Soldado do batalhão azov

A contraofensiva ucraniana: uma avaliação preliminar

Alan Woods

Imagem: trabalho próprio

Os relatos parciais e confusos de confrontos na frente do Donbass apontam para o início da tão anunciada contraofensiva ucraniana. Com base em informações escassas, é impossível fazer um prognóstico definitivo. As linhas seguintes têm, portanto, um carácter inteiramente condicional.

Sublinho o facto de representarem as minhas próprias opiniões, uma vez que não consegui comparar notas com outros camaradas e ficarei sem comunicação durante algum tempo.

De acordo com a vice-ministra da Defesa ucraniana, Hanna Mailar, uma ofensiva ucraniana está “ocorrendo em várias direções”. Estas declarações estão a alimentar especulações de que podemos estar a assistir ao início de uma campanha de Kiev para reconquistar o território ocupado pela Rússia.

“Não se trata apenas de Bakhmut. A ofensiva está a decorrer em várias direções. Estamos felizes com cada metro. Hoje é um dia de sucesso para as nossas forças” – disse.

Nas últimas semanas, o exército ucraniano intensificou os seus ataques a depósitos de combustível e depósitos de armas russos – o tipo de ataques que geralmente precedem grandes ofensivas terrestres. Kiev, no entanto, enfatizou que não anunciaria quando qualquer contraofensiva iria começar.

Devido aos intensos esforços tanto dos ucranianos como dos russos para manipular a opinião pública e enganar os seus adversários relativamente às suas estratégias militares, temos de aceitar os relatórios de ambos os lados com uma pitada de sal. No entanto, apesar disso, é possível analisar cuidadosamente as informações disponíveis e reunir material suficiente para formar uma avaliação básica.

Os comentários de Mailar (acima mencionados) vieram na esteira das alegações do Ministério da Defesa russo de que havia resistido a um ataque “em larga escala” da Ucrânia na região leste de Donetsk. Nos seus comunicados, os militares russos afirmaram ter matado 250 ucranianos e destruído vários veículos blindados usados no ataque, embora não tenham dado mais detalhes.

É impossível verificar de forma independente a afirmação, mas se for verdade, indicaria que o lado ucraniano está envolvido em operações de sondagem, projetadas para testar a resistividade das forças russas em certos pontos ao longo de uma linha de defesa que se estende por mais de mil quilômetros.

A verdadeira ofensiva, quando chegar, pode não estar nem perto da área descrita nos relatórios iniciais. Os ucranianos vão testar vários pontos antes de lançar um ataque sério. E têm de prestar a máxima atenção a esta questão, porque os seus fornecimentos de soldados e armamento são estritamente limitados e perdas graves prejudicá-los-iam fatalmente.

Isto é algo que temos de ter constantemente presente nas próximas semanas. Em maior grau do que qualquer outra guerra, esta guerra foi travada no campo da propaganda. Pode-se prever de antemão que qualquer avanço dos ucranianos – mesmo a conquista de uma aldeia insignificante – será acompanhado por uma explosão ensurdecedora de propaganda triunfalista. Mas não devemos deixar-nos enganar por este ruído e, em vez disso, devemos manter a nossa atenção fixada no equilíbrio fundamental de forças e nas realidades do campo de batalha, que normalmente têm pouca ou nenhuma relação com as “batalhas” perdidas e ganhas na chamada guerra da informação.

Se fizermos um esforço para ignorar o hype e considerarmos os factos, tornar-se-á imediatamente evidente que os ucranianos não estão numa situação favorável. Muito pelo contrário. O Ministério da Defesa ucraniano não divulga números de vítimas mortais, mas as perdas de ambos os lados têm sido muito grandes. A diferença é que a Rússia é um país muito maior do que a Ucrânia e é capaz de repor as suas perdas mais facilmente.

O desespero crescente de Zelensky

Na sangrenta batalha por Bakhmut, a Ucrânia perdeu um número muito grande de tropas experientes, enquanto as perdas russas parecem ter sido principalmente limitadas ao Grupo Wagner, que fez a maior parte dos combates e nem sequer faz parte do exército russo. As principais forças russas estão intactas e entrincheiradas atrás de uma linha de defesa fortemente reforçada.

