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Hoje na Grécia, amanhã em Portugal

Não foi capa de jornal e tampouco foi amplamente noticiado nos meios de comunicação o ataque que o Governo de Mitsotakis perpetrou contra a classe trabalhadora grega, aproveitando-se da sua maioria absoluta. Em resposta, milhares de trabalhadores saíram às ruas em protesto. A votação dividiu Governo, que votou a favor, e toda a oposição que votou contra. As polémicas medidas aprovadas contemplam:

  • Aumento da semana de trabalho para 6 dias;
  • Aumento da jornada diária de trabalho até 13 horas, diariamente “permitindo” que trabalhadores a tempo inteiro possam ter um segundo trabalho a tempo parcial;
  • Número máximo de horas trabalhadas por semana com limite e 78h;
  • Reconhecimento legal da obrigatoriedade de, a qualquer altura do dia, o trabalhador sem horário estabelecido pela entidade empregadora estar no seu posto de trabalho sem aviso prévio, mais conhecido como contratos de 0h, pois não está estipulado o número de horas ou horário de trabalho;
  • Restrições indiretas à greve, designadamente, com condenação a pena de prisão a quem impedir pessoas que queiram trabalhar durante as greves;
  • Possibilidade de, no período de um ano, um trabalhador ser despedido sem qualquer compensação ou aviso prévio (novos contratos de trabalho).

Estas medidas foram aprovadas pelo partido do Governo com a alegação de que reduziriam o trabalho informal enquanto contribuiriam para aumentar o emprego. No entanto, é importante notar que esses eventos não são isolados ou confinados à Grécia. Este tipo de eventos insere-se numa lógica que tem sido observada ao longo da História, conforme destacado no Manifesto do Partido Comunista, mas também enquanto estratégia ofensiva do grande capital à classe trabalhadora e aos direitos por si conquistados.

Há que reconhecer, no entanto, que esta maioria absoluta obtida pelo Nova Democracia só foi possível porque no momento decisivo o Syrisa abandonou o povo e as suas aspirações. A sua traição ficou na memória do povo e as eleições refletem a marginalidade a que esse partido ficou votado. O Syriza optou por se alinhar com a burguesia, ao se recusar a implementar a vontade do povo aquando do não à troika. Reflexo disso é a abstenção que atingiu 47,17%, pela qual concluímos que o povo, não tendo alternativa de esquerda, simplesmente desistiu de ir às urnas e escolher entre o mau e o péssimo.

Perspetiva marxista

O antagonismo de classes revela-se entre quem detém a propriedade privada dos meios de produção e de quem nada mais tem a não ser a venda da sua força de trabalho. Neste processo de venda da força de trabalho, um trabalhador produz determinado valor, sendo que só uma parte da sua jornada laboral é que é remunerada e a outra é apropriada a custo 0 pelo empregador (mais-valia).

Ao alargar a semana de trabalho, a classe empregadora grega está a apropriar-se ainda mais desta mais-valia. Ou seja, o incremento de mais horas de trabalho permite espremer ainda mais os trabalhadores, ao mesmo tempo que, aumenta os ganhos da burguesia. Quem sai beneficiado não é o trabalhador com o “benefício” de acumular dois empregos e que trabalha 6 dias por semana ou que tem que estar sempre disponível, deixando de ter vida própria e prolongando a precariedade; quem mais ganha com estas medidas laborais é o grande capital.

Quando a jornada de trabalho é aumentada (mais horas por dia e mais um dia por semana), os trabalhadores passam mais tempo a produzir bens ou serviços. Porém, os seus salários não aumentam na mesma proporção. Isso significa que uma parte maior do valor criado durante as horas extras de trabalho vai para os empregadores na forma de lucro, pois o trabalhador não é compensado adequadamente por esse tempo produtivo adicional. Além disso, a flexibilização dos contratos, torna os trabalhadores disponíveis a qualquer momento, sem horários fixos ou garantia de horas mínimas de trabalho, colocando os trabalhadores numa posição de precariedade, sempre à disposição dos empregadores, sem a garantia de um salário estável.

Essa incerteza e exploração tornam mais fácil, para os empregadores, extrair um maior valor do trabalho produzido, resultando numa maior apropriação da mais-valia, base do lucro capitalista.

Marx e Engels mostram que o motor da História é a luta de classes. Isto é, que a História se desenvolve com dois grandes antagonistas: por um lado uma classe opressora e, do outro, uma classe oprimida. Foi assim durante o Império Romano, na Idade Média, no período de grande industrialização do século XIX e início do século XX e a mesma dinâmica assim continua em pleno século XXI.

É fundamental, contudo, compreender que a luta de classes não se resume a uma observação histórica do passado, mas é também um apelo à ação no presente. A luta de classes é um processo dinâmico, no qual a classe trabalhadora se deve organizar, não apenas para defender os seus direitos, mas também para superar o sistema capitalista.

É crucial que os trabalhadores não apenas lutem para conquistarem novos direitos, mas também que estejam vigilantes para não perderem os que já tão duramente custaram a alcançar. Ao menor descuido o patronato explorador não terá piedade, nem pensará duas vezes, para suprimir esses direitos, com a alegação de que se preocupa com as condições laborais ou sociais dos trabalhadores.

A solução para os problemas das crises do capitalismo não é aumentar a jornada de trabalho; a solução para o problema do desemprego não é permitir que os trabalhadores tenham que trabalhar em dois trabalhos por dia e, muito menos, permitir que se tornem em ferramentas descartáveis para serem despedidos sem compensação ou pré-aviso.

União contra a exploração

A solução para o problema do capitalismo é o socialismo. Enquanto existir capitalismo sempre teremos crises provocadas pela ganância de uns poucos em tentarem espremer ao máximo a classe trabalhadora; enquanto houver capitalismo sempre existirá desemprego que, aliás o patronato fará questão de manter.

A classe trabalhadora tem, porém, uma palavra a dizer acerca de todas estas mudanças laborais gregas e o verdadeiro motivo que as animam. A História é repleta de exemplos de que quando povo se organiza e luta pelos seus direitos, a burguesia, acobardada e sabendo do perigo que corre, recua e cede a algumas reivindicações visando parar o ímpeto da classe trabalhadora.

Sabemos que o problema do capitalismo é estrutural e não é algo de conjuntura passageira; sabemos que a solução para os problemas criados pelo capitalismo é a revolução para o socialismo. Contudo, isso não nos impede de começar já a lutar e defender os direitos que tão duramente foram conquistados. Mais do que defender, urge lutarmos unidos, por mudar as condições por melhor habitação, melhores condições laborais e pelo fim da exploração.

Temos consciência de que o que se passa agora na Grécia é apenas uma experiência burguesa para ser replicado noutros países, contribuindo para piorar a condição da classe trabalhadora, mas o povo deve estar atento e unido para, não apenas resistir a estes ataques, como também lutar por uma sociedade na qual a opressão deixe de existir.

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About Davide Morais Pires (Colectivo marxista)

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