Na noite do dia 4 de fevereiro, um incêndio assolou um prédio do bairro lisboeta da Mouraria. Duas pessoas de nacionalidade indiana morreram e mais 14 resultaram feridas. Segundo o voto de pesar apresentado pelo PAN e o PEV e aprovado pela Câmara de Lisboa, 22 pessoas moravam no rês-do-chão do edifício, alugando beliches por 150 euros mensais. A declaração da Câmara inclui informações muito reveladoras sobre o edifício:
“O prédio estaria insolvente, tendo sido alienado a uma instituição financeira, sendo usado para alojamento local, e o rés-do-chão teria posteriormente sido vendido a um estrangeiro, o qual subalugaria um dos apartamentos a cidadãos oriundos de outros países, que pagariam à volta de 150 euros por cada cama/vaga.”
Embora o Ministério da Administração Interna tenha prometido apurar responsabilidades, o voto do PAN corretamente assinala que isto será insuficiente, já que estas situações estão muito espalhadas pela cidade.
Atirando achas na fogueira, na esteira do incêndio, Carlos Moedas, em entrevista ao jornal Público, atribuiu os “problemas de sobrelotação” da cidade às “políticas de migração”, laxas demais segundo ele. Talvez desconheça as dificuldades colossais – os infinitos entraves burocráticos, a crua exploração e precariedade, a discriminação e o racismo – que esperam aos migrantes, sobretudo os vindos de países não europeus. Ao chegarem a Portugal, esses imigrantes encaram dificuldades que estão dispostos a enfrentar devido à falta total de perspetivas de futuro nos seus países. Ou talvez Moedas saiba isto, mas, esporeado pela direita e pelo Chega, queira atiçar cinicamente as chamas do racismo e da demagogia reacionária para dividir a classe trabalhadora e toldar as verdadeiras causas da “sobrelotação”: a especulação capitalista e o modelo de desenvolvimento rentista e parasitário que ele promove para Lisboa. O racismo de Moedas e companhia também procura isolar os migrantes, transformando-os numa mão de obra híper-vulnerável, submetida a um verdadeiro apartheid, sem quaisquer direitos políticos e laborais: matéria-prima para a exploração capitalista.
Em Lisboa existe “sobrelotação” apenas para os pobres e os trabalhadores, os ricos não têm problema de habitação nenhum! Amplas zonas da cidade são compradas por fundos abutre, que transformam os prédios renovados em apartamentos de luxo ou hotéis para os ricos, ou em escritórios para as grandes empresas, ou ficam vazios após à compra, a espera da zona se valorizar. A câmara fomenta esta especulação, enquanto inúmeros apartamentos de sua propriedade ficam vazios em condições decrépitas e a construção de habitação pública é nula. Os que tudo produzem, os que tudo criam, os que arcam com os trabalhos mais necessários e pior remunerados, sem os quais nem uma lâmpada brilha, nem uma roda gira, nem um telefone toca, sejam indianos, brasileiros ou portugueses, são empurrados cada vez mais longe da cidade ou obrigados a alugar cubículos em porões inseguros e lotados. O incêndio da Mouraria é uma expressão brutal da barbárie capitalista. Os trabalhadores, de todas as nacionalidades, devem rejeitar os discursos racistas e reacionários de Moedas, Ventura e outros mercenários da burguesia e dos exploradores, e se unir para tomar o controle duma cidade que eles fazem funcionar diariamente, mas que está em mãos alheias.
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