Lembremo-nos da afirmação de Napoleão de que a defesa tem uma vantagem sobre a ofensiva de três para um. Os russos tiveram tempo de sobra para se preparar para enfrentar uma contraofensiva ucraniana. Apesar das afirmações absurdas do Ocidente, não lhes falta munição. Ao contrário da Ucrânia, a Rússia tem uma poderosa indústria bélica, que trabalha horas extras, em contrarrelógio, produzindo armas, munições e mísseis.

Em contrapartida, os ucranianos dependem inteiramente dos fornecimentos do Ocidente e queixam-se constantemente de que lhes falta praticamente tudo. Nos últimos meses, Zelensky tem dado sinais crescentes de desespero. As suas constantes viagens ao estrangeiro visavam garantir que não haveria redução no fornecimento de armas. Nisso, ele foi bem-sucedido, pelo menos a curto prazo.

No entanto, o futuro não é claro. Em público, os EUA e a NATO continuam a proclamar que estão unidos e continuarão a apoiar a Ucrânia “o tempo que for necessário”. Mas, em privado, as coisas são muito diferentes. Há provas muito claras de que o apetite por esta guerra no Ocidente está a falhar. A inflação, diretamente ligada à guerra, está a atingir o Ocidente, enquanto as sanções dirigidas à Rússia, embora tenham causado alguns danos, não tiveram qualquer efeito comparável e nenhum efeito sobre a máquina de guerra russa.

Nos bastidores, líderes ocidentais pressionam os ucranianos a iniciar negociações com a Rússia. Mas esse seria o beijo da morte para Zelensky. Significaria inevitavelmente uma perda de território, o que dizem estar fora de questão. Portanto, por enquanto, as coisas devem ser resolvidas no campo de batalha. Mas Zelensky sabe que, mais cedo ou mais tarde, terá de negociar.

A verdadeira intenção da ofensiva é ganhar um pouco mais de território, para que a Ucrânia possa entrar nas negociações de paz com uma mão negocial mais forte. Mas essa é uma aposta muito arriscada, cujas consequências podem muito bem ser desastrosas para a Ucrânia.

A outra razão, mais premente, para a ofensiva é uma tentativa desesperada de provar aos apoiantes ocidentais de Zelensky que todos os milhares de milhões que derramaram no esforço de guerra ucraniano não foram em vão, que a Ucrânia ainda pode lutar – e vencer.

É claro que Zelensky tem raspado o fundo do barril para reunir qualquer força que reste para esta ofensiva, chamando todos os soldados enviados para os EUA, Grã-Bretanha e outros países para treino e formação – quer essa formação tenha sido concluída ou não.

Desde o início da guerra, a Ucrânia perdeu um grande número das suas melhores tropas endurecidas na batalha. Estes militares caídos estão a ser substituídos por recrutas inexperientes que estão a ser atirados para um conflito sangrento para o qual não estão preparados. As perdas foram horríveis, mas não são nada em comparação com o que está a ser preparado. É verdade que muitos são corajosos e estão dispostos a sacrificar suas vidas. Mas o entusiasmo e a coragem não são suficientes para vencer guerras. E os recrutas verdes não substituem os veteranos calejados em nenhuma guerra.

Qual será o resultado? Como de costume, é preciso ser muito cauteloso e condicional. A equação sangrenta da guerra tem tantas variáveis que raramente é possível uma previsão precisa. Fatores como a moral, a qualidade dos oficiais a todos os níveis, as questões logísticas – até as condições meteorológicas – desempenham um papel importante. No entanto, é possível fazer um prognóstico muito provisório, que terá de ser modificado, corrigido ou, se necessário, rejeitado por completo. Eventos e mais eventos, eventos decidirão.

Luta real ainda por começar

A situação atual assemelha-se aos momentos iniciais de uma luta de boxe, onde os dois antagonistas estão circulando um em torno do outro, trocando socos para tentar ter uma ideia clara dos pontos fortes e fracos do oponente. Podemos descartar com segurança pequenos incidentes, como os ataques isolados de drones a Moscovo ou a aventura de Belgorod. Eram meras alfinetadas, encenadas para fins de propaganda ou como distrações, que não terão qualquer efeito no curso da guerra.

