progressista que realizou programas sociais, nunca desafiou fundamentalmente o poder econômico da oligarquia capitalista. Portanto, quando o preço do petróleo começou a cair em 2014, a economia do país se viu severamente afetada. O desemprego e a pobreza aumentaram e a popularidade do governo começou a cair.
Que caminho seguir?
As massas de trabalhadores e camponeses no Equador têm que se armar com um programa que vá mais além das limitações do sistema capitalista podre e dependente. Só com a expropriação da riqueza do punhado de famílias poderosas que controlam a economia do país pode-se começar a resolver os problemas que os trabalhadores e camponeses equatorianos enfrentam. Mesmo que tenha sido temporariamente possível aplicar políticas de redistribuição da riqueza dentro dos limites do capitalismo enquanto os preços do petróleo eram altos, isto já não é mais possível, particularmente em um momento em que o capitalismo mundial está se movimentando rapidamente para uma nova recessão. O único caminho a seguir para os trabalhadores e camponeses no Equador é o socialismo.
É claro que a classe dominante tentará sufocar o movimento atual através da repressão. Se isso falhar, poderiam tentar fazer concessões temporárias para desativar o movimento. Se o movimento continuar, então poderiam decidir eliminar Lenin Moreno e substituí-lo por outro político burguês que realize as mesmas políticas.
O movimento dos trabalhadores, camponeses e jovens necessita se unificar em torno das palavras de ordem “Abaixo o pacote e fora Lenín”. Isto só pode ser alcançado avançando-se para uma greve geral que paralise o país. É necessário estabelecer comitês de ação em cada fábrica, local de trabalho, escola secundária e universidade, e em todas as comunidades camponesas. Somente a ação independente da classe trabalhadora pode aportar uma solução para a crise em benefício dos trabalhadores.
Abaixo o pacote! Abaixo Lenín Moreno!
Comitês de ação em todas as partes! Greve Geral!
Trabalhadores e camponeses, confiem somente em suas próprias forças!
Equador: pacote de austeridade do governo provoca um levantamento massivo
Artigo publicado originalmente em 4 de agosto de 2019. Tradução de Fabiano Leite.