DEFENDAMOS O ESPAÇO PÚBLICO: NÃO À PRIVATIZAÇÃO DA CIDADE!

O espaço público deveria ser um bem comum. Porém, é especialmente vulnerável à “lei do mais forte”. O espaço público está sujeito a um conflito entre diferentes agentes sociais com interesses contrapostos. Não está por acima da luta de classes, do conflito entre exploradores e explorados. A burguesia não só controla os meios de produção, mas também os meios de reprodução e de distribuição, e o espaço dos mesmos. Há quem lucra com o espaço público e há quem o utiliza para viver, como acontece com tantos outros bens e serviços sociais: habitação, água, eletricidade, ensino, saúde, etc. Existe uma contradição entre os interesses dos capitalistas e a grande maioria social que quer fruir da cidade à que pertencem. É a lei do capitalismo: fazer da vida toda uma mercadoria, também do espaço.

O dogma burguês tem vindo a reservar a reprodução da vida ao espaço privado, reservando ao espaço público uma função subsidiária do primeiro. Para eles a única função que o espaço público tem é fazer a classe trabalhadora consumir ou para circular entre espaços privados, mas não para estar. Queres ir ter com alguém? “Vai a um bar”. Queres festa? “Vai a uma discoteca”. Mas não faças nada disto na rua, não incomodes. Gasta dinheiro.

E ir de um lugar a outro? “Tira a carta e compra um carro pobretanas de merda! O que é isso de ir a pé aos lugares? Vais ficar cansado…Transporte público? Ainda apanhas a varíola do macaco, ora essa!” Não conseguem conceber que há pessoas cujo uso do espaço público possa ser o de ir a pé aos lugares, da paragem do metro a casa, ou simplesmente estar a ler um livro ou fazer um piquenique num parque público. Só lhes interessa o porta-a-porta: estacionar o carro a frente de casa, deixar a trotineta deitada no passeio à frente da porta do prédio ou ir de táxi de um lugar a outro.

Para a burguesia o espaço público não serve para viver, serve para deitar aquilo que não querem em casa: a poluição, os caixotes de lixo, os moradores da rua, o carro enquanto não está a ser útil, a trotinete quando já a utilizaram, etc. Mesmo a renovação das praças e as ruas da cidade é utilizada para aumentar o valor das propriedades imobiliárias circundantes. O capitalismo em crise viu mais uma oportunidade depredatória que vai além de socializar aquilo que não se quer para si próprios: tirar lucro de aquilo que não é deles. Com a colaboração da câmara, empresas privadas da chamada “mobilidade suave” têm vindo a ocupar para beneficio próprio o espaço do utilizador mais fraco do espaço, o peão. 

A manobra é perfeita, a vereação faz uma operação de “greenwashing” a dizer que promove a mobilidade sustentável e a elite extrativista tira lucros privatizando um bem comum. Mas à custa de quem? Como sempre da classe trabalhadora, que constitui a imensa maioria das pessoas que não tem outra maneira de utilizar o espaço público que como peões.

A cidade capitalista não só está submetida à procura do lucro pelos capitalistas. Há também uma falta absoluta de planificação urbana, de gestão racional dos recursos e do espaço, e de consideração pelas necessidades a longo prazo: impera a anarquia do mercado e a miopia do lucro imediato, à custa do bem-estar dos cidadãos. 

A crise de 2008 golpeou Portugal particularmente forte. Para sair do apuro, a burguesia portuguesa e os seus representantes políticos basearam-se na especulação, na desregulação, nos ataques às condições de vida dos trabalhadores e na abertura total do país e dos seus recursos aos inversores mais ávidos, sejam estrangeiros e nacionais, sem consideração nenhuma pelas necessidades dos moradores ou pela sustentabilidade. Lisboa e Porto em particular tornaram-se um Velho Oeste onde tudo é permitido. É assim que se implantaram empresas totalmente parasitárias, que em vez de investir dedicam-se a tirar rendas de propriedades alheias, como AirBnB, ou a explorar espaços públicos mantidos pela câmara, como Bolt, ou a explorar os trabalhadores sem oferecer nada além do acesso às suas apps e bases de dados, como Uber ou Getir. O mais incrível é que empresas como Bolt não só aproveitam a manutenção das ruas e os passeios pela câmara, mas fazem competência desleal na rede de transportes públicos, sobretudo as bicicletas Gira. Em vez de ampliar a rede de transporte público e melhorar a sua qualidade, a câmara pratica a autossabotagem convidando estas empresas rentistas.  

É por isso que é imperativa uma distribuição equitativa do espaço público para que não governe a “lei do mais forte”. O estímulo da mobilidade suave não pode ser feito à custa do utilizador mais fragilizado. Tem de existir uma política de alargamento de passeios, e de conversão de faixas de rodagem em ciclovias e corredores para transportes públicos, e, sobretudo, de desenvolvimento de uma rede de transporte público gratuita, eficiente e integrada com critérios holísticos e de sustentabilidade.  

As dificuldades dos que moram e trabalham em Lisboa para fruir da sua cidade reflete a realidade do sistema capitalista: a sociedade não funciona sobre a base dos desejos e as necessidades da maioria, mas da obtenção de lucro a curto prazo por um punhado de exploradores que dominam as nossas vidas. É preciso lutar pelas reformas mais básicas, mas sem esquecermos que, em última instância, a única forma de gerir os recursos e o espaço de forma democrática é expropriando a burguesia, mediante métodos socialistas e revolucionários. 

Apelamos à câmara para intervir na defesa do espaço público com medidas urgentes e imediatas, mas somos conscientes dos seus limites, particularmente após a vitória de Moedas. Uma gestão genuinamente racional e democrática das ruas, parques e praças só pode ser garantida pelos próprios moradores dos bairros, organizados em comissões como capacidade de decisão, como mostra, de forma embrionária, a grande experiência das comissões de moradores da revolução portuguesa de 1974-1975.

Slogans para a campanha:

  • Mais estações de Gira, menos trotinetes privadas!
  • Transporte público gratuito e de qualidade!
  • Alargamento dos passeios e dos espaços públicos!
  • A cidade não pode ser uma mercadoria!
  • Mais parques e jardins, mais lazer gratuito e de qualidade! 
  • Tiremos a cidade das garras do grande capital!
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