Os mais recentes ataques foram um caso muito mais grave, mas – como disse – foi apenas um ataque de sondagem, e ainda não uma ofensiva de pleno direito. Podemos esperar vários outros ataques desse tipo antes que a ofensiva principal se desenvolva. O seu carácter exato e localização só serão conhecidos depois de ter acontecido.

Os ucranianos possuem força suficiente para infligir derrotas aos russos? Sem dúvida. Tendo reunido todas as forças disponíveis, os ucranianos podem inicialmente varrer tudo à frente deles – embora a um custo muito alto em vidas.

Fala-se mais uma vez em retomar Bakhmut (Prigozhin já está a protestar contra a perda de uma pequena aldeia nas proximidades, que os seus homens tinham capturado e entregue ao exército russo). Isso é perfeitamente possível, e será saudado como uma vitória importante. Mas não será nada disso.

A importância estratégica de Bakhmut é francamente insignificante, e foi muito tolo da parte de Zelensky ter-se agarrado à cidade para fins de propaganda. Serviu aos russos para manter esse inferno aceso porque agiu como um moedor de carne para matar combatentes ucranianos, enquanto quase todos os combatentes do lado russo eram do grupo Wagner, que recebeu a maioria das baixas.

Prevejo que os russos em geral tenderão a recuar diante do avanço ucraniano. Podemos esperar um verdadeiro carnaval de alegria na mídia ocidental. Mas eles devem esperar um pouco antes de chamar por desfiles de vitória. Longe do fim da guerra, a verdadeira batalha ainda não terá começado.

Os russos tiveram muito tempo para construir uma linha de defesa fortemente reforçada. A área antes constituirá um terrível campo de extermínio, onde as tropas que se aproximam ficarão sob uma barragem de fogo. É aqui que terão lugar as batalhas decisivas. E, na minha opinião, é aqui que as forças ucranianas vão ver o seu avanço travado.

FÉ neste ponto que a guerra será decidida, de uma forma ou de outra. Os russos construíram uma força maciça, que poderia aproveitar o momento para passar para a ofensiva. O seu sucesso parece mais provável, mas, como sempre numa guerra, nunca certo.

Desde o início desta guerra, houve muitas surpresas. Por um lado, os ucranianos mostraram uma enorme resiliência e coragem – coisa que ninguém pode negar. E a moral desempenha sempre um papel muito importante na guerra. No entanto, como dissemos, a moral por si só nunca é suficiente para garantir a vitória. E não é de todo claro que a moral tanto dos civis como dos militares possa sobreviver a uma série de reveses no campo de batalha.

O lado russo, como vimos, tem muitas vantagens sobre os ucranianos. Nos tempos soviéticos, essas vantagens teriam sido mais do que suficientes para garantir a vitória. Mas a Rússia atual não é a União Soviética. O regime de Putin é reacionário e corrupto até ao tutano. É a criação de uma oligarquia capitalista, tal como o próprio regime de Zelensky.

Em qualquer sociedade, o exército é a imagem espelhada do regime. As falhas do exército russo nas fases iniciais deste conflito não foram por acaso. A hesitação, o desgaste e outros defeitos contribuíram para o fracasso. É verdade que o exército russo aprendeu muitas lições. Mas não se pode excluir que novos erros possam ser cometidos. A moral dos soldados russos que travam uma guerra contra os seus irmãos eslavos também não pode ser dada como certa.

Por todas estas razões, será necessário acompanhar o progresso da guerra com a maior atenção. Escusado será dizer que os marxistas não podem apoiar nenhum dos lados. É uma escolha entre duas oligarquias igualmente reacionárias por detrás de uma das quais está o imperialismo ocidental. Nem a vitória de um lado nem do outro significará algo de progressista para a classe trabalhadora.

A nossa tarefa é acompanhar o desenrolar da guerra, fornecer uma análise clara e retirar as lições necessárias para educar as camadas mais avançadas dos trabalhadores e da juventude num espírito internacionalista revolucionário intransigente.

Nosso slogan é o de Espinosa, que Trotsky frequentemente citava: “Nem chorar, nem rir, mas compreender”.

Londres, 6 de junho de 2023

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